Celso de Mello: discriminação contra população LGBTI deve ser criminalizada como o racismo

Julian Rodrigues: “Que as lições de Celso de Mello sejam absorvidas e sua posição referendada pelos demais ministros. Será uma vitória importante para nós todos que defendemos a vida e a dignidade humanas”

Foto: Rosinei Coutinho/STF
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O ministro Celso de Mello, do STF, concluiu nessa quarta-feira (20) seu extenso, caudaloso, consistente e já histórico voto. Mello relatou uma das duas ações articuladas pelo movimento LGBTI nacional, que reivindicam a criminalização da discriminação e violência contra a população LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres transexuais, homens trans e pessoas intersexuais). Desde os anos iniciais deste século o movimento nacional LGBTI vem lutando para inserir na legislação brasileira a figura da penalização das discriminações em virtude de orientação sexual e identidade de gênero, equiparando a homofobia, a lesbofobia e a transfobia ao racismo.  O Congresso Nacional, pressionado pelo ativismo religioso conservador, ignorou totalmente essa demanda. Foi por essa razão que as LGBTI bateram às portas do STF denunciando a omissão do poder legislativo e reivindicando que a Suprema Corte reconheça as violações aos direitos dessa população, penalizando as condutas discriminatórias e os discursos de ódio. São duas as ações que estão sendo julgadas, uma delas apresentada formalmente pela ABGLT (Mandado de Injunção – MI) e a outra pelo PPS (Ação de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO). O relator da ADO, ministro Celso de Mello, começou a ler seu voto semana passada e o concluiu hoje. Trata-se de uma peça histórica, densa, longa, caudalosa, detalhada. Celso de Mello proferiu um voto que deve ser amplamente divulgado, repercutido, estudado, destrinchado. É um monumento que brilha por sua nitidez - pela firmeza cristalina com que reivindica a ordem democrática, reconhece os direitos da população LGBTI e protege a liberdade de orientação sexual e identidade de gênero. Entre as inúmeras lições contidas no voto do decano Mello, ressalto as distinções que o ministro estabelece no cinzento debate envolvendo os limites das liberdades religiosa e de expressão e a criminalização da homofobia/transfobia. “Não vislumbro qualquer ofensa à liberdade religiosa se o Estado adotar medidas que visem a prevenir e reprimir no plano criminal práticas de caráter homotransfóbico. É inquestionável que a liberdade religiosa é pressuposto do regime democrático, que não pode ser submetida a interferências do Estado. Mas, como não se trata de direito absoluto, eventuais abusos cometidos ficam sujeitos ao controle judiciário”. Em preciso trecho do seu voto, Celso de Mello traça linhas nítidas que demarcam as fronteiras a separar a liberdade de crença da disseminação de discursos de ódio. Ao fazer uma longa e enfática defesa da laicidade estatal e da plenitude da liberdade religiosa e do pluralismo, o decano do STF, ao mesmo tempo, nos lembra que, embora seja absolutamente livre o proselitismo religioso, o mesmo não pode transgredir os valores tutelados pela Constituição, como a dignidade humana, por exemplo. Diz Mello: “Está excluído do âmbito da liberdade de pensamento qualquer incitação ao ódio ou à violência. A prática de proselitismo religioso é parte da livre difusão de ideias. Não se alberga, contudo, o discurso de ódio, conforme o Pacto de San José de Costa Rica. Pronunciamentos religiosos que extrapolam a liberdade de manifestação do pensamento, excedem limites e incitam o ódio, transgridem de modo inaceitável valores tutelados pela ordem constitucional. Não há no sistema constitucional brasileiro direitos ou garantias absolutos. A liberdade de expressão, quando extrapola o ordenamento penal, é conflitiva com o texto constitucional”. O ministro entende que se um pregador religioso se limita a citar trechos da Bíblia, não há problema nenhum. Mas ninguém pode incitar o ódio público de nenhum tipo, seja religioso, seja racial (incluindo a comunidade LGBTI). Estamos, então, a celebrar o voto de Celso de Mello que termina de forma contundente, pois: I. proclama a omissão do Congresso que nunca aprovou uma lei que trate como crime atos homofóbicos, lesbofóbicos, transfóbicos; II. reconhece que o conceito de racismo, previsto na Constituição, abrange a discriminação a outros grupos sociais minoritários, como a população LGBTI - não se aplica apenas ao preconceito contra a população negra. O ministro indica que o STF deve decidir que, até que o Congresso vote uma lei específica, a discriminação e violência contra a população LGBTI devem ser criminalizadas nos moldes do racismo. Agora é aguardar os demais votos. Que as lições de Celso de Mello sejam absorvidas e sua posição referendada pelos demais ministros. Será uma vitória importante para nós todos que defendemos a vida e a dignidade humanas. #CriminalizaSTF   #ÉcrimeSim

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