Alvos de ataques e desmontes em diferentes contextos, os direitos das mulheres vêm sofrendo retrocessos sem precedentes ao redor do mundo devido à polarização política, conflitos, à emergência climática e os avanços tecnológicos. Segundo um novo relatório da ONU Mulheres, lançado nesta quinta-feira (6), às vésperas do Dia Internacional da Mulher, um em cada quatro países relataram retrocesso nos direitos das mulheres em 2024.
“O enfraquecimento das instituições democráticas andou de mãos dadas com uma reação violenta contra a igualdade de gênero”, afirmam os autores do relatório “Os Direitos das Mulheres em Revisão 30 Anos Após Pequim”.
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"Os direitos das mulheres e meninas enfrentam um cenário sem precedentes de ameaças cada vez maiores em todo o mundo, de níveis mais altos de discriminação até proteções jurídicas mais falências e financiamento limitado para programas e instituições que apoiam e protegem as mulheres", afirma a ONU Mulheres.
O relatório faz uma revisão do avanço ou retrocesso dos direitos das mulheres 30 anos após a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, em 1995, que foi adotada por 189 países. Os autores destacam que é possível observar em diversos países ao redor do mundo movimentações contrárias aos direitos das mulheres que “estão minando ativamente o consenso de longa data sobre questões-chave” sobre o tema.
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Os autores afirmam que quando os governos “não conseguem reverter totalmente o progresso legal e político, tentam bloquear ou retardar sua aplicação”. “Quase um quarto dos países relata que a reação contra a igualdade de gênero está dificultando a implementação” dos acordos de Pequim.
“A polarização política está cada vez mais exacerbando o risco e a realidade da reação violenta de gênero”, completam os autores.
O relatório também destaca que, na última década, o número de mulheres e meninas vivendo em zonas de conflito aumentou em 50%. Além disso, defensoras dos direitos das mulheres continuam enfrentando diariamente assédio, ataques pessoais e até a morte.
A ONU Mulheres ainda chama atenção para o perigo que os avanços tecnológicos, como a Inteligência Artificial, podem prejudicar o avanço dos direitos das mulheres e o respeito a elas ao reforçar estereótipos preconceituosos e outras formas de violência.
"Crises recentes pioraram o fenômeno enquanto a mídia digital espalhou novas formas dele, com bots multiplicando a velocidade e a escala da violência online. A inteligência artificial generativa abriu espaços adicionais para popularizar estereótipos discriminatórios. Ainda há lacunas nas estruturas legais relacionadas à tecnologia e à discriminação de gênero na mídia. Deficiências na aplicação da lei estão entre muitas outras barreiras à justiça, refletidas na baixa denúncia contínua de casos", diz o estudo.
Desigualdades no mercado de trabalho
O relatório aponta que, apesar do avanço da inserção das mulheres no mercado de trabalho, a realidade ainda é muito desigual se comparada aos homens. Segundo o estudo, 63% das mulheres entre 25 e 54 anos têm um trabalho remunerado, enquanto a taxa chega a 92% no grupo masculino. Além disso, o relatório destaca que 772 milhões de mulheres trabalham na economia informal, não têm proteção social e seus empregos são os mais ameaçados em caso de crise.
Violência sexual e feminicídios
Desde 2022, os casos de violência sexual relacionada a conflitos aumentaram em 50%, e 95% das vítimas são mulheres e meninas. Em 2023, o número de pessoas que viviam a 50 quilômetros de um dos 170 conflitos armados aumentou 54%, passando para 612 milhões.
A ONU também reforça os números alarmantes de feminicídio: atualmente, a cada 10 minutos, uma mulher ou menina é morta pelo seu parceiro ou membro da família, e uma em cada três sofre violência física e sexual, tanto em casa quanto fora dela.
Medidas para o avanço dos direitos das mulheres
- Revolução digital para todas as mulheres e meninas: Devemos garantir acesso igualitário à tecnologia, capacitar mulheres e meninas para liderar na inteligência artificial e na inovação digital, e assegurar sua segurança e privacidade online.
- Fim da pobreza: Investimentos em proteção social abrangente, cobertura universal de saúde, educação e serviços de cuidado robustos são essenciais para que mulheres e meninas prosperem e podem gerar milhões de empregos verdes e dignos.
- Violência zero: Os países devem adotar e implementar legislações para erradicar todas as formas de violência contra mulheres e meninas, com planos bem financiados, que incluam apoio a organizações comunitárias na linha de frente da resposta e prevenção.
- Poder de decisão pleno e igualitário: Medidas especiais temporárias, como cotas de gênero, provaram-se eficazes para aumentar rapidamente a participação das mulheres.
- Paz e segurança: É essencial financiar integralmente os planos nacionais sobre mulheres, paz e segurança e garantir ajuda humanitária com perspectiva de gênero. Organizações de mulheres na linha de frente, que frequentemente são as primeiras a responder a crises, devem receber financiamento dedicado e sustentável para construir uma paz duradoura.
- Justiça climática: Devemos priorizar os direitos das mulheres e meninas na adaptação às mudanças climáticas, valorizar sua liderança e conhecimento, e garantir que elas se beneficiem de novos empregos verdes.
"“A ONU Mulheres está comprometida em garantir que TODAS as Mulheres e Meninas, em todos os lugares, possam desfrutar plenamente de seus direitos e liberdades”, afirmou Sima Bahous, Diretora Executiva da ONU Mulheres. “Desafios complexos dificultam a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, mas continuamos firmes, avançando com ambição e determinação. Mulheres e meninas exigem mudanças—e não merecem nada menos do que isso", afirma o órgão.
Já o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, declarou que “quando mulheres e meninas prosperam, todos nós prosperamos". "No entanto, em todo o mundo, os direitos humanos das mulheres estão sob ataque. Em vez da normalização da igualdade, estamos vendo a normalização da misoginia. Juntos, devemos permanecer firmes para tornar os direitos humanos, a igualdade e o empoderamento uma realidade para todas as mulheres e meninas, para todas as pessoas, em todos os lugares”, disse.
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