Fechamento da Ford é só a ponta do iceberg do que pode ocorrer na indústria

Diretor do Dieese fala sobre o impacto na economia brasileira e o que está por trás do fechamento das fábricas no Brasil, a partir de acordo com o México

Foto: Ford do Brasil (reprodução)
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Por Vanessa Ramos

Emaudiência pública virtual realizada pela Assembleia Legislativa de São Paulo nesta quarta-feira (20), o sociólogo e diretor técnico nacional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, falou sobre os bastidores da política econômica hoje no setor industrial brasileiro.

De acordo com ele, o fechamento da Ford nas unidades de Taubaté (SP), Camaçari (BA) e Horizonte (CE) é apenas a ponta do iceberg do que pode ocorrer na indústria brasileira.

Umas das tônicas do debate sobre o fechamento da Ford no país atualmente é que a empresa está saindo do Brasil porque irá concentrar seu nicho de negócios em SUVs e picapes.

“Só que a fábrica de Camaçari (na Bahia) foi que inaugurou a produção de SUV no Brasil, com a EcoSport, e tem um mercado importante no país. Ou seja, isso não diz respeito à discussão da própria estratégia da Ford”, aponta o diretor técnico.

Segundo ele, o fechamento da fábrica da Troller significa também o encerramento de um segmento de especialização que a Ford afirma que dará continuidade. “O que mostra que a tomada de decisão da empresa não é simplesmente uma tomada de nicho de negócio”, afirma.

Neste sentido, o diretor chama a atenção de uma negociação que pouco tem sido comentada, mas que, para ele, está no centro das discussões: o acordo de livre comércio do Brasil com o México.

“Precisamos entender que as decisões que os Estados tomam chegam na vida das pessoas comuns, inclusive na vida da mulher que vende salgadinho na frente da fábrica de Camaçari”, exemplificou.

Durante a audiência, Júnior detalhou o desdobramento do acordo entre os países. O Brasil bloqueou o acordo de livre comércio com o México desde o início dos anos 2000 até a derrubada da presidenta Dilma Rousseff do governo, em 2016.

“A partir do impeachment de Dilma, se reabriu a negociação de livre comércio com o México e, a partir de Bolsonaro, se definiu o livre comércio automotivo com o México, em 2019, mas sem cota. O que havíamos negociado, em vários momentos, é que esse acordo de livre comércio teria níveis de cota e níveis de implementação deste acordo”.

Mas o que foi visto a partir do ano retrasado, relata o sociólogo, foi um processo de livre comércio que vai até 2023, que significa isenção tarifária, de um lado, e inexistência de algum tipo de cota do ponto de vista de compra em relação às vendas do mercado.

“Mais grave do que isso, o que tem impedido que o carro produzido no México chegue no Brasil com mais força é uma cláusula de conteúdo local que diz que para o veículo acessar o mercado brasileiro pelo livre comércio com o México, é preciso ter 40% de conteúdo local mexicano”, explica.

O que está sendo negociado, desde julho de 2020, no meio da pandemia, é que este índice de nacionalização obrigatório citado por Júnior, que envolve ambos os países, iria ser reduzido à metade e, posteriormente, a outra metade, chegando a um limite de 10%.

“Na prática isso iria derivar que, além da gente trazer um veículo mexicano, o que vai acontecer é que o México vai ser a porta de entrada para o Brasil dos veículos, em especial da Ásia, sem nenhum tipo de nacionalização. Isso, portanto, não vai impactar só a Ford”, avalia.

Para Júnior, o ABC paulista deve ter atenção redobrada sobre esta questão. “Um dos maiores mercados de produção de caminhões do mundo está no Brasil e, metade desta produção, está em São Bernardo do Campo”, comenta.

Segundo o diretor, o acordo com o México expande o livre comércio para o mercado automotivo. “Chamo a atenção disso porque este acordo passa necessariamente pelo Congresso Nacional, pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e pelo Ministério das Relações Exteriores que têm esta visão de simplesmente abrir o mercado”.

O sociólogo também trouxe à tona que a abertura do mercado automotivo foi uma condicionante para abrir os debates sobre o mercado agropecuário com o México.

“É a bancada do boi, a bancada ruralista novamente interferindo e avançando cada vez mais para um processo de transformar o Brasil num grande pasto, numa grande mina, em um grande produtor de energia, comida e minério de ferro”, conclui.