Por Lucas Souza
Assim como várias regiões do Brasil, o interior do Paraná já foi, e ainda é, um cenário de diversos conflitos fundiários. Desde a década de 1950, e com maior força nos anos de 1980, a região de Guarapuava foi palco violentas grilagens de terras de faxinalenses, posseiros, indígenas e quilombolas.
Nas últimas semanas, uma ação envolvendo mais de 30 comunidades próximas de Guarapuava — que inclui assentamentos e acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), posseiros e faxinalenses —, organizou a doação de 50 toneladas de alimento que foram produzidos em terras de agricultura familiar e começaram a ser distribuídos na manhã deste sábado (30).
De acordo com José Damasceno, de 59 anos, membro da coordenação estadual do MST no Paraná, “o pessoal está dividindo o que tem, não é o que sobra.” Os agricultores familiares da região centro-sul do estado fizeram a arrecadação da produção que abrange mais de 20 variedades, entre elas: arroz, feijão, batata, pepino e abóbora.
Cada comunidade foi responsável por organizar em seus centros sociais os alimentos e depois transportaram para o assentamento Nova Esperança, localizado na PR-170, próximo a cidade de Guarapuava.
Toda a doação, de aproximadamente 50 toneladas, foi centralizada no assentamento e então separada em kits de 12 a 15 quilos. Estes foram distribuídos para famílias de bairros carentes de Guarapuava e do município vizinho de Pinhão.
Segundo o IBGE, o Brasil terminou o primeiro trimestre de 2020 com mais 1,2 milhões de pessoas na fila do desemprego. Foi um aumento em todas as regiões do país. Em Guarapuava não é diferente, o acumulado do ano de contratações e demissões gerou um saldo negativo de 722 desempregados.
São pessoas como Seu José e Dona Rosa, moradores do bairro Jardim das Américas de Guarapuava. Ambos pertencem ao grupo de risco do novo coronavírus e estão sem trabalho há mais de dois meses.
A família tem se mantido com a solidariedade das pessoas e enfrentam dificuldades para pagar as contas de água e energia elétrica. “Tudo mais difícil. Ajuda de tudo um pouco, um ajuda de um lado e agora vocês [MST] vieram e ajudaram mais um pouco”, diz Rosa e José completa “a verdura que vocês trouxeram já foi uma ajuda boa”.
Para a produtora rural e moradora do assentamento Nova Esperança, Iara Souza, de 44 anos, “é muito gratificante poder contribuir com as famílias da zona urbana que enfrentam um momento de dificuldade causado pelo novo coronavírus”. Todas as 31 famílias do assentamento contribuíram na ação.
Outra comunidade que faz parte da doação organizada pelo MST é a do Alecrim, localizada em Pinhão. Em 1º de dezembro de 2017 a comunidade sofreu uma violenta e repentina reintegração de posse. Naquele dia, máquinas destruíram uma igreja, casas, um posto de saúde, uma padaria comunitária e outras estruturas comunitárias construídas ao longo de 23 anos de ocupação da terra.
“A comunidade vem se recuperando, já conseguiu organizar sua produção novamente e quase tudo voltando ao que era antes, apesar do sentimento de revolta”, diz Eferson Santos, de 40 anos, morador da comunidade do Alecrim. Assim como Iara, Santos se sente gratificado em poder contribuir com a sociedade através dessa doação de alimentos.
Esta ação organizada pelo MST faz parte de uma grande movimentação nacional de doação de alimentos. Em todo o Brasil, foram doados mais de 1.200 toneladas de alimentos provenientes de áreas de reforma agrária e cultivados pela agricultura familiar. Com esta última doação, o Paraná chegou ao número de 150 toneladas de alimentos doados.