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Por Daniela Origuela
O céu ainda estava escuro quando o ônibus estacionou em uma rua do bairro Santa Cândida, em Curitiba. Manhã de sábado, 9 de fevereiro de 2019. O cheiro de café recepciona os passageiros do coletivo que saiu de Santos, litoral de São Paulo, na noite anterior. “Bom dia, companheiros!”, cumprimenta a anfitriã. Marcia é uma das voluntárias que, há quase um ano, se dedica à manutenção da casa, que abriga pessoas de várias partes do Brasil e do mundo. Todos chegam para prestar solidariedade ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso há quase 320 dias em uma sala do prédio da Polícia Federal, localizado a alguns quarteirões dali.
“Sejam bem-vindos! Para lá (aponta para trás) fica o alojamento feminino e na frente o masculino. Temos lençol para quem precisar. Aqui ajudamos uns aos outros”, diz Marcia, que explica a rotina, a relação com a vizinhança e o funcionamento do espaço. Ao término de sua fala, as vozes se juntam em um coro: “Lula Livre!”. Pães caseiros, manteiga, doce de abóbora, leite e café estão na mesa e são ofertados aos visitantes. Mais pessoas chegam. Homens, mulheres e crianças. São de Florianópolis, Santa Catarina.
O espaço é a Casa Lula, ponto de apoio aos que vão para a Vigília Lula Livre, instalada em frente ao prédio da PF. Nos quartos beliches de madeira feitos artesanalmente acomodam os visitantes. O refeitório é amplo, com mesas, bancos e pias. Na cozinha são preparados o café e o jantar. O lugar é mantido com doações, que também chegam com as caravanas. Voluntários, boa parte integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cuidam da organização, que é compartilhada com os que passam diariamente pelo local.
[caption id="attachment_166941" align="aligncenter" width="640"] Refeitório (Foto: Daniela Origuela)[/caption]
Roseli Andrade, integrante do MST, é uma das voluntárias da Casa Lula. Deixou o assentamento em Ponta Grossa com destino a Curitiba em abril do ano passado, quando o ex-presidente foi preso. “Vim para cá fazia dois dias que Lula tinha chegado. A vigília é amor. Sou apaixonada por Lula“, diz. Mãe de quatro filhos, um já falecido, ela conta um pouco da sua história. “Fui morar no assentamento com meus filhos pequenos. A vida na cidade não era boa, passava necessidade. O MST mudou muita coisa na minha vida. Com eles aprendi a mexer na terra, nas plantas e na lavoura.”
É Roseli quem conduz parte dos visitantes até a Vigília Lula Livre. Durante o trajeto conta o que ocorreu neste quase um ano. “No começo nós ficávamos acampados aqui (aponta para a calçada de uma rua que dá acesso ao prédio da PF). Era muita gente, muitas barracas. Ficamos nessas ruas até o dia que a polícia nos tirou. Tinha vizinho que jogava água quente. Só a senhora daquela casa (um chalé cinza) é que nos deu abrigo."
[caption id="attachment_166942" align="aligncenter" width="640"] (Foto: Daniela Origuela)[/caption]
Falta pouco para 9h, horário em que é dado o primeiro bom dia a Lula. Os visitantes chegam à vigília que foi montada em um terreno em frente à PF há quase um ano. No local, também organizado por voluntários e mantido com doações, há espaço para leitura, debates, acolhimento e venda de camisetas, souvenires e alimentos orgânicos produzidos pelo MST. A programação de atividades do dia está escrita com giz em uma lousa. Naquele sábado, antes do almoço, ainda haveria uma roda de conversa. Depois apresentações culturais, às 14h30 o ‘boa tarde, presidente’, e, logo mais, o ‘boa noite’.
[caption id="attachment_166938" align="aligncenter" width="640"] Bom dia ao presidente é dado diariamente às 9h (Foto: Daniela Origuela)[/caption]
As saudações ao ex-presidente são dadas diariamente em três horários. Um megafone é utilizado para ampliar as vozes, que, segundo relatos, podem ser ouvidas por Lula no prédio do outro lado da rua. “Já disseram que ele ouve e fica muito feliz”, diz um homem.
“Só vou sair daqui quando ele sair”
Perto da vigília, outro imóvel chama atenção. No portão um cartaz indica: “Não temos campainha, grite Lula Livre e seja bem vindo!”. A casa foi o primeiro ponto de apoio aos visitantes. Na sala do andar superior, muitas mensagens a Lula escritas em folhas de papel coladas nas paredes. Os recados foram redigidos por pessoas que passaram por ali vindas de muitos lugares do país e também do mundo. Entre elas, o ator norte-americano Danny Gloover, que visitou o ex-presidente em maio do ano passado.
[caption id="attachment_166940" align="aligncenter" width="640"] (Foto: Daniela Origuela)[/caption]
“Vim acompanhar a minha mãe que é do PT, eu nunca fui filiado. Não sou filiado. Cheguei e vi a luta, que era por uma causa justa, e decidi ficar. Comecei no acampamento Marisa Letícia. Minha mãe voltou para casa, eu não. Aqui recebemos gente de todo lugar. Já veio pessoal da Venezuela, Estados Unidos, Índia e China“, conta Alex Muniz Matos da Cunha, de 33 anos. Natural de Registro, cidade do Vale do Ribeira, no sul do estado de São Paulo, ele é um dos moradores do espaço, que também é mantido com doações e destinado à formação política e acolhimento de voluntários e visitantes.
“Estou aqui para proteger quem sempre ajudou os mais pobres. Estamos aqui para proteger o presidente. Ninguém vai humilhar ele. Só vou sair daqui quando ele sair”, diz Alex, enquanto mostra um vídeo no celular de pessoas, vestidas de camisetas amarelas, que foram até a porta da PF, durante a noite, em um caminhão, gritar palavras contra Lula.
[caption id="attachment_166944" align="aligncenter" width="640"] Espaço de leitura da vigília (Foto: Daniela Origuela)[/caption]
Aniversário
Ainda era sábado, mas o pensamento estava no domingo, dia 10 de fevereiro, data em que o PT completou 39 anos. Enquanto a comemoração oficial do partido acontecia em São Paulo, os anfitriões da Casa Lula começavam a preparar o cardápio especial. “Amanhã é aniversário do PT. Vamos fazer frango assado”, diz Marcia. As coxas e sobrecoxas são limpas e colocadas para marinar no tempero feito a base de alho e ervas frescas.
O domingo amanhece. Os visitantes se reúnem às 9h na Vigília para a primeira saudação: “Bom dia, presidente Lula!”. Depois do compromisso oficial, as pessoas se espalham pelo espaço, conversam sobre o momento político atual, trocam informações e contatos. Muitos já se conhecem. Um homem se aproxima. Diz que é vizinho do local e, há oito meses, diariamente, presta solidariedade ao ex-presidente. “Tinha uma visão distorcida do PT e dos movimentos sociais, a imagem que a mídia me passava. Um dia vim aqui e comecei a conversar com o pessoal e vi que estava errado. Não sou filiado, mas acho importante estar aqui para apoiar”, disse ele.
[caption id="attachment_166943" align="aligncenter" width="640"] (Foto: Daniela Origuela)[/caption]
O bancário Carlos Zardo, filiado ao PT desde a fundação do partido, marca presença em Curitiba todos os finais de semana desde que Lula foi para a PF. O servidor público, morador de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, encara aproximadamente 24 horas de viagem, somando ida e volta. “Saio do serviço na sexta-feira e vou direto para a rodoviária. Volto no domingo à tarde. Venho motivado pelo sentimento de solidariedade, por tudo o que ele representa e ajudou a construir no país. O que estão fazendo com ele e a família dele é injusto. Só paro de vir para cá quando Lula estiver livre”, afirma.
Zardo comentou a conjuntura atual do partido e projetou um futuro: “Desde a fundação tentam acabar com o PT, não conseguiram. Acho que quanto mais o PT apanha mais ele cresce. Quanto mais ele sofre mais fica forte. Todo mundo imaginou que o PT acabaria, mas o PT não acabou e vai continuar e sair fortalecido. Penso que o PT tem que se reafirmar diante das pessoas. Mostrar para a população que estamos há 39 anos ao lado do povo e somos sendo muito atacados hoje por isso. Acertamos mais do que erramos”.
Dedicação
O almoço é servido aos visitantes todos os dias às 13 horas no Espaço Marielle Vive de Formação Política, que fica a alguns metros da Vigília. Refeição de qualidade, possível por meio de doações e com alimentos produzidos pelo MST. No sábado, o cardápio foi arroz, feijão, carne ensopada e salada de tomate com pepino. O do domingo, macarrão com molho, arroz, feijão preto, frango assado, salada de abobrinha e berinjela. Comida caseira feita pelas mãos de dois homens. Um deles é Tille Chaves, de 35 anos. Membro do PT de Santo André, cidade do ABC paulista, ele coordena o local.
“Cheguei aqui e fiquei na rua também nas barracas com o pessoal. Sou militante e a militância é uma causa. Montei a cozinha e locamos o espaço a partir de doações. Aqui é servida alimentação e oferecido curso de formação política”, conta Tille. A capacitação política da Escola Nacional do MST dura em torno de 22 dias e é voltada a movimentos progressistas. Nas paredes do Espaço Marielle, em um grande mural de grafite, as imagens da vereadora carioca assassinada em março do ano passado, Karl Marx, Engels, Che Guevara, Papa Francisco, Fidel Castro.
[caption id="attachment_166939" align="aligncenter" width="640"] "O Lula representa uma força", diz Tille Chaves (Foto: Daniela Origuela)[/caption]
O jovem, que já tinha habilidade com a culinária, agora cozinha para centenas de pessoas. O espaço recebe, em média, 200 pessoas por dia aos finais de semana. “São 20 quilos de arroz, oito quilos de feijão e 78 quilos de carne. A maior parte das pessoas, cerca de 90%, que passa por aqui viaja com recursos financeiros próprios. São pessoas com entendimento político e que não são guiadas por alguém. Minha motivação para estar aqui é política. Não sou ‘lulista’, mas o respeito por sua trajetória. O Lula representa uma força. Ele conseguiu enxergar aqueles que sempre foram esquecidos pelo estado. Fico aqui, se possível, até quando ele sair.”
Daniel Barbosa, de 47 anos, também é do ABC. Voluntário da Casa Lula, acompanha o ex-presidente desde o Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, de onde saiu com destino a Curitiba. Neste período presenciou inúmeras histórias na vigília, e uma faz questão de mencionar: “Veio caravana do semiárido de Pernambuco. Através dos depoimentos deles vi como foi grande o legado de Lula, o que ele realmente fez para o povo pobre. A gente lê, mas ouvir a história de quem passou é diferente. São pessoas que nunca tiveram água e luz e hoje têm graças a Lula. É por isso que só saio daqui com ele. Se é 12 anos que ele vai ficar, por 12 anos ficarei aqui também”.
Um grupo de jovens vai chegando à vigília na tarde de domingo. Carregam um violão, onde já dedilham pelo caminho algumas músicas. São moradores locais. Descobriram que podem usar o espaço dedicado à Lula para apresentações culturais. Desde então, se reúnem lá.
De volta a Casa Lula, o ônibus do litoral paulista já se apronta para acomodar os passageiros que vão fazer o caminho de volta. O clima é de despedida. Antes da partida, uma pausa para conhecer Hilda Monteiro, a dona de casa moradora de Recife, Pernambuco. Pegou um avião com destino a Curitiba junto com o marido, o irmão, a cunhada e uma prima da Paraíba. Não é filiada ao PT. “Realizei um sonho e se Deus quiser voltarei novamente. Não sou do partido, não sou da política, vim por Lula. Lula é inocente. Se essa sentença fosse dada em Pernambuco, eles iam ver o que é guerra.”