Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, mestre na arte de resolver controvérsias internacionais pelo diálogo, jamais imaginaria que passados mais de 100 anos de sua morte o país, que formou gerações e gerações de diplomatas sensatos, seria entregue ao comando de gente tão inábil, tão acintosamente rasteira para o lidar cotidiano das relações exteriores.
O episódio em que filho do presidente da República acusou a China de haver provocado dolosamente a contaminação do mundo pelo coronavírus, comprando um desnecessário desgaste diplomático com a nação asiática, principal parceira comercial do país, sandice que, de modo inaceitável, foi endossada pelo chanceler brasileiro, revelou não apenas falta de tato no manejo das palavras, como exteriorizou, ainda mais, o fosso intelectual existente no âmbito das mais elevadas autoridades brasileiras.
O país, cujos representantes oficiais já eram tidos por atrasados mundo afora, por buscar, a todo custo, arregimentar uma demagógica aliança ultraconservadora universal, passou a ser explicitamente reconhecido como ninho de pessoas grosseiras e ineptas, capazes de, por um lado, assacar gratuitamente contra a beleza da primeira-dama da França, por outro, deixar-se influenciar por teorias conspiratórias esdrúxulas, isentas de justificação racional e compromisso com a verdade, dissuadidas por subintelectuais de YouTube, curvando-se às elucubrações do presidente dos Estados Unidos, o mais bufão de todos os bufões do planeta.
As autoridades brasileiras já agrediram China, França, Alemanha, Canadá, Irã, Venezuela, Cuba; perderam a confiança dos russos; compadeceram-se com o nazismo irritando judeus; intrigaram-se com árabes ao declararem amor por Israel; foram desdenhadas por históricos parceiros sul-americanos, em dadas situações após manifestarem aversão pelas opções soberanas dos povos por projetos políticos de esquerda, no caso da Argentina, e mesmo após colidirem com os limites tolerados pela própria direita, como na situação do Chile em que foram rechaçadas por defenderem o sanguinário ex-ditador do país. A situação do Brasil na América do Sul é de tal maneira vexatória que o presidente da República sequer participou de recente videoconferência com Chefes de Estado sul-americanos destinada a tratar da contenção da pandemia de coronavírus na região.
Depois de tantas trombadas diplomáticas não seria de se esperar que, para além da América, a credibilidade do país fosse melhor. Politicamente, é um desastre. Nas rodas internacionais o país é ironizado pela forma serviçal como se alinha aos Estados Unidos. Ninguém crê, por exemplo, que o Brasil possua um posicionamento próprio sobre os temas do aquecimento global, da migração, da geopolítica do petróleo, das questões da Venezuela, Cuba e Bolívia, apenas para citar algumas. O Brasil é achincalhado pela forma atrasada como se coloca diante de pautas de direitos humanos sobre memória, verdade e justiça, gênero, segurança, política indigenista e ambiental. Comercialmente, o tsunami é ainda mais dramático. Presidente, ministros e filhos do presidente, todo dia alguém dizendo bobagem, todo dia alguém gerando incerteza para investidores internos e externos. A política exterior brasileira é um fiasco. As consequências, que já seriam enormemente graves sem a crise do coronavírus, são, agora, incalculáveis.
É lamentável que Brasil tenha abandonado a condição de gigante das relações internacionais conquistada na primeira década do século XXI para converter-se em pária global, vassalo incondicional estadunidense. O país se tornou um lacaio dos Estados Unidos a ponto de ofender imigrantes brasileiros ali domiciliados e de apoiar a deportação em massa de nacionais do território norte-americano. Isso sem cobrar reciprocidade e após liberar unilateralmente a exigência de visto para a entrada de estadunidenses no país e de manter a permissão de entrada mesmo em cenário de coronavírus, depois de impor vedação de acesso a estrangeiros de inúmeras nacionalidades.
Não é esse o Brasil que faz jus a memória de gerações de diplomatas que calcaram ladrilhos na idealização de um conceito brasileiro próprio, zeloso e confiável, de política exterior. Ninguém merece um governo assim, indiferente à honra do país e alheio ao respeito do seu povo. A propósito, para não alongar o texto, nem comentarei sobre o vexame da viagem presidencial de beija-mão aos EUA, que só serviu para apressar a chegada do coronavírus em divisas nacionais, e dos 39Kg de cocaína apreendidos em avião oficial de apoio à comitiva brasileira no exterior. Resumindo, é urgente, mais que urgente, urgente urgentíssimo que se substitua o comando da nação.