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OPINIÃO
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Em tempo de Pessach/Páscoa, que conecta a libertação do povo hebreu do Egito à travessia dolorosa de Jesus, o Cristo, na direção do Calvário e então sua ressurreição, é bom e adequado refletir sobre a perigosa e suposta teologia que o presidente Jair tenta implantar nas relações políticas. Embora ele não seja dado a ler e ouvir exceto ele mesmo, pensar e se expressar vale qualquer pena. Se ele trabalhasse com a Emet hebraica, ou a aleteia grega, suas falas e decisões não seriam pervertidas pelo desequilíbrio, pelas verdades construídas a priori que se voltam contra supostos desafetos (acobertadas por supostos pastores cristãos); ao contrário, seriam equilibradas, a partir de oitivas e diálogos. Por saber que o eu não existe sem o outro.
O presidente do Brasil deveria prestar contas, publicamente, do uso que faz, diariamente, de formulações teológicas para o exercício da gestão pública no cotidiano do país. Ao fazer isso, sistematicamente, espera, como método, construir um suporte poderoso para desconjuntar e revogar as instituições; de fato, a prática resultante produz o desconcerto, a destruição de laços e valores, o ódio nas relações sociais. Tais resultados demoram muito para serem revertidos, talvez nem em quatro, nem 40 anos.
Pior é que se trata de uma aventura teológica que nega o coração da proposta messiânica e evangélica, que é a construção da humanidade fincada na justiça e na paz. O erro dramático do presidente consiste na confusão entre desconstruir e destruir. E isso se dá porque ele foi orientado por um discurso perverso, no qual a verdade é fenômeno dado a priori. Como exemplo, seu discurso público, quase diário, sobre o verso 32 do capítulo 8 de João. Ele jamais associou a passagem ao seu contexto.
Suas falas ferem o direito mínimo de leitura da palavra, o que implica fazer um período textual constituir-se na totalidade da mensagem. De fato, em todos os capítulos de João a verdade é construção individual e coletiva à qual se conduzem as pessoas atentas ao conhecimento do novo; nessa construção, uma consciência ousada confronta atitudes contraditórias e caminha para um conhecimento equilibrado, que dê preferência à tsedakáh e ao shalom, que se compreende como justiça equilibrada e integralização da vida do humano no mundo. Justiça não significa um porre de leis e decretos, mas sim os julgamentos profundos das partes em contenda. Paz nem de longe será a ausência de guerra, mas a vida que cresce em harmonia, dignidade e justiça.
No capítulo neo-testamentário fetichizado pelo presidente Jair tratava-se de revogar certo comportamento de setores da sociedade: matar a pedradas em razão de contrariedade a costumes. Do mesmo modo como lá atrás se superara o sacrifício humano e depois o sacrifício animal, trata-se de saber que a verdade é o conhecimento e a práxis da pergunta central: quem não tem pecado jogue a primeira pedra! O eu e o outro em contenda se questionam, refletem e descobrem, juntos, uma nova postura ética e moral. Isso é novo e é aprendizado. Não se apanha a verdade como uma pedra, ou se agarra um fuzil, mas se move o humano para conhecê-la e esse é um esforço contínuo, que exige trabalho a cada fenômeno novo com que se defrontam os que desejam conhecer efetivamente.
Visto que o presidente se nega a assumir seu lugar no país laico, ao menos deveria entender como urgente o abandono do perigoso fetiche no uso fragmentado do texto bíblico transformado em razão política. Pior: a leitura da verdade a priori, portanto impossível no texto de João e em toda a leitura bem-feita dos textos/contextos canônicos, leva à destruição do que há de melhor na política, a construção do bem-público, ou bem-comum.
Ao jogar sobre o país a suposta verdade, que já está dada na alça de mira ou na ponta da língua e serve a qualquer coisa sem melhor análise, escolha, reflexão, julgamento sereno, o presidente faz o que brasileiros e brasileiras sensíveis estão vendo. Os 80 tiros em Evaldo Rosa dos Santos não foram dados por representantes institucionais de um poder e, por isso, tratou-se de incidente, como se alguém tivesse jogado pedra em alguém, sem nome, sem rosto, sem responsabilidade. Os pobres, vítimas do descaso histórico, podem, sem mais, perder o mínimo de sobrevivência e de medicamentos na nova previdência, como se a sua presença no mundo fosse negadora da verdade econômica. A organização dos movimentos sociais e suas representações são tratadas ao contrário do evangelho, que buscou aglutinar, criar solidariedade social, alterar hábitos pela argumentação e pelo diálogo e não pelo fetiche da verdade interesseira e egoística. Se o presidente trabalhasse com a Emet hebraica, ele buscaria equilibrar suas falas e decisões com espírito de justiça. O que tem feito é o contrário, sistematicamente.
Os textos de Bolsonaro nas redes, em linguagem muitas vezes chula, evidenciam o mesmo fetiche: o que de fato se afasta da tsedakah e do shalom é chamado de verdadeiro; e nesse ponto, conectados à prática da gestão do país, ele e seu grupo, como um bando de desordeiros, tratam de liquidar os próprios sentidos da vida social, o que levará ao vale-tudo e aos vazios institucionais, lugares da nação desconjuntada e aberta para os desmandos, a falta de limites, a sanha da injustiça, a alienação de bens públicos, a dissipação dos poucos bens dos pobres, a ecologia abominada e a escola sem razão de existir; enfim, o fim da res publica.
Visto que o senhor Jair Messias não deseja ouvir, ler e aprender, pois já se assumiu mito (que é o único ente metaforizado como verdade a priori e que aí se basta) as alternativas brasileiras são a mobilização de todas as sensibilidades, o afastamento da linguagem chula (para não ser homóloga), a organização de todos os movimentos sociais e a busca da verdade no fazer social e político, capaz de reconduzir o país à justiça e à paz. Como método, a boa análise, a clareza de conjuntura, a não aceitação de qualquer ato opressor e a práxis daquele sentido de verdade que seja o contrário da prática dos que nos governam.
P.S. O Sr. Eduardo Bolsonaro desafiou “as esquerdas” a tratar do legado de Paulo Freire. Ora, muitos colegas e eu também estaríamos dispostos a tratar do assunto, educadamente, no Congresso Nacional, que aprovou o seu patronato. Nada de bate-boca deseducado, linguagem chula, xingamentos. E principalmente, se o seminário ou debate incluir análise das obras do mestre com gente que o leu e não somente um ou outro livro, mas a maioria, com visão de conjunto da obra. Nada de chute ou canelada! Educação em primeiro lugar.