Em uma quinta-feira, 16 de julho, às 10h20, Vera Lúcia (64) recebeu um telefonema e, segundo uma testemunha, que não quis se identificar. Ela respondeu: "tá, ok" e saiu.
Vera nunca mais voltou.
Esse amigo da vítima estranhou o fato de Vera Lúcia sair sem o motorista, como costumava fazer. Dessa vez, ela mesma foi conduzindo o próprio carro, sozinha.
O Volkswagen Fox foi encontrado por volta das dez horas da manhã do sábado seguinte, a 5 km do local de onde vera havia partido, totalmente destruído pelo fogo.
Os policiais encontraram um corpo carbonizado no porta-malas. Na última quinta-feira (20), saiu o laudo e o corpo da líder comunitária foi liberado à família.
Até agora não se sabe exatamente o que aconteceu. Tia Vera, como era conhecida, trabalhava desde 1992 na ONG Auri Verde, no Grajaú, zona sul de São Paulo (SP). Para todos que a conheciam, ela não tinha inimigos.
A polícia trabalha com a hipótese de que o crime pode ter sido motivado por dinheiro. A Auri Verde, gerenciada por Tia Vera, tinha convênio com a prefeitura, administrava seis creches, um centro para crianças e adolescentes e em um espaço para uso da comunidade.
As creches atendiam até 1.018 crianças de 0 a 3 anos. No centro, cerca de 180 crianças e adolescentes praticavam atividades artísticas e culturais.
Na sede da ONG, a juventude se divertia em aulas de zumba, break, teatro, sertanejo e balé; o local ainda realizava reuniões e eventos festivos. A entidade emprega 130 funcionários.
No início de agosto, foi pedido a quebra do sigilo bancário de Vera Lúcia. A polícia acredita que quem executou o crime tinha interesse nos valores que circulavam pelo caixa da ONG.
Com seu trabalho e dedicação, Tia Vera transformou a vida de muita gente naquela comunidade. Jaqueline Suzan (43) é um exemplo. Moradora do bairro há 16 anos, ela chegou de Campinas com uma filha no colo, e foi amparada por Tia Vera.
A criança, hoje, tem 20 anos e estuda Ciências Sociais na Universidade Federal de São Carlos. Emocionada, Jaqueline conta que chegou em São Paulo em 2003. "Não conhecia nada nem ninguém. Dona Vera foi um dos anjos na minha vida. Eu morava de favor, mas precisava trabalhar e tinha acabado de arrumar um emprego. Não tinha onde deixar minha filha mais nova, e ela acolheu a menina, o que seria de nós se ela tivesse negado? Teria que sair do emprego, e a história seria outra. Meu caso não é o único, muitos têm o mesmo sentimento de gratidão que eu", desabafou.
Foi Jaqueline quem procurou o 85° DP, do Jardim Mirna, para comunicar o desparecimento de Vera Lúcia. A iniciativa ocorreu logo após ser alertada por um dos filhos da líder comunitária sobre o sumiço da mãe e do veículo que ela usava.
Baiana de Taperoá, até os 15 anos de idade, Vera acreditava se chamar Joana, nome dado pela mãe adotiva. Foi um tio que mais tarde lhe revelou seu verdadeiro nome. Em 1975 ela se mudou para São Paulo, onde começou a trabalhar como empregada doméstica.
Em 1992 ele mudou-se para o Jardim Varginha, onde fundou a Sociedade Amigos do Jardim Auri Verde, com a intenção de lutar pela regularização do loteamento e pressionar a prefeitura a ampliar o saneamento até a região, que era praticamente um matagal.
Em vídeo gravado pela ONG, Tia Vera afirmou que tudo o que havia conquistado era fruto do trabalho em comunidade: "Eu, Vera, não fiz nada sozinha, não, nós fizemos juntos e juntos, um a um. Juntos, a gente conseguiu".
Vera Lúcia deixa cinco filhos e uma comunidade inteira com o coração partido.