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OPINIÃO
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Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte. Ano passado eu morri muito. Morremos juntos. E agora faz um ano que o impensável chegou e se instalou.
Balanço provisório: estamos mais pobres. Sob qualquer ângulo, o país é muito pior do que antes. Muito mais violento, muito mais desigual, muito menos soberano.
Impuseram-nos uma nova era. Um regime hiper-capitalista autoritário pós-moderno que testa novas formas de dominação e opressão. Os gorilas fardados e marginais de todo tipo arregimentaram uma turma rançosa e fascistoide mais os chefes religiosos que vivem de explorar a fé do povo. E atraíram os pseudo-liberais limpinhos: nossos burgueses financistas, modernosos farialimers nunca tiveram lá muito compromisso com rituais democráticos, convenhamos.
Elza grita, porém: tem um Brasil que soca, outro que apanha, por que são tantas lutas inglória que a história qualquer dia contará. A gente sonha mais alto que os drones - emicidamente. E respiramos com o novo cinema novo nordestino a nos bacuraulizar. Só que os abutres rondam e bicam, tirando pedaços de vidas, de sonhos, de cidadania.
Necrogoverno. Necropolítica. Os limites do possível e do razoável explodidos. Barbárie e irracionalismo.
Toda e qualquer uma política bolsonarista é pró-morte. Dos discursos de ódio contra mulheres, pobres, pretos, LGBT ao maior corte de direitos sociais e trabalhistas da história brasileira - passando pela propaganda das armas até ao estímulo para que as polícias executem ainda mais do que já fazem.
Essa avalanche regressiva não é peculiaridade nem extravagância brasileira. O neoliberalismo em crise mostra sua cara deformada, sem qualquer maquiagem: é incompatível com sistemas políticos que resguardem liberdades democráticas. Pense na Bolívia. A Bolívia não é aqui. A Bolívia é aqui.
Haja textão xingando o presidente e xingando quem o apoia de imbecil, e reclamando do terraplanismo e cobrando posição de quem apoiou o Bolsonaro e está sendo prejudicado por medidas específicas do governo. E o cara lá, com seus 30% de apoio – cada vez mais sólidos.
Uma bomba midiática por dia. O absurdo é nosso café da manhã. Muito mais que fake news – trata-se de profunda disputa filosófica-ideológica-cultural. Querem nos convencer não só de que a terra é plana, mas de que toda cultura e ciência produzidas desde o século XVI não serve para nada. Vamos combinar que são muito ousados!
Mas já morremos no ano passado. Cansados sim e demasiado perplexos. Todavia, firmes – meio desempregadas, meio empobrecidas, meio preocupadas. É verdade que o cara - e sua família e seus ministros desconstituíram muitos direitos. Conquistas que vieram das lutas pela redemocratização. E coisas que ganhamos lá atrás, com Getúlio. Entregaram muita riqueza para o capital internacional. Privatizaram até o saneamento básico.
Bernie continua na lida, projetando um futuro diferente no coração do império. Corbyn caiu, mas não a derrota não é nem de longe tudo isso que propagam. Evo foi massacrado, o golpe foi horroroso na Bolívia - e a Frente Amplió perdeu por bem pouquinho no Uruguay. Maduro resiste, entretanto – e haverá constituinte no Chile! Alberto/Cristina ganharam, enterrarão o neoliberalismo e chegam para fazer a diferença. Viva Argentina!
Lula foi libertado. Saiu daquela solitária fria do Moro/Dallagnol em Curitiba. Pode parecer pouco? Não é não. Em um ano como esse, ver Lulão de chapéu panamá curtindo férias com sua amada em Paraty e falando pras massas é coisa boa demais.
Bem feitas as contas acostumamo-nos, e vamos nos adaptando. Porque é preciso sobreviver, antes de qualquer coisa. E resistir. Não estamos entendendo tudo. Indignaremo-nos todas as manhãs, de novo a cada dia.
Em um mundo muito mais violento, quando combater o fascismo ceifava milhões de vida, Drummond tirava do bolso uma flor com náusea, mas rosa esperançosa para o povo.
O mundo não acabou em 2019 - tampouco o Brasil. Embora o ano tenha sido dominado pelas desgraceiras neofascistas.
Entre as ruínas surgem outras mulheres e homens, com o hálito selvagem da liberdade. A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais, está em cada manifestação, em cada minúsculo gesto de inconformismo.
Nunca foi fácil. Sobretudo aqui – nessa terra estruturada pela herança da escravidão e pela violência das elites dominantes. Mas nós derrotamos a ditadura militar, fizemos a bela constituição de 1988 e governamos o país olhando para as maiorias - com Lula e Dilma. Haveremos, pois, de superar o bolsonarismo.
Não vai ser amanhã. Não nos afobemos não, que nada é pra já – Chico ensinou.
Mas será muito antes do que eles pensam. Porque nosso lado é dos que lutam bravamente. Todo dia.
Pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo (como Olga).