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OPINIÃO
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Ora ou outra aparece no Brasil alguém defendendo o “Estado mínimo”. Pura bravata! Na verdade, na verdade mesmo, ninguém quer Estado mínimo. Os ricos não querem. Os pobres também não. Todos querem mesmo é o “Estado Máximo” para si, o que significa impor Estado mínimo ao outro. Não existe Estado mínimo em sociedades complexas. O que existe é a disputa pelo Estado. Temos aí a síntese da crise brasileira contemporânea: um período de radicalização das disputas pelo Estado.
Este cenário fica muito claro quando lançamos luz sobre programa ultraliberal de Paulo Guedes, que pretende extinguir a vocação assistencialista do Estado moderno brasileiro. O projeto de desmonte do Estado brasileiro é muito antigo e sempre foi rejeitado pela opinião pública. Por isso, o sucesso de Paulo Guedes depende da confusão mental da maioria da população.
O governo precisa de uma nuvem de fumaça densa, capaz de confundir os sentidos daqueles que mais precisam da ação protetora do Estado. Por isso, Sérgio Moro é o ministro da Justiça. Por isso, Lula está preso. Uma coisa está diretamente ligada à outra.
Moro quer aumentar o tamanho do poder punitivo do Estado. O projeto do ministro da Justiça pretende dar carta branca para a polícia matar um certo tipo social, exatamente aquele que é visto pelas classes proprietárias como a representação perfeita do crime: o homem jovem, preto, vestindo bermuda, calçando chinelo de dedos e envolvido com o tráfico varejista de drogas.
Se Guedes quer Estado Mínimo na assistência social, Moro quer Estado máximo na repressão e na violência.
A sociedade civil, acuada pela violência nos grandes centros urbanos e tomada por um certo sentimento hobbesiano, apoia a iniciativa e aplaude o projeto do ministro da Justiça. Este é o capital político necessário para fortalecer o governo e preparar terreno para outra pauta, essa nada popular: a reforma da previdência e a radicalização da reforma trabalhista propostas por Paulo Guedes.
Moro sob os holofotes e Guedes nas sombras. Essa é a estratégia.
Todas as pesquisas de opinião mostram que a população não apoia a agenda ultraliberal de Paulo Guedes. É que ainda sobrevive no imaginário popular a ideia de que o Estado deve atuar como provedor de direitos sociais. Por isso, Paulo Guedes foi silenciado durante a campanha. Por isso, antes de ser eleito, Bolsonaro se manteve distanciado de Michel Temer, de quem não é apenas sucessor, mas também herdeiro.
As pessoas ainda não entenderam que aquilo que elas reprovam é exatamente o que o governo pretende fazer. Para que elas continuem não entendendo, Lula precisa permanecer preso, completamente incomunicável. Lula é uma ameaça a esse projeto de desmonte do Estado. Talvez seja a única.
Antes de tudo, Lula é um pedagogo.
É exatamente a sobrevivência da imagem do Estado provedor que explica a força política de Lula, mesmo preso e alvo de uma campanha negativa com grau de agressividade nunca antes visto na história do Brasil.
Mas o PT perdeu as eleições. Jair Bolsonaro, o mesmo que nomeou Paulo Guedes para a chefia do Ministério da Fazenda, venceu por uma diferença expressiva de votos. Será que Lula continua sendo tão forte assim?
A derrota do PT não significa a derrota de Lula. A força política de Lula não está vinculada ao PT.
Como já demonstrou André Singer, a partir de 2006, as bases da sociedade passaram a votar no PT porque queriam votar em Lula (ou com Lula, no caso das eleições de Dilma). Quando os brasileiros e brasileiras mais pobres apertavam “13” na urna, não estavam querendo votar na esquerda, tampouco no PT. Queriam votar em Lula. Hoje, o grande desafio do Partido dos Trabalhadores é formar uma nova liderança que seja capaz de herdar o capital político de Lula e sensibilizar os afetos da população mais pobre. Não é nada fácil. Não nasce um Lula do dia para noite. Sequer nasce um Lula a cada geração.
Em 22 de agosto de 2018, o Instituto Data Folha publicou a última pesquisa eleitoral que apresentava o nome de Lula na lista dos presidenciáveis. Lula liderava com 39%. Muito atrás vinha Bolsonaro, com 19%. Na simulação de segundo turno, Lula batia Bolsonaro por 52 a 32.
Definitivamente, não foi Lula que perdeu as eleições. Foi o PT. Lula estava preso. Lula está preso.
E está preso porque o atual regime de poder sabe perfeitamente o tamanho do seu capital político. Eles sabem que Lula, personificando a imagem do Estado provedor, é a única liderança capaz de confrontar o governo de Jair Bolsonaro.
Imaginem, leitor e leitora, Lula saindo por esse país em caravana explicando pras pessoas o que é o projeto de Reforma da Previdência de Paulo Guedes. Lula dizendo pras pessoas que o governo quer que elas deixem de comer coxa e peito e voltem a assobiar o pescoço e chupar o pé. Lula tem uma capacidade única de traduzir a luta de classes na anatomia do frango.
O Estado mínimo de Guedes, na prática, significa o Estado máximo para os proprietários e rentistas. A viabilidade política desse projeto depende da distração da sociedade. Os brasileiros e brasileiras mais pobres precisam continuar não entendendo o que significa esse tal de “Estado mínimo”. Se entenderem, não vão querer, não vão apoiar o governo. Os pobres podem até estar confusos e mal informados, mas não são burros.
É por isso que o populismo penal de Sérgio Moro é tão estratégico quanto o desaparecimento de Lula. Afinal, Lula tá preso porque Sérgio Moro é Ministro da Justiça, e vice-versa.
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