- Não há uma única razão ou sentido para as críticas ácidas (ou envergonhadas) que foram feitas à garota do norte do mundo a propósito de seu método de mostrar sua ira diante de seus representantes políticos e, por extensão, de todos os representantes que vivem a vociferar seu blá-blá-blá sobre a crise climática do mundo, sem resultados práticos.
As caravanas política, empresarial e latifundiária, ao lado da multidão de incautos, alardeiam a suposta preocupação para com os fenômenos extremos que já ocorrem no mundo, mas seus alardes não passaram do nada, do vazio. O rito de sofrimento da Terra, pátria comum, continua, rumo a 3% de aquecimento em poucas décadas. Qualquer inteligência mediana sabe o que ocorrerá. Aliás, já começou. Não nos preocupemos com os céticos e cínicos, pois eles devem constituir a humanidade e sofrerão mais do que nós, pois terão a memória a acusá-los.
Greta Thunberg, no entanto, realizou um movimento semiótico perfeito. A princípio, não falou.
Ad-mirou, isto é, mirou na direção dos supostos representantes populares e seu blá-blá-blá. Ad-mirou, depois foi notada em sua ira ad-mirativa e conquistou participantes dessa competente ad-miração que já correm por todo o mundo. Graças!
Para quem falou em doença de Greta, a resposta é simples: e daí? Sua doença se parece com as chagas do apóstolo Paulo, que se imaginou louco e apaixonado pelo que fazia no início da era cristã. E se os detratores disserem que ela é autista, ora, bendito autismo que se coloca a ad-mirar por horas e dias por uma causa comum, sem distrair sua atenção. Depois que este país escreveu o estatuto dos deficientes, há poucos anos, nenhum/a brasileiro/a tem o direito de diminuir atitudes dos supostos deficientes, porque tais conterrâneos e conterrâneas são, de fato,
eficientes. Será que não aprendemos nunca algumas coisas?
Como Vinicius, digo: a bênção Greta. Você fez mais do que a ONU. Você refez a ONU. Seu olhar foi a arma dos bons na análise e no conhecimento do que corria o risco de continuar a ser blá-blá-blá. Salve!
- O Senado. Ah, o Senado. Depois de se enganar completamente, como a Câmara, na ilusória reforma da previdência em troca de emendas de parlamentares (isto é, supostas melhorias urbanas e rurais a custo da miséria crescente dos cidadãos das classes empobrecidas do país), agora lhe vem o Edu, o Eduardo das pistolas na terra do ídolo Trump. Embaixador!?
Se os senadores pudessem ter clarividência, esperariam o fim do
affaire em marcha nos EUA, pois Trump pode cair e o Eduardo só teria sentido lá como amigão da família Trump, como disseram ele e seu pai, o presidente. Há riscos reais de virada na política americana, não se esqueçam.
Se forem pressionados, repensem suas emendas, que nada valem em face de uma representação vexatória, de uma pessoa que já é muito malvista na América pois esculachou uma escultura amada e sacralizada por amplos setores da sociedade americana, dada a sua grandiosidade como projeto de Paz e crítica às armas. Além disso, não votaram os congressistas por emendas impositivas?
E se a pressão presidencial for bárbara, como costuma ser, solicitem plebiscito, referendo, qualquer coisa que leve ao conhecimento e à decisão do povo brasileiro, que terá o que dizer sobre tal indicação. Creio que o resultado é claro, não?
Os parlamentares brasileiros gostam de se mostrar destemidos, impolutos e (para a gente que ouve e vê sessões via TV) gritam que ninguém os atemoriza. Ora, no caso de algo esdrúxulo, que envergonha a República, carece-se de ter coragem para dizer não! Se são destemidos e impolutos, as emendas ou qualquer outro benefício será inferior ao vexame de quem faz
arminha diante de uma bela escultura, peça querida pelo povo no qual o Edu supõe vir a representar o Brasil. Ora, senadores, não merecemos tal coisa! Façam alguma coisa, como agora lhes cabe. Ou entrem na burla e no embuste.
- Em terceiro lugar, espera-se com sofreguidão popular que chegue o dia em que essa débil democracia perca seu ritual colonial e imperial. Que no avanço democrático urgente, não se faça absolutamente necessário que cidadãos empurrem cadeiras de ministros e outros poderosos dos vários poderes. Ou que um presidente tente enganar usando bermudas e se apresente com dezenas de guarda-costas de alto custo.
Que a assessoria de parlamentares em todo o país não passe de um pequeno grupo de conhecimento técnico a favor do coletivo de eleitos. Com certeza a imensidão de funcionários presentes e fantasmas tem competência para outras funções no país. Por óbvio, não há nada a ver (inclusive distâncias) entre alto uso de veículos automotores e representação pública, muito menos o uso de bilhões com campanhas eleitorais, somente possível em cérebros sobejamente gastadores e dotados de irracionalidade diante do dinheiro que não lhes pertence, isto é, da
res publica.
O carnaval imperial-republicano dos caros e dispendiosos
rituais da aparência democrática já foram longe demais no Brasil. Uma herança assaz maldita. Além do que foi citado anteriormente, que todos os gastos públicos tenham auditoria independente e ampla divulgação para conhecimento popular. Que a diversidade cultural do país penetre no interior de toda a burocracia e de todas as políticas públicas para alterar profundamente modos de representar, vestes, cópias de rituais, alimentação, usos do discurso-jargão; e que o bem-comum se alce muito acima dos interesses corporativos ou de meros grupos de pressão. É a hora, no mundo, da interculturalidade ativa e disruptiva, da quebra de antigas hegemonias e de interesses que se interponham no movimento de luta do bem-comum. Este país terá de ter o rosto do seu povo, o que hoje nem de longe acontece. Há um mundo de rostos brasileiros estranho ao ritualismo dessa débil e triste democracia.
Há muito mais a anotar sobre a irracionalidade da democracia, tão mais frágil quanto mais ritualista e feita de aparências. Bastaria, no entanto, que chegasse o dia da eleição de um número maior de brasileiros e brasileiras que votasse orçamentos profundamente diversos dos de hoje e estabelecesse o ritual do rosto das maiorias do nosso povo e suas situações concretas, com o uso de toda a tecnologia contemporânea a serviço da transparência e da verdade.
Não será impossível a chegada desse tempo!
*Luiz Roberto Alves é educador há 50 anos, do ensino fundamental ao universitário, professor da USP e da UMESP e membro do Conselho Nacional de Educação entre 2012 e 2016