França: Sarkozy e o pragmatismo de direita

Sarkozy obteve 53% dos votos no segundo turno, realizado domingo, graças ao apoio decisivo de eleitores de centro, de extrema direita e, inclusive, de alguns esquerdistas, segundo pesquisas de opinião

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Sarkozy obteve 53% dos votos no segundo turno, realizado domingo, graças ao apoio decisivo de eleitores de centro, de extrema direita e, inclusive, de alguns esquerdistas, segundo pesquisas de opinião

Por Júlio Godoy

A vitória do direitista Nicolas Sarkozy nas eleições presidenciais da França dá lugar a profundas mudanças políticas e sociais, muito semelhantes às que a ex-primeira-ministra Margarth Thatcher implementou na Grã-Bretanha na década de 80. ao mesmo tempo sua vitória, ou melhor, a derrota de sua principal adversária, a candidata do Partido Socialista, Ségolène Royal, propicia uma reestrutura radical das estruturas políticas francesas, segundo observadores.

Sarkozy obteve 53% dos votos no segundo turno, realizado domingo, graças ao apoio decisivo de eleitores de centro, de extrema direita e, inclusive, de alguns esquerdistas, segundo pesquisas de opinião. O presidente eleito, que assumirá no próximo dia 16, afirmou ao proclamar sua vitória que m seu governo “valores como trabalho árduo, moralidade, autoridade, respeito e mérito serão reabilitados”.

Está fórmula, repetida ao longo de sua campanha eleitoral, é interpretada como o anúncio de um amplo desmantelamento do estado de bem-estar, a preferência pelas políticas liberais em favor das empresas privadas e autoritarismo a partir do Estado. Esses foram, precisamente, os princípios que deram forma à política de privatizações, austeridade fiscal, desregulação, liberalização econômica e redução dos serviços sociais impostos por Thatcher em seu período de primeira-ministra britânica (1979-1990).

“Quero restaurar a identidade nacional francesa. Quero que os franceses tenham novamente orgulho de sua nação”, disse Sarkozy, que prometeu criar um Ministeiro de Identidade Nacional e Imigração, sugerindo que os dois conceitos estão vinculados. Também defendeu uma política migratória seletiva, sob a qual os imigrantes serão selecionados com base em sua educação e capacidade profissional, cultural e, inclusive, esportiva.

Em matéria de relações exteriores, Sarkozy disse que “os Estados Unidos podem confiar na amizade francesa”. Em seguida, descreveu a guerra lançada por Washington contra o Iraque em 2003 como “um erro histórico”, mas, acrescentou que “a amizade implica que os amigos possam ter opiniões diferentes’. O presidente atual, Jacques Chirac, apelou ao veto para bloquear, em 2003, uma proposta dos Estados Unidos no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas que tornaria legitima a operação por parte da comunidade internacional.

Sarkozy também exortou a União Européia a “ouvir o clamor do povo”, que vê o bloco “não como uma proteção, mas como um cavalo de Tróia” que introduz no país as ameaças da globalização. O presidente eleito prometeu que encontrará a maneira de aprovar em seu país a falida Constituição Européia sem um referendo, como o que a rejeitou em 2005. Por outro lado, se opôs à integração da Turquia na UE, ao mesmo tempo em que apoiou a incorporação de ex-repúblicas soviéticas da Europa oriental, como Ucrânia e Geórgia, à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

O líder da direita francesa, cuja mãe é de origem judia, disse que a segurança de Israel será central na política de seu governo no Oriente Médio. Sarkozy é o primeiro presidente francês sem manchas das grandes refregas internacionais da França do século XX. Nasceu em janeiro de 1955, e ainda era uma criança quando terminou o colonialismo francês. Por essa razão, carece dos vínculos político, diplomático amistoso que unia a maioria de seus antecessores com o mundo árabe. Em matéria de política interna, Sarkozy propõe o fim do imposto sobre as heranças e a redução das taxas que pesam para as empresas.

Mas, o cumprimento de muitas de suas promessas dependera do resultado das eleições legislativas dos dias 10 e 17 de junho. O presidente francês tem um enorme poder em matéria de política internacional, enquanto a implementação de políticas nacionais seja tarefa do governo que se forma após as eleições parlamentares. A equipe de Sarkozy anunciou a formação de um governo provisório no dia 16, para o qual serão convidadas figuras políticas “do centro e da esquerda” para dirigir o país no mês seguinte às eleições.

Em três ocasiões, uma durante o governo do socialista François Mitterrand (1981-1995) e dois durante o do direitista Chirac, iniciada em 1995, os eleitores escolheram um governo ideologicamente oposto ao chefe de Estado, uma situação chamada de “cohabitação”. Porém, é pouco provável que o próximo governo comungue com a esquerda. O partido Socialista parece ter lançado todas suas cartas na campanha presidencial. Sua candidata Royal obteve 47% dos votos no segundo turno, mas o resultado sugere que não há espaço para a formação de um governo esquerdista.

No primeiro turno, Royal conseguiu 25% dos votos, e a esquerda alheia ao PS, como a do Partido Comunista e Os Verdes, somou menos de 10%. “O Partido Socialista esgotou seu potencial de votação no primeiro turno eleitoral”, disse à IPS o cientista político Gerard Grunberg, do Centro Nacional de Pesquisa Científica. “A porcentagem de votos para a esquerda do partido era muito pequena”, afirmou. Para Grunberg, o desafio do PS é “ganhar votos no centro do espectro político”, onde este especialista identificou uma reserva de cidadãos moderados temerosos do radicalismo direitista de Sarkozy que poderiam estar buscando um novo destino para seus votos.

Essa parece ser a esperança para alguns dirigentes socialistas, como o ex-ministro da Economia e Finanças Dominique Strauss-Kahn, que recomendam um avanço do partido para o centro e a social-democracia. “Estou pronto para conduzir a renovação social democrata do Partido”, disse Strauss-Kahn depois de conhecido o resultado do domingo. “A esquerda francesa nunca foi tão hábil como hoje. A principal razão é a falta de revisão de suas idéias”, disse.

Alguns dirigentes acreditam que o PS deveria considerar um novo programa de cunho liberal em um congresso extraordinário, semelhante ao realizado em 1959 em Bad Godersberg, no qual o Partido Social-democrata alemão abandonou a ideologia marxista. Porém, o Partido Socialista francês é uma organização burguêsa, sem relação com o marxismo. Não conseguiu encontrar uma resposta para os desafios de uma sociedade marcada pelo ressentimento racista contra os imigrantes, pelas divisões entre regiões e por um profundo ceticismo em relação aos políticos e intelectuais parisienses.

(Envolverde/ IPS)