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OPINIÃO
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O parlamento austríaco vetou nesta quarta-feira (18) a proposta de Acordo de Livre-Comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Com adesão dos três partidos principais do país, ÖVP (Partido Popular - centro-direita), SPÖ (Partido Social-Democrata - centro-esquerda) e FPÖ (Partido pela Liberdade da Áustria - extrema-direita), foi aprovada uma moção que condiciona o voto do governo no Conselho Europeu sobre o tema. Situação que praticamente “enterra” o acordo, já que é necessária a aprovação de cada país do bloco.
Depois de idas e vindas que duraram mais de 20 anos, líderes europeus e sul-americanos reunidos na Cúpula do G20 (Osaka, Japão), em especial Bolsonaro e Macri, estavam celebrando o caso como uma grande vitória de seus governos. O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, naquele momento destacava pelo Twitter: “(...) agora os produtores brasileiros terão acesso a esse enorme mercado”. Em um segundo tweet destacava: “Histórico! (...) Esse será um dos acordos comerciais mais importantes de todos os tempos e trará benefícios enormes para nossa economia”.
Por outro lado, esse clima de “festa” não foi percebido entre os europeus. Angela Merkel, sem ter feito grandes declarações públicas sobre o tema, aparecia como a grande vitoriosa da negociação, em especial pelo benefício para “exportações de carros alemães, para engenharia mecânica, indústrias farmacêuticas e químicas”, como destacava o portal Topagrar naquele momento. Entretanto, logo ficaram nítidas as contradições que reinavam entre o agronegócio europeu, com destaque para os casos austríaco, francês, irlandês, italiano e polonês.
Tal contradição começou a ganhar relevo durante os dias prévios do G20, com trocas de farpas entre Bolsonaro e Macron, mas ganhou proporções inéditas com as queimadas na Amazônia, que chegaram a ser pauta de discussões durante o último encontro do G7, realizado na cidade de Biarritz (França). Ali o grupo de nações que representam cerca de 45% da renda bruta mundial definiram medidas de auxílio para os países amazônicos.
Naquele momento, diante de acusações e ameaças, as questões passaram da temática ambiental, entraram na seara da soberania nacional dos países amazônicos e até chegaram ao absurdo ponto de comentários sobre a esposa de Macron. Todo esse cenário potencializou acirramentos e fortaleceu setores contrários ao acordo. De forma pragmática, a imagem de Bolsonaro deteriorou-se rapidamente e líderes contrários, como Macron, viram sua popularidade crescer em diversas pesquisas de opinião.
Agora, para além das “cortinas de fumaça” que buscam distrair a atenção do público, o veto do parlamento austríaco no texto da própria moção deixou claro algumas verdades. Infelizmente, o Mercosul - em especial o Brasil - não deu demonstrações de que respeitaria o acordo em termos ambientais, de segurança alimentar, de proteção de consumidores e - adiciono - muito menos em termos laborais-trabalhistas.
A distância entre o discurso e a realidade é gigante. Com apoio especial do agronegócio, desde a retomada das negociações com o governo Temer, vimos pouca transparência nas negociações, participação mínima da sociedade civil e vários atores descontentes, inclusive no âmbito empresarial - seja entre os mercosurianos ou entre os europeus. Ou seja, se para o agronegócio mercosuriano o acordo era bom e para indústria alemã também, para grande parte do agronegócio europeu e da indústria de nossa região e de países europeus periféricos o acordo representava uma ameaça.
Mais do que isso, a flexibilização de tarifas e diminuição da burocracia prometida, muito além do “discurso bonito”, poderia representar um “tiro no pé” de vários segmentos industriais e, fundamentalmente, o aprofundamento da deterioração das condições de trabalho, bem como a perda de milhões de postos de trabalho para classe trabalhadora de nossa região.
Portanto, há males que vem para o bem. O veto austríaco, muito além de representar protecionismo de lá, lança um alerta sobre o desmatamento da Amazônia e outras regiões de proteção ambiental como o Aquífero Guarani, sobre o uso de agrotóxicos, mas fundamentalmente sobre a necessidade de pensarmos um projeto nacional de desenvolvimento que liberte o país de lobbies poderosos que não possuem compromisso com a nação, com a valorização da classe trabalhadora, com o combate ao desemprego, geração de renda e redução da pobreza.
Por fim, além da questão ambiental e a trabalhista, precisamos estar atentos sobre o desprezo quase completo do nosso governo sobre processos democráticos, concepções de governança, de regras de comércio e diálogo social. A ausência, o descompasso ou a inadequação de mecanismos de controle e ações do Estado Nacional nessas áreas preveem uma trágica situação e um crescente isolamento do país no cenário internacional.