Por Álvaro Luiz e Gisele Ramos *
Você já parou para pensar quais são os lugares de encontro, reencontro, partilha, onde a cultura popular é pulsante na sua cidade? Se você pensou nas feiras livres, acertou. As feiras, além de ser um espaço de comercialização, é um tradicional ponto de interação social, principalmente nas cidades do interior. Sabia que o surgimento das feiras pode estar ligado às festas religiosas? E que palavra feira origina do latim feria, que significa “dia santo ou feriado”. Talvez aí esteja a explicação das conversas, gargalhadas e a sensação de festa e felicidade que paira no ar, entre as barracas e toda a movimentação das feiras.
Nas sextas-feiras, o nascer do sol traz consigo todas as sensações que circundam uma feira e apresenta um movimento que exprime beleza, envolve geração de renda, articulação e entrega à população local alimento de qualidade, livre de veneno, produzidas pelas mãos de mulheres, homens e jovens das várias comunidades rurais do município de Sento Sé.
A Feira Agroecológica foi criada em julho de 2019, fruto da articulação da Rede Mulher do Território Sertão do São Francisco, que experimentou fazer um evento anual. Era para ser uma feira territorial, realizada apenas uma vez no ano, mas as mulheres que participaram do evento gostaram da experiência, a feira conquistou espaço na agenda da população de Sento Sé e, aos poucos, foi se transformando, passou a ser mensal, quinzenal e, em 2021, mesmo diante da pandemia, a Feira Agroecológica de Sento Sé se consolidou como um espaço de comercialização e de fortalecimento cultural, que promove troca de saberes e empoderamento feminino. “A partir desse ano a gente tá colocando a feira toda semana”, explica Jaciara Ladislau, coordenadora Territorial da Rede Mulher.
Não demorou muito para os cheiros, cores e sabores da feira conquistar as/os clientes, convencidas/os pela qualidade do alimento livre de agrotóxicos e o preço justo. “A feira agroecológica traz uma opção excelente de alimento limpo, um alimento que você traz direto do produtor para cá, sem conservantes, sem insumos químicos. Então isso é importante para a nossa qualidade de vida, além do mais é incentivo à produção da agricultura familiar”, relata José Cláudio Santos, que revela ser um cliente divulgador da feira.
A feira traz ganhos para o público, que tem acesso a alimento de qualidade e preço justo, assim como ganham também as mulheres, que abriram mais um canal de comercialização. A agricultora Marila Rodrigues, da comunidade Tapera, uma das mulheres que comercializa na feira desde o início, conta que já vendia em outro formato, mas que o novo mercado trouxe vantagens. “Além dos que a gente entregava em casa, a gente conquistou novos clientes. A comercialização ampliou”, avalia Marila.
O verde da melancia de roça ou de chuva, o amarelo do mamão, o vermelho intenso da acerola são algumas das cores que alimentam os olhos de quem passa pela praça da saúde nas manhãs de sexta. Quem deseja sentir os sabores ali mesmo, pode experimentar as frutas ou se deliciar com a tapioca sem conservantes produzida no município, ou ainda saborear a coxinha de carne de sol feita com a massa de aipim. São cores, cheiros e sabores que aguçam os sentidos e fomentam a circulação de renda, envolvendo agricultura familiar e a economia solidária.
A agricultora Luciana da Silva, também destaca o crescimento nas vendas. “As minhas vendas eram poucas, porque era só na comunidade e eu não saía muito. Com a feira a gente passou a vender mais e abriu outras portas, o cliente vem e já passa para outros”, conta a agricultora do Assentamento Antônio Guilhermino, dando ênfase ao processo de divulgação feito por clientes.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Censo Agropecuário de 2017, entre os anos de 2006 e 2017 os estabelecimentos que envolvem mulheres cresceram de 12,7% para 18,6%. Outro dado importante é que 77% dos estabelecimentos agropecuários visitados durante o censo foram classificados como da agricultura familiar.
Para Marila, a feira tem um papel fundamental no empreendedorismo feminino, “principalmente essa questão da autonomia, essa questão de a gente produzir e comercializar”. Ela comenta que na maioria das vezes as mulheres estão envolvidas na produção, mas quem comercializa é o marido e, em muitos casos, mesmo quando é ela a responsável pela comercialização, geralmente a renda obtida fica com o esposo, um antigo costume machista que a feira agroecológica e a Rede Mulher tem ajudado a mudar. “Eu e meu esposo trabalhamos juntos, produzimos na roça, a gente vem pra feira juntos, a gente consegue ter essa igualdade de gênero”, relata.
Além de ser um importante espaço de comercialização dos produtos da agricultura familiar, a feira de Sento Sé está indo muito além disso: é também espaço de formação e articulação política. “Esse processo da feira foi bom para as mulheres porque elas redirecionaram os produtos para a comercialização (...) E elas participam de formação na parte de beneficiamento, produção e comercialização”, explica Gizeli Maria Oliveira, colaboradora do Irpaa.
Através da Rede Mulher os debates de gênero também são ofertados para as mulheres envolvidas na feira. Esse trabalho tem contribuído para o empoderamento feminino e a autonomia financeira. Luciana revela que o evento tem trazido ganhos monetários, bem como melhorado sua autoestima. Ela conta que por causa da pandemia a feira precisou ser suspensa, o que lhe causou prejuízos emocionais. “Teve um período que a gente ficou sem vir, isso fez muita falta para a gente, porque a gente já está acostumada a ter o contato com as meninas aqui da feira”, afirma a feirante.
A feira que nasceu do desejo e do processo organizativo das mulheres encontrou apoio em projetos como o Pró-Semiárido – projeto do governo da Bahia, executado pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), empresa vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), mediante acordo de cofinanciamento firmado entre o governo da Bahia e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), executado pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa).
O Acesso das mulheres a políticas públicas de Assessoria Técnica e Extensão Rural – Ater – tem fortalecido a iniciativa da feira através de formações e aquisições de equipamentos, que melhoram a produção e aproximam as/os produtoras/es e o público consumidor. “A partir das feiras as famílias estão mais empenhadas na produção, mais animadas vendo que os produtos estão saindo”, declara Daniele Santos, agente Comunitária Rural do Projeto.
As relações construídas durante o processo de implementação e hoje fortalecidas na troca de amizade e de experiências entre agricultoras e os consumidores, demonstram a importância da feira para o desenvolvimento local. O evento também se apresenta como um instrumento de resistência e resgate cultural. Por outro lado, o espaço fortalece novos costumes, tanto na alimentação, quanto nas relações sociais. A Feira Agroecológica de Sento Sé, é em si um novo hábito para a população local, haja vista que o município, diferentemente de muitos outros, não tinha uma feira livre. E se hoje, diante do cenário da pandemia, a feira teve seu tamanho físico reduzido, por outro lado, a cada dia cresce a importância do evento para o fortalecimento das mulheres de Sento Sé.
*Álvaro Luiz e Gisele Ramos são jornalistas.**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.