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OPINIÃO
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Entre as ruindades de ficar velho, tem a de que a perda de amigos torna-se frequente. De uns seis anos para cá, perdi um monte. Tanto que reclamo, por exemplo, que nos botecos que frequento eu conhecia pelo menos a metade dos frequentadores. Hoje quase não encontro amigos neles. “Só os garçons me conhecem”, digo sempre.
Na quarta-feira, dia 16 de maio, chegou a vez do Hélio, amigo morador da Zona Leste de São Paulo. No velório, fiquei me lembrando de umas viagens que fizemos principalmente pelo Nordeste, bagunçando.
Nessas ocasiões tristes, não forço a barra pra ficar ainda mais triste: fico me lembrando só das coisas boas e divertidas de quem se foi.
E resolvi contar aqui uma viagem que fizemos até o Rio Grande do Norte. Quatro marmanjos num fusca. Acho que já escrevi sobre ela como cronista da revista Fórum, mas se fiz isso foi há muito tempo. Então conto de novo.
Hélio, apelidado Pretinho, não tinha emprego fixo, vivia de bicos; Luizinho, recém-curado de uma hepatite não estava trabalhando; Marinho, professor, estava de férias (na época, as férias iam de meados de dezembro até pelo menos o fim de janeiro), e eu recém-demitido do Sesc, tínhamos tempo de sobra, e gastamos um mês para chegar a Natal. Parávamos onde achávamos bonito ou onde arrumávamos namoradas.
Em Recife, nos entrosamos com umas francesas muito bonitas e namoradeiras. Uma manhã, sem nossas namoradas, passeando por Olinda, vimos duas loiras grandonas, bonitonas. Havíamos marcado encontro com as francesas na hora do almoço num bar do centro de Recife, e por volta de 13h estávamos lá, bebendo cerveja e comendo agulha frita. Agulha é um peixinho muito gostoso como tira-gosto.
Depois de umas dez cervejas, apareceram lá as duas loiras grandonas que vimos em Olinda. Chamamos para nossa mesa. Uma era suíça e a outra holandesa. Não falavam nada de português, nem de francês. Mas a Sophie falava alemão e elas também, então deu para conversar com as gringas, tendo a Sophie como intérprete.
Começamos com aquelas brincadeiras bestas de brasileiros, falando bobagens e coisas sem sentido para elas. A Sophie, que como francesa não entendia também nossas gozações, rebolava para traduzir tudo. Luizinho começou a sacanear falando todos os slogans propagandísticos da ditadura: “ninguém segura este país”, “o Brasil é feito por nós” e outras besteiras. A Sophie pensava, pensava... não via nenhum sentido naquilo mas fazia a versão para o alemão e as duas loiras faziam cara de completo desentendimento, mas ele continuava.
Mais algumas cervejas, a suíça e a holandesa mostravam muito interesse, querendo saber mais de nós, três barbudos e um negro com todo o tempo para viajar preguiçosamente, desde que não gastássemos muito. Éramos um grupo esquisito para os padrões nordestinos, especialmente os três barbudos, com barbas fartas mesmo, tipo raro na região.
Horas depois, quando soube onde as duas loironas estavam hospedadas (embora não fossem dormir lá naquela noite, pois toparam ficar namorando a gente também), decidi fazer mais uma brincadeira. O hotel delas era perto da Ponte da Torre, que segundo os jornais seria implodida na manhã de domingo, dali três dias. Como elas não sabiam nada de português, não liam os jornais e com certeza não sabiam da implosão.
Nessa época, o grupo Baader-Meinhoff explodia bombas por toda a Alemanha e era temido naquele país. Aproveitando nossa aparência, parecendo um bando de anarquistas, disse a elas que éramos de um grupo terrorista brasileiro que tinha ligações com o Baader-Meinhoff. E segredei o motivo porque estávamos em Recife:
— Domingo de manhã vamos derrubar aquela ponte em frente ao hotel que vocês estão.
Fizeram cara de espanto e incredulidade. Reafirmei, com os meus amigos me recriminando, fingindo que não poderíamos contar pra ninguém e pedindo segredo total a elas.
No domingo, estávamos em João Pessoa e soubemos que a implosão, feita às 9h da manhã, havia fracassado. A ponte, construída há séculos, resistiu. Ficamos rindo, imaginando que as duas gringas deviam ter acordado com a explosão, saído à janela, visto a ponte fumegando, cheia de polícia em volta, e pensando que terroristas subdesenvolvidos não prestam nem pra explodir uma ponte.
Eficiência hospitalar
Na Paraíba, fomos conhecer a Baía da Traição, hoje cidade turística, na época um povoado ocupando um pequeno espaço a beira-mar, dentro da reserva indígena dos Potiguara. Depois de encher a cara de cerveja, partimos pra uma partida de futebol com uns pescadores, naquela praia larga. Num ataque do nosso time, o Pretinho corria pela ponta direita pedindo a bola, olhando para o meio do “campo”. Todos vimos uma canoa atravessada na frente dele, mas ninguém falou nada. Tropeçou nela e quebrou o dedão do pé direito. Aí ficamos meio arrependidos e o levamos a um hospital em João Pessoa. Engessaram a perna dele inteira... só deixaram o dedão quebrado de fora.
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