O 8 de Março entre a plastificação e a conexão global das agendas

A cientista política Ana Prestes, autora do livro "Mirela e o Dia Internacional da Mulher", aborda para a Fórum aspectos da data que marca a resistência feminina

Foto: Reproduçãp/Facebook Ana Prestes
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Lá se vão mais de 100 anos do 8 de março. A data que Alexandra Kollontai e Clara Zetkin nos legaram já nasceu na confusão entre as feministas burguesas e as socialistas da época, enquanto umas lutavam pelo sufrágio, outras queriam discutir uma deep democracy com substantivos direitos econômicos e sociais para as trabalhadoras. De lá pra cá, a data está sempre envolta na disputa por sua agenda. Recentemente, com a virada do milênio e o intenso desenvolvimento das tecnologias de comunicação a data passou a ser ainda mais divulgada e conhecida. Dois fenômenos chamam atenção, um deles é o da crescente “plastificação” da data em uma tentativa de transformá-la em algo semelhante a um “dia dos namorados”, dia “das mães” ou “dos pais”, no sentido de estimular trocas materiais e esvaziar seu conteúdo ideológico progressista e reforçar uma ideologia que precisa do estereótipo da mulher mãe, cuidadora e submissa ao patriarcado. Na contramão da plastificação da data, foi reforçado o fenômeno da globalização do feminismo, com o fortalecimento das redes de mulheres que de forma atomizada ou a partir de organizações e movimentos se identificam com algumas pautas que a vida foi impondo com maior destaque, como a do combate à violência de gênero e a do direito ao aborto. Do lado de cá do mundo, nas Américas, alguns movimentos se destacaram nos últimos anos e demonstram a consagração dessas pautas impulsionadas por uma sociedade cada vez mais conectada em rede. São eles o movimento Que Sea Ley em defesa do direito ao aborto na Argentina, o Ele Não contra o candidato conservador à presidência do Brasil, o Me Too e a Women´s March em defesa das denúncias contra assédio, abuso sexual e racismo nos EUA, além das Tomas Feministas chilenas contra o sexismo na educação. O amálgama dessas lutas nos dá um panorama da força da pauta feminista no continente. Esta nova onda feminista nas Américas está na linha de frente da resistência contra a ascensão da extrema direita e a pauta reacionária de vários governos da região. Na contramão crescem as iniciativas, de grupos religiosos em especial, para estereotipar qualquer movimentação em busca da igualdade de gênero com o carimbo de “ideologia de gênero” a ser combatida pelo Estado. Excelente documento sobre a materialidade desta luta está registrado no filme Genero Bajo Ataque, no qual são destrinchados os feitios de batalhas políticas recentes como a da eleição presidencial da Costa Rica, o plebiscito pela paz na Colômbia, a eleição presidencial do Brasil, demissão de uma ministra da educação no Peru, em que o quesito “gênero” foi instrumentalizado para vitórias eleitorais de pautas conservadoras. No caso da Colômbia, por exemplo, toda a construção de um acordo de paz entre o Governo e as FARC foi colocado em xeque pela simples menção da igualdade de gênero nos textos do acordo. Como parte do enfrentamento, neste ano de 2019, feministas de cerca de dez países – nos quais homens e mulheres enfrentam governos reacionários - organizaram um Manifesto Internacional Feminista na tentativa de coordenar uma movimentação global para o 8 de março. O documento foi puxado pelas norte-americanas Angela Davis e Nancy Fraser e inclui algumas lideranças brasileiras como a viúva de Marielle, Monica Benicio, a candidata a vice-presidência do Brasil, Sônia Guajajara, ou a cineasta e escritora Antônia Pellegrino. É curioso como um trecho do manifesto parece um deja vu do Fórum Social Mundial, que abrigava as Assembleias Mundiais de Mulheres e de Movimentos Sociais, ao dizer que “o novo movimento feminista transnacional é moldado pelo sul, não no sentido geográfico, mas também no sentido político, e é nutrido por cada região em conflito. Essa é a razão de ele ser anticolonial, antirracista e anticapitalista”. O que demonstra que voltamos de alguma forma às pautas do princípio do milênio, embora mais fortalecidas com mais de uma década de experiências de governos progressistas na América Latina. Sigamos. Dica A jornalista Sarah Babiker, do argentino El Salto Diário, relacionou algumas obras de autoras pouco lidas no Brasil e que podem ajudar a entender o feminismo. Achei interessante compartilhar: Nivedita Menon (Índia) - Obra: Seen Like a Feminist (2012) Ding Lin (China) - Obra: Miss Sophy´s Diary (1927) Mariama Bâ (Senegal) - Obra: Mi carta más larga (1979) Fátima Mernisse (Marrocos) - Obra: Sueños em el umbral: memorias de uma ñina del harén (1995) Tatiana Mamonova (Rússia) - Obra: Women and Russia: Feminist Writtings from the Soviet Union (1984) Maria Galindo (Bolívia) - Obra: Feminismo urgente: a despatriarcar! (2013) Ama Ata Aidoo (Ghana) - Obra: Nuestra hermana aguafiestas. Reflexiones desde una neuroses antiocidental (1977) Bell Hooks (EUA) - Obra: El feminismo es para todo el mundo (2017) Nossa sucursal em Brasília já está em ação. A Fórum é o primeiro veículo a contratar jornalistas a partir de financiamento coletivo. E para continuar o trabalho precisamos do seu apoio. Saiba mais.  

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