MÊS DAS MULHERES

No governo Bolsonaro, violência contra as mulheres atingiu recordes inimagináveis

Pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que pandemia da Covid-19 e atuação de movimentos ultraconservadores também contribuíram para esse cenário macabro

Créditos: FBSP - Recorte da capa da pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil
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A morte da vereadora cearense Yanny Brena, vítima de feminicídio perpetrado pelo namorado, Rickson Pinto, que em seguida cometeu suicídio, serve de emblema da violência contra as mulheres brasileiras. A médica e presidenta da Câmara de Vereadores de Juazeiro do Norte faria 27 anos na próxima sexta-feira, dois dias depois do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março. 

O feminicídio de Yanny, como tantos outros, está associado a uma estrutura patriarcal que não prepara homens para situações do cotidiano, como o término de um relacionamento. Por essa razão, o crime do município cearense representa um retrato alarmante da sociedade brasileira.

No ano passado, quatro mulheres, em média, foram mortas por serem mulheres por dia no Brasil. É o que apontam os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que mostra que 699 mulheres foram vítimas de feminicídio apenas no primeiro semestre do ano passado. Nos últimos quatro anos, o número de feminicídio cresceu 10,8% apenas na comparação entre os primeiros semestres.

Não apenas os feminicídios cresceram em 2022. Houve crescimento de todas as formas de violência contra a mulher brasileira. Essa escalada do horror tem, no mínimo, três causas centrais: os cortes orçamentários promovidos pelo governo Bolsonaro para as políticas de proteção às mulheres, a pandemia da Covid-19 e a atuação política dos movimentos ultraconservadores.

Os dados constam da pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, lançada às vésperas do Dia Internacional da Mulher. A quarta edição do levantamento feito pelo FBSP, em parceria com o Instituto de Pesquisas Datafolha e com o patrocínio da Uber, mostra que agressões físicas, ofensas sexuais e abusos psicológicos se tornaram ainda mais frequentes na vida das brasileiras. O assédio sexual, seja no ambiente de trabalho ou no transporte público, atingiu recordes inimagináveis.

A pesquisa mostra que mais de 18 milhões de mulheres sofreram alguma forma de violência em 2022. O estudo ouviu 2017 pessoas, entre homens e mulheres, em 126 municípios brasileiros, no período de 9 a 13 de janeiro de 2023.

"E, ainda que não se possa hierarquizar os traumas provocados pelas diferentes modalidades de violência, o fato é que estamos diante de um crescimento agudo de formas graves de violência física, que podem resultar em morte a qualquer momento."
Pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”

O estudo observa que, embora os dados de feminicídios e homicídios dolosos de mulheres do ano de 2022 ainda não estejam disponíveis, não será surpresa se nos depararmos com o crescimento de ambas as modalidades de violência letal contra as mulheres. "Infelizmente o Brasil ficou mais inseguro para todas nós", atesta o levantamento. 

Governo Bolsonaro, Covid e pauta ultraconservadora 

Muitos fatores podem ser destacados como centrais para a compreensão do agravamento desse cenário, mas não há respostas simples para questões complexas e isso inclui a busca por uma explicação do que teria provocado crescimento tão acentuado da violência contra as mulheres em 2022. Mas é possível apontar ao menos três fatores centrais para esse fenômeno: o governo Bolsonaro, a Covid-19 e a pauta ultraconservadora.

Os cortes das verbas destinadas às políticas de enfrentamento à violência contra a mulher por parte do governo Bolsonaro entre 2019 e 2022 é um dos elementos dessa equação macabra. Como apontou o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em uma nota técnica emitida há um ano, que mostrou que em 2022 ocorreu a menor alocação orçamentária para o enfrentamento da violência contra mulheres em uma década. Sem recursos financeiros, materiais e humanos não se faz política pública.

Outro fator que deve ser considerado nesta equação é a pandemia de Covid-19, que comprometeu o funcionamento de serviços de acolhimento às mulheres em situação de violência. Com a restrição nos horários de funcionamento, as dificuldades de circulação impostas pelas necessárias medidas de isolamento social e a redução das equipes de atendimento houve prejuízo, em algum grau, dos serviços de saúde, assistência social, segurança e acesso à justiça em todo o país. 

Um terceiro ponto a ser destacado tem relação com a ação política de movimentos ultraconservadores que se intensificaram na última década e elegeram, dentre outros temas, a igualdade de gênero como um tema a ser combatido. Por exemplo, o movimento Escola sem Partido, que  desde 2011 colocou os ataques contra a igualdade de gênero no topo da pauta. 

Alguns números da barbárie

33,4% das mulheres brasileiras com 16 anos ou mais experimentaram alguma forma de violência física e/ou sexual por parte do parceiro, o que é superior à média mundial, estimada em 27%

21,5 milhões de mulheres brasileiras já sofreram violência física e/ou sexual por parte do parceiro íntimo em algum momento da vida. 

43% das mulheres brasileiras relataram ter sofrido algum tipo de violência (física, psicológica e sexual) provocada por parceiro íntimo ao longo da vida, o equivalente a 27,6 milhões de mulheres com 16 anos ou mais. 

48% das mulheres pretas, apenas com ensino fundamental (49%), com filhos (44,4%), divorciadas (65,3%), na faixa etária de 25 a 34 anos (48,9%), são as principais vítimas de violências sofridas pelas brasileiras em 2022.

O que dizem algumas mulheres 

O tema violência contra a mulher é central para o governo Lula e para o campo progressista do Brasil e ganha destaque nesta semana em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher. 

A primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, usou as redes sociais para destacar  que toda mulher precisa estar informada sobre os tipos de violência, quais são os seus direitos e como pode buscar ajuda e acolhimento. 

A deputada federal Luiza Erundina (Psol-SP), lança um outro olhar sobre a questão feminina e comenta os dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados mostram que a população feminina representa 44% da força de trabalho do país, mas são a maioria entre desempregados, desalentados e subocupados e ganham 21% a menos do que os homens.

A deputada federal Tábata Amaral (PSB-SP) usou as redes para comentar que mais de um século depois da criação do Dia Internacional da Mulher, a desigualdade de gênero ainda persiste. 

A deputada estadual Renata Souza (Psol-RJ), que preside a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, usou as redes sociais para comentar a escalada de casos de violência contra a mulher. Ela ressaltou que o trabalho dela consiste em "evitar as mortes e preservar as vidas das nossas mulheres".

Confira a pesquisa na íntegra aqui.