Os repórteres do Post dificilmente teriam conseguido hoje brilhar sozinhos na ribalta jornalística criada em torno de Watergate, como aconteceu há quatro décadas
Por Carlos Castilho (Publicado por Observatório da Imprensa)
Esta foi a pergunta feita aos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, as estrelas principais do congresso anual da Sociedade de Editores de Notícias dos Estados Unidos (ASNE), que promoveu umacelebração antecipada dos 40 anos do escândalo investigado pelos dois jornalistas e que culminou na renúncia do então presidente Richard Nixon.
Woodward e Bernstein tentaram responder, mas não conseguiram ir além de uma nostálgica constatação de que os tempos mudaram e que os jovens estudantes de jornalismo nas faculdades de hoje estão mais preocupados com as novas tecnologias do que com os protagonistas da informação diária.
A provocação feita por um colega de Woodward e Bernstein motivou um professor da universidade de Yale a pedir que alunos da escola de jornalismo escrevessem textos contando como acham que o escândalo seria coberto hoje. A maioria confessou que iria imediatamente para a Internet buscar informações.
A reação dos estudantes deixou Woodward indignado, mas a pergunta vale um debate porque a questão pode ajudar a entender melhor o contexto informativo no qual estamos mergulhados. A troca de ideias pode ajudar novos e velhos jornalistas a achar pontos de identificação, em vez de antagonismos estéreis.
Para começar, temos que ver o ambiente político da época em que os dois jornalistas do Washington Post iniciaram uma investigação que se tornaria um marco na história do jornalismo mundial. O caso Watergate ganhou tanta repercussão porque a política do início dos anos 1970 ainda estava marcada por uma imagem moralista. Hoje são tantos os casos de corrupção e espionagem ilegal que pipocam em governos de todo mundo que a desastrada invasão dos escritórios do Partido Democrata, no edifício Watergate, em Washington DC, seria vista apenas como mais um item na carregada pauta de escândalos políticos.
Além disso, é certo que Woodward e Bernstein teriam a companhia de milhares de blogueiros despejando na internet uma avalancha de informações, a maioria de difícil comprovação imediata, fazendo com que o público assumisse uma posição desconfiada. Isso sem falar no inevitável surgimento de versões dos acusados ou suspeitos, postadas em sites como o Twitter ou outras redes sociais.
Em 1972, os leitores do Washington Post puderam acompanhar as investigações do escândalo de forma ordenada, sequencial , seguindo o padrão jornalístico tradicional. Hoje, isto seria impossível diante dacacofonia noticiosa que imediatamente ocuparia quase todos os canais de comunicação.
Os repórteres do Post dificilmente teriam conseguido hoje brilhar sozinhos na ribalta jornalística criada em torno de Watergate, como aconteceu há quatro décadas. Seus 15 minutos de fama que se prolongaram até hoje provavelmente não teriam durado mais que o tempo para que o trendsets (seguidor de tendências) do Twitter registrasse o surgimento de um novo fenômeno de audiência online.
Woodward e Bernstein obtiveram quase todas as informações sobre o envolvimento de assessores do presidente Nixon da boca de um informante congnominado “Garganta Profunda” (Deepthroat), só muitos anos depois identificado como Mark Felt, um funcionário da CIA. Na era da internet, muito provavelmente ele teria criado o seu próprio blog e suas informações passariam a ser de domínio comum da imprensa.
No submundo contemporâneo da “arapongagem”, os informantes trocam informação por algo que geralmente é a impunidade. Mas na era digital é mais negócio usar o anonimato da rede para soltar notícias porque o autor tem mais controle sobre a divulgação das mesmas, e fica livre para negociar com quem pagar mais ou oferecer mais vantagens.
A lista de comparações entre o Watergate analógico dos anos 1970 e os escândalos contemporâneos têm uma diferença fundamental. Há 40 anos, a imprensa tinha o controle sobre a divulgação das acusações, investigações e acusações porque era o principal canal de informações para o público. Hoje, ela continua dependente de “gargantas profundas” como mostram os escândalos recentes em Brasília, mas tem que competir com blogs e qualquer jornalista com acesso à internet.
Na década de 1970, o mundo ainda podia ser analisado na base dos bons contra os maus. Hoje a coisa está muito mais complicada, o que torna muito complexo o trabalho da imprensa, especialmente quando ela leva a sério a sua função de checar as denúncias e revelar os interesses por trás de acusações ou notícias “plantadas”.
Estas são apenas algumas comparações possíveis, pois o assunto é vasto e complexo. Os leitores certamente têm muitas outras e podem compartilhá-las aqui, usando a seção de comentários.