Nesta quinta-feira (13), o deputado federal João Daniel, coordenador do Núcleo Agrário do PT na Câmara, usou a tribuna para repudiar as declarações do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que havia anunciado, no final da tarde desta quarta-feira (12), a suspensão da reintegração de posse no Acampamento Quilombo Campo Grande, no município de Campo Limpo, sul do estado. Lembrando que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que convocou o tuitaço #Zemacovarde nesta manhã, havia chamado de mentirosa a nota oficial divulgada pelo governador.
Nesta manhã, mais de 200 policias deram seguimento à ordem de despejo dos assentados, desmentindo as afirmações do governador. Vale lembrar que essa ação de despejo, além de ser vista como um ato desumano, contraria Recurso Extraordinário (RE 1017365), do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspende, até o fim da pandemia do coronavírus, todos os processos e recursos judiciais de reintegração de posse e de anulação de demarcação de territórios indígenas em tramitação no Brasil; e a Portaria Conjunta nº 1025/PR/2020 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que também prorroga essas ações.
O deputado João Daniel falou com exclusividade à Fórum e foi duro: "É um absurdo, um crime o que está se cometendo no acampamento Quilombo Campo Grande, numa área de uma antiga usina falida que estava abandonada e há mais de 20 anos foi ocupada e se estende numa briga judicial com arrendatários desta usina. Trata-se de uma área nobre da região, com solos férteis e planos".
O parlamentar, que esteve no acampamento em 2018 juntamente com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, acompanhado por diversos parlamentares destas duas comissões, conversou com as famílias assentadas: "Trata-se de uma das áreas mais produtivas e preservadas do Brasil, que tem uma produção dos mais diversos tipos de alimentos e mudas frutíferas e de café, inclusive eles produzem, vendem e exportam café orgânico", relatou.
O deputado vê com estranheza as atitudes erráticas do governador, mas não se surpreende. "Durante o período de pandemia nós estamos vendo o governo Romeu Zema, que é um governo sem nenhum compromisso social, cometendo um crime contra a produção de alimentos e famílias pobres que lutam para poder ter o direito de morar e produzir, tudo isso para servir aos interesses dos especuladores de terras para monocultura", pontuou.
Trabalhadores do campo
João Daniel chama atenção também para a importância de amparar os trabalhadores e trabalhadoras do campo durante a pandemia, uma vez que estes acumulam perdas econômicas e enfrentam dificuldade para escoar sua produção.
Durante a crise sanitária, com o fechamento dos comércios, grande parte das feiras livres também tiveram que ser fechadas. Como a agricultura familiar trabalha com produtos perecíveis e que não podem estar estocados por muito tempo, muitos foram obrigados a parar de produzir por não ter onde vender.
Embora quase 70% do que chega à mesa dos brasileiros venha da agricultura familiar, esses trabalhadores ainda lutam pelo reconhecimento e valorização do seu trabalho. João Daniel afirma que "o governo Bolsonaro não tem nenhum projeto e prioridade para a produção de alimentos produzidos pela agricultura familiar brasileira. É o governo que se elegeu à base da mentira e fake news e no compromisso com a grande monocultura exportadora do Brasil. Colocou a ministra da Agricultura, que é representante do grande agronegócio exportador, e não tomou nenhuma iniciativa durante a pandemia para a agricultura familiar brasileira".
Há uma proposta na Câmara dos Deputados para a criação de um auxílio emergencial para os produtores rurais, o que mitigaria essa situação. Segundo João Daniel, o “Projeto de Lei 735/2020 (chamada Lei Assis Carvalho) é uma iniciativa da Câmara Federal, em especial do Núcleo Agrário da bancada do PT na Câmara. Conseguimos fazer uma articulação junto com outros setores e garantir a aprovação na Câmara e no Senado, num acordo onde se aprovou quase que por unanimidade”. Porém, o PL ainda não recebeu a sanção do presidente, deixando os trabalhadores de mãos amarradas.
O auxílio seria no valor de R$ 3 mil divididos em cinco parcelas, com a criação de um crédito de produção de alimentos, "que lutamos para ser de R$ 30 mil por família. É um financiamento com juros baixos e subsídios do governo federal, mas como financiamento", explicou o deputado.
Esse recurso é fundamental para que os trabalhadores e trabalhadoras possam comprar sementes, forragem para os animais e se reestruturarem. "Conseguimos aprovar o valor de R$ 10 mil e também incluímos no projeto o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar e a possibilidade de financiar pequenas tecnologias nas áreas de recursos hídricos, que sejam pequenas cisternas e pequenas irrigações", afirmou o congressista.
Mais de quatro meses após o início da pandemia e das medidas de isolamento social, os trabalhadores e trabalhadoras do campo seguem à margem das políticas públicas emergenciais adotadas pelo governo. "Esse PL é uma conquista dos movimentos do campo, seja Via Campesina, Contag, Fetraf, articulação dos povos quilombolas e dos povos indígenas", comentou o parlamentar.
Ainda no aguardo da sanção do presidente, que o deputado espera que seja sem vetos, estão a ser resolvidas as questões relativas ao cadastro desses trabalhadores. "Há no projeto que este cadastro simplificado seria feito pelas empresas de assistência técnica ou as privadas não governamentais que atuam na agricultura familiar e áreas de assentamento, cadastradas na entidade nacional de assistência técnica", esclareceu.
MST
Quando o assunto é o trabalhador do campo, não se pode deixar de falar sobre o trabalho solidário do MST, que tem distribuído toneladas e toneladas de alimentos para as pessoas necessitadas Brasil afora.
“O MST é uma organização muito importante da classe trabalhadora, em especial dos mais pobres e que foram abandonados na história deste país. Um movimento que nasceu da luta pela democracia e o direito à terra e organiza aqueles que ao longo da história lhes foi retirado o direito de ter um pedaço de terra para viver e produzir. Num país como este que tem esta quantidade de terras, não podemos admitir. É vergonhoso e isso faz parte da história do Brasil, que foi um dos poucos países que fizeram a libertação dos escravos, mas não deram as condições necessárias para isso, que era o direito de ter terra para morar e produzir", disse João Daniel.
"Temos um problema secular de concentração da propriedade no Brasil. Por isto, neste momento de pandemia, as atividades que o MST tem desenvolvido no país inteiro em defesa da vida, com a doação de alimentos e a solidariedade, fazem parte da história do movimento. Até porque o MST só é o movimento que é hoje graças à solidariedade que sempre teve desde o início, nacional e internacionalmente. Por isto é fundamental, agora ainda mais, quando temos um governo reacionário, de extrema-direita, ter o MST, um espaço de produção de alimentos, de solidariedade com o povo brasileiro, em especial com os mais pobres", completou.