Por Mônica Mourão
O Brasil completou, nessa semana, a trágica marca de 400 mil mortes por Covid-19. Na noite de ontem (30), manifestantes acenderam 400 velas na escadaria da Catedral da Sé de São Paulo para lembrar as 400 mil vidas perdidas e denunciar a política genocida do governo de Jair Bolsonaro (sem partido). O grupo, formado por ativistas autônomos e militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Marcha Mundial das Mulheres, já tinha se manifestado quando o país chegou à marca de 300 mil mortes apenas há 36 dias. Os dados mostram que, de lá para cá, o ritmo de mortes quadruplicou.
Para Larissa Viana, organizadora do protesto, o Ato em Defesa da Vida é uma manifestação em memória das vítimas de Covid-19, mas também um ato político. “Ontem (29), nós batemos um recorde terrível, desastroso e evitável de 400 mil vidas perdidas. O presidente negou ofertas de vacina 11 vezes e debochou das 400 vidas mil famílias que perderam seus entes queridos, tiveram suas famílias destroçadas e estão chorando seus mortos por falta de uma ação coordenada do governo federal”.
O lugar escolhido para a realização do ato, a Praça da Sé, também representa outra crise desencadeada pela má gestão da pandemia por parte do governo Bolsonaro. Andreza do Carmo, coordenadora da Associação Rede Rua, lembrou que “todos os dias famílias inteiras vão para a situação de rua. Para além da Covid, a gente tem enfrentado fome, desemprego, falta de moradia e violência por conta desse governo genocida”. Ela alertou ainda para a possibilidade de um número ainda maior de mortos pela pandemia. “Sabemos que há muitas pessoas em situação de rua que cujo motivo da morte é desconhecido, simplesmente é enterrada como indigente”, denunciou.
Pesquisas recentes comprovam o abismo social apontado por Andreza do Carmo. Segundo dados do Dieese, houve aumento no preço da cesta básica em 13 capitais brasileiras em fevereiro deste ano. Em São Paulo, cidade com maior aumento, o custo ficou em R$ 654,15, com alta de 3,59%, na comparação com dezembro de 2020. Pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) apontou que 19 milhões de pessoas passaram fome nos últimos meses do ano passado no país. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego hoje é de 14,4%.
De acordo com Sarah de Roure, militante da Marcha Mundial das Mulheres e organizadora do ato, a véspera do Dia das Trabalhadores e Trabalhadores também é uma data simbólica. “A gente foi para a praça da Sé fazer um ato em memória dos homens e mulheres, negros e negras, povos indígenas, trabalhadores e trabalhadoras que têm morrido de Covid, mas também como resultado da ação de um governo genocida, que está se isentando de assumir sua responsabilidade no combate à pandemia. Nós achamos que a sociedade brasileira precisa dar uma resposta diante da morte. É para falar da morte e da dor, mas também em busca de respostas que a gente está aqui hoje”.
Os dados mostram que as mortes por Covid-19 têm classe e cor: negros são os que mais morrem e os que menos são vacinados. Apenas em São Paulo, durante o ano de 2020, segundo pesquisa da Vital Strategies com apoio do Centro Brasileiro de Análise de Planejamento (Afro-Cebrap), houve excesso de mortes de 25,1% de pessoas negras e 11,5% de brancas. O excesso de mortes é o número de óbitos superior ao esperado para o período a partir da série histórica.
Os impactos da pandemia também têm gênero. De acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, 47,8% das mulheres negras do Brasil são trabalhadoras informais. Boa parte delas é de trabalhadoras domésticas, sem a possibilidade de realizar trabalho remoto. O Dossiê Mulheres Negras mostra que elas representam 57,6% das pessoas que exercem esse tipo de atividade. A Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, de 2018, aponta que os serviços domésticos são os de mais baixo rendimento no país e também os de maior disparidade entre homens e mulheres. Não à toa, a primeira morte registrada por Covid-19 no Rio de Janeiro foi da empregada doméstica Cleonie Gonçalves, de 63 anos, uma das homenageadas no Ato em Defesa da Vida.
Para o militante do MST David Zamory, “é preciso defender as palavras de ordem ‘vacina no braço, comida no prato e fora, Bolsonaro’”. Ele destacou a necessidade de se fazer mais atos simbólicos, que não reúnem muita gente e permitem que sejam tomados os cuidados para que não haja aglomerações e infecção pelo novo coronavírus. Além disso, reforçou que “Bolsonaro sabota todas as iniciativas coletivas. Essa doença só pode ser resolvida com uma estratégia coletiva de saúde. Ele, além de não comprar vacina, fala contra o lockdown e ameaça os governadores e prefeitos, numa atitude antidemocrática e autoritária. Então isso não tem outro nome senão genocídio”. A ciência mostra que, de fato, a gestão adequada poderia ter evitado centenas de milheres de mortes. Em entrevista ao Projeto Colabora, o professor da USP Tiago Pereira, doutor em Matemática Aplicada, calculou que se aglomerações com mais de dez pessoas tivessem sido banidas, o país poderia ter 150 mil mortes do início ao fim da pandemia.
Confira o vídeo produzido pelo cinegrafista Edgar Bueno: