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OPINIÃO
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Em política não há coincidências, mas sincronismos. O que dizer então sobre os acontecimentos sincrônicos que cercaram o “Dia D” da aprovação do texto da Reforma da Previdência na CCF da Câmara dos Deputados? Nova rodada de ataques de Carlos Bolsonaro ao vice general Mourão, a permissão do STF para Lula conceder entrevista, a redução da pena no caso do triplex e o ápice no dia seguinte à aprovação da Reforma: uma megaoperação da Polícia Civil em todo País com milhares de policiais nas ruas caçando mais de três mil “foragidos da Justiça”. “Acertando as contas com a Justiça!”, proclama triunfalmente a grande mídia. Agora o show de meganhagem diária pela TV (armas reluzentes, toucas ninjas e policiais “hipsters” com sex appeal) se associa à guerra semiótica criptografada que embaralha as informações para ocupar a pauta midiática, iludir a esquerda com um suposto “racha” no governo e alentar as massas desempregadas com o espetáculo moralista de caça de corruptos e criminosos. Principalmente com a proximidade do simbólico primeiro de maio. Enquanto isso, os sacos de maldades neoliberais vão seguindo em frente.
Quando esse humilde blogueiro incursionou pela carreira de repórter, o primeiro passo foi na editoria de Polícia. Área pouco nobre, por isso deixada para os chamados “focas”, os jornalistas iniciantes. Muito mais prestigiosas naqueles momentos da década de 1980 eram as editorias de Economia e Cultura – Economia, pelas discussões mecroeconômicas intermináveis em torno do porquê da hiperinflação; e Cultura, pela explosão criativa em todos os setores artísticos num cenário de abertura política e cultural nos estertores da ditadura militar.
E lá ficava eu, horas a fio, em delegacias buscando em boletins de ocorrência alguma informação que pudesse render uma boa notícia... ou quem sabe um furo. Pouco provável, numa editoria cujo projeto gráfico do jornal deixava-a nas partes menos nobres e visíveis para os leitores.
Pois quase 40 anos depois, tudo parece ter mudado. Ver primeiras páginas de jornais nas bancas ou a escalada de telejornais dá uma sensação de que esse País virou uma gigantesca delegacia policial. E as mídias seus porta-vozes.
O País virou uma gigantesca delegacia policial
Repare, caro leitor, que a pauta diária da grande mídia consiste em notícias sobre feminicídios, arrastões em ônibus e condomínios, vítimas de balas perdidas, perseguição policial. Pequenas notícias que emolduram o filão noticioso cotidiano da Lava Jato e combate à corrupção: a enésima operação da Lava Jato, polícias federais nas ruas em um show de meganhagem com enormes armas negras reluzentes, toucas ninjas, feições duras, bocas de acento circunflexo e brilhantes óculos escuros.
[caption id="attachment_173276" align="alignnone" width="500"] A meganhagem de todo dia...[/caption]
Invariavelmente, com um sex appeal: as câmeras procuram sempre alguma policial federal “gata” ou algum policial “hipster” carregando pesadas sacolas com “provas”. Para dar um toque de glamour à marcha moralizadora transversal ao jornalismo da grande mídia: se os indicadores sociais estão caindo, a culpa só pode ser da corrupção de políticos e gestores públicos.
Nas escaladas, primeiro vêm as notícias dessa gigantesca e agitada delegacia. E depois de saciada a fúria moralizadora, vem a crônica diária da Reforma da Previdência. Nesse jornalismo monofásico, só resta espaço depois para os contos de fadas de empreendedorismo para elevar a moral da patuleia desempregada, que já lavou a alma vendo na TV a faxina nacional dos corruptos, bandidos ou assassinos sendo presos.
Esse show de meganhagem dos últimos anos teve uma função estratégica bem precisa: a guerra híbrida de desestabilização de um governo até o golpe de 2016, liquidação da liderança política de Lula e fragmentação da esquerda para abrir caminho para a eleição do atual governo.
Porém, hoje essa construção semiótica diária do País como uma imensa delegacia policial ganhou um novo papel: ajudar a embaralhar as informações na guerra semiótica criptografada desses primeiros 100 dias de governo Bolsonaro.
O jogo criptografado da Reforma da Previdência
O jogo criptografado chegou ao ápice nessa semana, decisiva para a aprovação da Reforma da Previdência do governo Bolsonaro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados – o sucesso da reforma é a própria razão desse governo ter sido permitido chegar ao poder: entregar as contas das aposentadorias e fundos de pensão para a banca financeira.
O “Dia D” da terça-feira, dia da aprovação da Reforma na CCJ, foi cercado de um preciso sincronismo de eventos: a nova rodada de ataques do vereador Carlos Bolsonaro contra o vice-presidente General Mourão (17 tuítes acusando o vice de estar contra o seu pai) e o julgamento da Quinta Turma do STJ sugerindo a redução da pena de Lula no caso do triplex do Guarujá.
Poucos dias antes desse “Dia D”, o STF autorizou Lula a dar entrevista ao jornal Folha de São Paulo. Isso, seis meses depois do ministro de STF Lewandowski de dado a liminar suspensa por Luiz Fux.
E no dia seguinte à aprovação da Reforma na CCJ, a Polícia Civil dispara uma megaoperação em todo o País para prender mais de três mil procurados pela Justiça – 7.300 policias saíram às ruas à procura de criminosos em 26 estados. Com o tradicional show de meganhagem (mostrando mais policiais armados até os dentes colocando as mãos em meliantes cabisbaixos ou com camisas na cabeça tentando esconder os rostos) os telejornais destacavam que os condenados eram “pedófilos, estupradores, feminicidas e sequestradores” – para criar a sensação de alívio e falsa percepção de segurança.
Essa conjunção astronômica de acontecimentos em torno ou no próprio “Dia D” não foi uma mera coincidência. A estratégia é nitidamente de embaralhamento, diversionismo, prestidigitação. Como um mágico que com uma mão desvia a atenção do distinto público, enquanto a outra tira a carta da manga.
Se não, vejamos:
(a)Wishiful Thinking
Essa estratégia de guerra criptografada é o sentido mais amplo das “caneladas” e dissonâncias criadas entre os alucinados membros do governo e do guru-filósofo-astrólogo Olavo de Carvalho, o “Rasputin” do capitão da reserva e presidente em exercício.
Cria uma falsa esperança numa esquerda que tudo observa com uma passividade bovina. A esperança de que o governo está rachando e vai se autodestruir. De passiva, a esquerda vai fazendo parte do jogo com o seu ingênuo wishiful thinking.
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