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O ‘Ato Público em Defesa do Direito à Moradia’ ocorreu na cidade de Sumaré, em área que abriga mais de 10 mil pessoas
Por Michele da Costa, no Brasil de Fato
“A partir de hoje, eu moro aqui. Quando forem chamados a prestar depoimento podem dizer que Lula mora aqui”, disse o ex-presidente, em ato na Vila Soma, em Sumaré (SP), que é considerada a maior ocupação de moradia urbana do país, com 10 mil pessoas, nesta sexta-feira (18).
O ‘Ato Público em Defesa do Direito à Moradia’ reuniu aproximadamente 1,5 mil pessoas, segundo a coordenação da ocupação, e contou também com a participação de representantes de movimentos populares, sindicatos e políticos da região, como Guilherme Boulos, co Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), e Vagner de Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Na atividade, Lula traçou um paralelo entre a Vila Soma e a situação ocorrida quando foi candidato, em 1989. Contou que, na época, espalharam panfletos nos prédios “mais chiques” do centro de São Paulo, dizendo que se ele fosse eleito traria os nordestinos para ocupar os apartamentos deles.
“Sabidos e organizados, como são, em vez de ‘molestar a gente que mora bem’, vocês escolheram um terreno de uma fábrica falida, que deve até indenização aos trabalhadores, que devia e deve impostos à prefeitura, ao governo do estado e ao governo federal. Uma área que estava desocupada há 25 anos!”, disse o ex-presidente, sobre a ocupação que hoje abriga 2,5 mil famílias.
“A luta da Vila Soma tem que contaminar todo o país!”, disse Vagner de Freitas, sobre medidas do governo de Michel Temer que possam provocar a redução de direitos sociais, como a PEC 55 (antes 241), em contraposição a atos de repressão a movimentos populares.
Na avaliação do advogado que representa os moradores da ocupação, Alexandre Mandl, a participação de Lula foi extremamente importante para fortalecer a mobilização pela regularização da área, com 1 milhão de metros quadrados. Ele contou que, antes do ato, Lula se reuniu com coordenadores da ocupação e outros convidados, quando lhe foi apresentado um breve histórico e as perspectivas da Vila Soma.
Laço
“Foi criado um laço de solidariedade entre Lula e a Soma”, diz Mandl, que integra a Rede de Advogados Populares. Segundo ele, o ex-presidente se dispôs a ajudar em tudo o que puder. Durante o ato, Lula disse que pretende voltar em breve, trazendo Dona Mariza, sua esposa, para conhecer a ocupação.
Antes, o ex-presidente também visitou a casa de uma moradora da Soma, a Dona Fátima, que cuida de crianças em situação de vulnerabilidade social, a quem fez elogios.
Já sobre prefeita de Sumaré, Cristina Carrara (PSDB), o ex-presidente não poupou críticas. “A prefeita precisa aprender uma coisa: O que aqui se faz, aqui se paga!”, disse Lula, logo no início de sua fala, se referindo ao desatendimento das demandas mais básicas dos moradores da ocupação pela atual administração da cidade. Com mais de quatro anos, a Vila Soma não conta com nem mesmo com uma infraestrutura mínima, como água, energia elétrica e transporte.
“A gente tinha 700 crianças fora da escola. Então, elegemos dois conselheiros no Conselho Tutelar, que colocaram todas as nossas crianças na escola!”, disse Willian de Souza, um dos coordenadores da ocupação e vereador eleito pelo PT.
A moradora Alaíde Maria de Jesus afirma que a maior dificuldade é mesmo com a falta de água. “A gente tem que comprar. Pagamos R$ 17 a cada 1 mil litros. Eles trazem com caminhão pipa e enchem nossas caixas”, conta.
Ela falou com a reportagem enquanto esperava pela chegada de Lula, sentada em uma cadeira de plástico. “É uma grande honra e um elogio ele vir aqui apoiar a gente! Sempre foi e sempre será nosso presidente”, disse Alaíde.
“Ele disse mesmo que voltaria, quando veio durante a campanha eleitoral [deste ano]. É muito importante pra gente ele estar aqui porque quando foi presidente ajudou muito as pessoas mais pobres”, comentou o morador Liceu Ivasaki.
Liceu, Alaíde e os outros moradores da ocupação começaram a tomar lugar na quadra da Vila Soma mais de uma hora antes da chegada do ex-presidente, ao som de ritmos variados, do funk ao forró, e do Mc RD, rapper que mora e se inspira na ocupação: “Pisa ligeiro, pisa ligeiro. É o bonde da Soma, o bonde do formigueiro…”.
Direitos Sociais
Em documento enviado à Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no final de setembro, o advogado Alexandre Mandl aponta a negação de direitos sociais básicos aos moradores da Soma: “Não há coleta de lixo dentro da ocupação, não há acesso à água e luz, não há linhas de ônibus que cheguem próximo à área, etc.”. Ele acusa a prefeitura de negligência e cita legislação municipal que determina o fornecimento de água, mesmo em área não regularizada.
No documento, ele requer que o Ministério Público local se posicione em favor da regularização da área, citando manifestação favorável da Defensoria Pública do Estado, entre outros argumentos. Mandl explica que desde janeiro a reintegração de posse da área está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que exigiu como pré-requisito a realocação das famílias para outra área. “Uma decisão histórica no nosso país”, comenta. Ele considera que a regularização da Vila Soma depende da solução de um “conflito urbanístico”, que envolveria interesses imobiliários, já que a área está rodeada de bairros de alto e médio padrão.
Nesse contexto, a coordenação da Vila Soma trabalha, agora, pela alteração da área para Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), o que contribuiria com o processo de regularização fundiária. O objetivo é incluir essa alteração no novo Plano Diretor do Município, cujo projeto deve ser enviado em breve pela prefeita à Câmara Municipal.
Foto: Ricardo Stuckert