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OPINIÃO
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A falsa unidade
Francisco fundamenta a sua homilia no livro de Atos, capítulo 23. O Sinédrio era um tipo de suprema corte dos judeus sob o Império romano. Estava reunido para interrogar o Apóstolo Paulo. As acusações dos judeus eram difusas. Paulo pregava a Jesus como continuidade e não como ruptura com os judeus. Mas, para as autoridades dos judeus, o apóstolo era uma ameaça. A unidade do Sinédrio consistia na refutação do Evangelho. 1
Apresentado para ser interrogado pelo Sinédrio houve um primeiro constrangimento: Paulo era cidadão romano. Lembrando que os judeus estavam sujeitos ao Império Romano.
Coube a Paulo apresentar outra dificuldade que tinha a ver com as divisões internas das autoridades judaicas. Se eles se uniam em torno do motivo comum de combater o avanço da mensagem do Evangelho, existiam outros motivos que os separavam em relação a ideias políticas e religiosas.
Paulo, como judeu com cidadania romana, conhecia os meandros e quando interrogado trouxe para o centro o tema que expunha a falsa unidade daquela corte.
“Sabendo Paulo que uma parte do Sinédrio se compunha de saduceus e outra, de fariseus, exclamou: Varões, irmãos, eu sou fariseu, filho de fariseus! No tocante à esperança e à ressurreição dos mortos sou julgado! Ditas estas palavras, levantou-se grande dissensão entre fariseus e saduceus, e a multidão se dividiu.” (Atos, 23.6,7)
Se realmente na aplicação dessa homilia o Papa Francisco pensou na realidade brasileira, cabe nos indagar qual o motivo que leva tantos setores com interesses tão distintos a se unirem para combaterem o símbolo que Lula representa.
A unidade se deu no combate ao PT e ao Lula. Quando assistiremos às fraturas dessa falsa unidade?
Intriga como método
Vemos nesta exposição que o desgaste de Paulo ocorreu bem antes do interrogatório no sinédrio. Os opositores promoveram uma campanha difamatória. As multidões foram transformadas em massa que euforicamente exigiam a condenação do apóstolo.
A intriga que constrói falsos consensos, pois a base da “unidade” da massa revoltada é uma mentira.
A suprema corte se reúne para ouvir o interrogatório, mas os juízes já trazem de casa os seus votos por escrito. A reunião funciona como mero rito, liturgia jurídica.
Os líderes sugerem e a multidão transformada em massa exige a condenação. O grito popular provocado pelas intrigas. Como disse Francisco:
“Esta instrumentalização do povo é também um desprezo pelo povo, porque o transforma em massa. É um elemento que se repete com frequência, desde os primeiros tempos até hoje.”
Na atualidade, as condições criadas para condenar pessoas públicas fazem lembrar a situação de Paulo frente ao sinédrio, segundo Francisco. Campanhas difamatórias sistemáticas que constroem “unidades” falsas.
O método da intriga pode eventualmente levar à condenação de alguém e até mesmo à execração pública. No entanto, não consegue esconder a falta de unidade dos promotores das intrigas. Tudo se desarranja e se desfaz quando o objetivo da “momentânea unidade” se alcança: condenação do desafeto comum.
Francisco começou fazendo a leitura do contexto bíblico para ambientar os seus ouvintes com a “intriga como método” no interrogatório do apóstolo Paulo no Sinédrio. Numa segunda parte da homilia, o Papa demonstra como a “intriga como método” é amplamente utilizada no ambiente político dos nossos dias:
“Criam-se condições obscuras para condenar a pessoa, e depois a unidade se desfaz. A vida civil, a vida política, quando se quer fazer um golpe de Estado, a mídia começa a falar mal das pessoas, dos dirigentes, e com a calúnia e a difamação essas pessoas ficam manchadas. Depois chega a justiça, as condena e, no final, se faz um golpe de Estado.”
O golpe de Estado que tem no método da intriga o seu impulso, contemporaneamente, ganha feições de golpe midiático e judiciário.
A questão que surgiu: o Papa Francisco estaria mandando uma indireta para o Brasil? Estaria ele condenando o recente golpe de Estado que sofremos? Para o Pontífice, Lula é um preso político?
Ainda que não tenhamos condições de precisar o “plano das intenções” de ninguém, muito menos de um comunicador que tem o mundo como a sua paróquia, podemos inferir que tanto o relato bíblico como a leitura da conjuntura política atual realizadas pelo Papa encontram ressonância com a situação do Brasil atual.
Intriga como religião
O simples fato da homilia ter repercutido tanto no Brasil é revelador.
O Papa falou “Paulo” e um monte de gente ouviu “Lula”; o Papa referiu-se às intrigas políticas da corte no Sinédrio judeu no primeiro século e um monte de gente pensou na corte do Supremo Tribunal Federal brasileiro no século vinte e um; o Papa descreveu o mecanismo de fabricação da construção da “opinião pública”, convicta e desinformada e um monte de gente pensou na Rede Globo e as suas concorrentes subordinadas.
Existe a hipótese de que Francisco seja um daqueles padres acovardados que morre de medo das “carolas” que usam a fofoca como arma. Em represália, não as confrontam diretamente. Imponderados, no altar usam a homilia para lançar indiretas. Agora, imaginemos o Supremo Pontífice da Igreja mandando recados como se fossem indiretas para bons entendedores.
Outra hipótese ventilada é que antes do então Papa Francisco havia o Bispo Jorge Mario Bergoglio. Embaixo do manto papal haveria a batina vermelha de um padre comunista. Nos documentos oficiais do Vaticano não haveria espaço para discursos esquerdistas, mas nas falas espontâneas do Santo Padre a boca fala do que está cheio o coração. Ouvimos nessas semanas fortes reações negativas, dentro e fora da Igreja Católica, ao que Francisco disse de forma tão prosaica na missa celebrada no Vaticano na Casa Santa Marta.
As teorias conspiratórias revelam mentes adoecidas pela religião. Talvez, o que Francisco fala de cátedra ou de púlpito seja o que ele experimente na pele: gente que não se importa com os outros, muito menos com a verdade, constroem esquemas de intrigas para desgastar aos que consideram seus concorrentes, antagonistas, inimigos.
Enquanto fala Paulo e muitos ouvem Lula, provavelmente o Supremo Pontífice esteja pensando em Jorge Mario Bergoglio. Não esquecer que o Santo Padre é chefe supremo da Igreja e chefe do Estado da Cidade do Vaticano.
Intriga por intriga, as de feições religiosas são diabólicas. Quando os crentes resolvem fazer rebeliões movidos por CONVICÇÕES...
Muitos subestimaram o Francisco achando que ele fosse apenas um velhinho fofo que usa pantufa com brasão. Quanto à minha hipótese: vive entre nós um profeta! Análises bíblicas oportunas com alto teor de críticas sociais e políticas. Cheio de misericórdia, por isso mesmo duro com os sistemas iníquos que promovem abusos e sofrimento.
Jorge Mario Bergoglio, além da minha simpatia, afinidade, respeito e identificação, tem as minhas orações.
1 Papa Francisco. Missa celebrada na quinta-feira no Vaticano (17/05/18) na Casa Santa Marta. Vatican News. Disponível em: <https://www.vaticannews.va/pt/papa-francisco/missa-santa-marta/2018-05/papa-francisco-missa-santa-marta-unidade.html>. Acesso em: 18 maio 2018.