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OPINIÃO
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Por Julian Rodrigues*
Em uma primeira mirada, a pastora Damares Alves, ex-assessora parlamentar de Magno Malta, indicada para o novo Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos, velha conhecida da militância LGBTI, parece uma caricatura ambulante para uns - ou alguém que precisa de assistência médica para outros. Suas primeiras declarações e seus depoimentos antigos como pastora “quebraram” a internet.
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Ocorre que fora da nossa bolha progressista, racional, “ilustrada”, laica, Damares se comunica muito bem e sabe se movimentar. A despeito de inúmeras declarações controversas, conseguiu dialogar com lideranças de vários movimentos sociais, ainda na transição governamental. Sua foto com ativistas LGBTI, em reunião ocorrida em 20 de dezembro de 2018, repercutiu e deu o que falar.
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Damares é muito habilidosa e maneja tanto o discurso para o público religioso quanto os rituais do Estado laico. No mesmo dia em que novamente virou meme, por dizer que meninos devem usar azul e meninas devem usar rosa, deu uma entrevista para a Globo News, altamente significativa.
Jornalistas liberais x pastora supostamente tosca
A Globo News escalou uma equipe de primeira linha para sabatinar, ao vivo, no Jornal das 10, a nova Ministra. Ficou nítida a intenção de desmoralizar um setor do governo Bolsonaro que não agrada ao neoliberalismo progressista.
Pois, sinto informá-los, mas Damares deu um show. Não caiu em nenhuma armadilha. Passou a imagem de uma pessoa razoável, preparada, que sabe diferenciar sua fé das questões públicas. Ao mesmo tempo, reforçou os fundamentos reacionários do bolsonarismo, fornecendo uma espécie de cara compassiva às políticas neofascistas.
A pastora ministra começa afirmando que a universidade pode discutir teorias complexas, mas que as crianças não podem ser confundidas com a tal “teoria de gênero”. Segundo ela: “a 'ideologia de gênero' diz que quer combater o preconceito, mas que isso não se relaciona com a questão dos homossexuais ou lésbicas: um grupo de pensadores disse que crianças nascem neutras, que a sexualidade é determinada pelo contexto cultura”.
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O grande problema é que “estavam dizendo que a menina podia ser o que quisesse” e “a escola estava dizendo pra um menino de três anos que podia ser o que desejasse”. Mas os pais teriam pedido um basta e agora não haverá mais nenhuma “doutrinação ideológica”.
Questionada sobre quais seriam, então, as medidas concretas adotadas pelo novo governo, Damares é escorreita: “não é um projeto, é uma questão de política pública, vamos continuar combatendo preconceito, sem confundir as crianças sobre sua identidade”.
Os entrevistadores da Globo News tentam emparedar a pastora a todo momento, questionando se o que ela defende não caracterizaria uma intromissão indevida do Estado no âmbito privado.
Damares Alves escapa sempre dizendo que nada será obrigatório. Mas, ao mesmo tempo, é incapaz de detalhar uma política pública concreta a ser desenvolvida.
A Ministra não recua, entretanto: “não me arrependo sobre a declaração (meninos de azul, meninas de rosa), foi uma metáfora; quis dizer que vamos respeitar a IDENTIDADE BIOLÓGICA das crianças, vivemos um novo momento, vamos dizer que menina é princesa, meninos são príncipes, sem confusão para as crianças.”
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Damares sustenta que o Ministério da Família se lastreia em experiências internacionais, focando políticas públicas na perspectiva das famílias, com o objetivo de fortalecer vínculos familiares. Habilmente, escapa da acusação de defender apenas um tipo de família: “eu e minha filha somos uma configuração familiar diferente, sou uma mulher sozinha com uma filha”
A Ministra aponta para o futuro: “nós temos a chance de construir políticas permanentes, não mais programas de governo, políticas de Estado, políticas transversais, trazer a família e protagonismo para as políticas públicas, não só na Secretaria da Família.”
Acuada novamente, Damares reforça que “não é papel do governo se meter, mas não podemos nos omitir, temos que fortalecer os vínculos familiares; proteger família, porque somos uma nação soberana e os modelos anteriores não estavam dando muito certo”.
No tópico polêmico das cores para as crianças, Alves revela uma concepção que bate de frente com a Constituição de 1988. Ela diz, textualmente: “as crianças pertencem às famílias; a família tem o poder de decisão do que é o melhor para os filhos”.
Ocorre que a Carta Magna determina outra concepção : “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".
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Mais cascas de banana foram jogadas, e Damares escapou de todas. Negou suas falas anteriores sobre o Estatuto do Nascituro (bolsa estupro), dizendo que o governo não terá nenhuma iniciativa legislativa sobre esse tema.
Ao mesmo tempo, chamou a atenção para mulheres estupradas que não querem abortar e necessitam de apoio. Bem como destacou o tema da automutilação e do suicídio de crianças e adolescentes, passando uma imagem super-positiva.
Com as respostas na ponta da língua, a pastora-ministra reforça os fundamentos que guiarão as políticas do governo Bolsonaro, como a ideia de que toda mulher nasce pronta para ser mãe, com útero e ovário. Confrontada, diz, que é, claro que cada uma pode escolher.
Afinada com o governo Bolsonaro, fala em “revolução cultural”. As metas são ambiciosas, pois o novo governo propagará esses princípios que vão mudar tudo.
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Habilmente, contudo, a Ministra afirma que não questionará nenhum direito adquirido pela população LGBTI, nem o casamento homossexual, nem a possibilidade de adoção por famílias homoafetivas.
Inteligente, Damares invoca sua condição de advogada, educadora, gestora pública e acusa seus detratores de preconceito em razão de ser evangélica. Reforça que sabe muito bem separar os espaços e que fala de forma específica para seu público de fiéis.
Resumindo: estamos diante de uma inimiga inteligente e versátil. Tratar Damares Alves como “louca” ou “caricata” é um erro político. Por outro lado, achar que a pastora é razoável e pode ser aliada tática dos movimentos de direitos humanos seria um erro ainda mais grave.
Ela está no lugar certo, para fazer as maldades necessárias. E com um sorriso no rosto.
*Julian Rodrigues é ativista de direitos humanos e do movimento LGBTI; pesquisador na área de diversidade sexual e de gênero
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