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OPINIÃO
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Quem quer que escreva cotidianamente sobre a política brasileira se vê atropelado pelos absurdos ditos pelo presidente Jair Bolsonaro. Quando resolve comentar um, já há outros novos. E esses absurdos não são apenas políticos. São de toda ordem. Bolsonaro é um desqualificado, uma pessoa capaz de fazer chacota com a dor de uma família que perdeu um ente querido na tortura.
Já se discute se as sandices que ele comete a cada dia não funcionariam como uma cortina de fumaça, fossem elas – e não as políticas mais de fundo do governo, operadas pelo ministro Paulo Guedes – o objeto do debate político no país. Pode ser que sim, pode ser que não. É difícil saber.
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O fato é que tanto as sandices, como a destruição do país, devem ser objeto de atenção e crítica. As primeiras devem ser usadas para desgastá-lo aos olhos da sociedade. As outras têm que ser combatidas firmemente, pois são a materialização de um projeto de destruição do país, levando-o de volta à condição de colônia e dos tempos pré-Revolução de 30, quando os trabalhadores não tinham reconhecido um mínimo de direitos.
Bolsonaro surfou num descontentamento real na sociedade, usando os erros do setor das esquerdas que governava para se apresentar como o candidato antissistema. Tomou para si aquela palavra de ordem do movimento popular argentino “que se vayan todos”, como se ele próprio não representasse a face mais rústica da velha política que dizia combater.
A direita mais truculenta sabe que um golpe militar apoiado em tanques, que instaure uma ditadura como as dos anos 60 e 70 está fora de moda. Enfrentaria problemas, inclusive no plano internacional. Mas esta não é a única forma com que o autoritarismo pode chegar ao poder. Basta ver o exemplo de Hitler, que, a partir do cargo de primeiro-ministro que tinha alcançado de forma legal, instaurou a mais cruente ditadura de que se tem notícia nos tempos modernos. Em tempos atuais, temos os exemplos de Viktor Urban, na Hungria, e de Recep Erdogan, na Turquia. Ambos foram eleitos e implantaram regimes profundamente autoritários. Eles parecem ser o modelo de Bolsonaro.
Neste quadro, é preciso unir forças para defender a democracia. E unir forças com quem se dispuser a travar a batalha, sem a exigência de atestados ideológicos. Não é necessário – e com certeza será até prejudicial – pensar na formalização de uma frente, com nome, estatuto e tudo o mais.
Haveria um interminável debate sobre quem entra e quem não entra na frente, sem falar na apresentação de queixas passadas e em disputas do protagonismo com vistas à eleição de 2022.
Já se for feita a unidade em torno de iniciativas pontuais – como ocorreu, por exemplo, no ato em defesa do jornalista Glenn Greenwald, na ABI – as coisas podem caminhar.
Nada impede que um dado segmento desenvolva iniciativas próprias, com as quais não concordem os demais. Enfim, que se trabalhe em frente sempre que possível. Quando não for possível, que cada segmento tenha total liberdade, sem estar preso à concordância dos demais.
Não tem sentido, também, ficar cobrando autocrítica pública de quem, de uma forma ou de outra, apoiou a direita, ou mesmo Bolsonaro, e hoje dá sinais de arrependimento. O essencial é que deixem de apoiá-los e venham para o lado da defesa da democracia. Não tem cabimento querer que ajoelhem no milho ou façam qualquer tipo de penitência.
Uma aliança vista dessa maneira aceitará que alguns de seus integrantes discordem de outros em alguma questão. Aqui vale o exemplo da deputada Tabata Amaral (PDT-SP). Ela foi festejada, até de forma exagerada, quando teve uma excelente participação na audiência pública em que emparedou o ministro da Educação na Câmara dos Deputados. Mas depois, muitos dos que a tinham levado às nuvens passaram a execrá-la por ter votado a favor da proposta de reforma da Previdência, de Paulo Guedes e Bolsonaro. Foi um erro grave, sem dúvida, que cometeu. Que o caso fosse examinado pelo seu partido e Tabata fosse punida, é natural. Mas as duas principais figuras do PDT - seu presidente e seu último candidato à presidência da República – chegaram a tratá-la com um rigor que não foi usado contra eles quando, em outros momentos de suas vidas públicas, estiveram do lado contrário da trincheira. Tabata é jovem e não há indicações de que seja mal-intencionada. Ela deve ser atraída, e não empurrada para os braços da direita. O mesmo vale para outros casos.
É hora de unir forças para resistir à escalada do arbítrio.
Só isso permitirá barrar um retrocesso que já não é apenas político, mas civilizatório.