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O conservador Zero Hora, do Rio Grande do Sul, publicou neste sábado (7) um editorial defendendo a legalização da erva e, junto com outros jornais, como Folha e O Globo, sinaliza que a pauta parece agora bem mais amigável até para setores mais à direita; "É um mercado tão poderoso que não há mais lógica em querer proibir. De certa forma, a legalização está se tornando o mainstream", avalia estudioso
Por Ivan Longo
Historicamente alinhados à lógica de "guerra às drogas", jornais da imprensa tradicional no Brasil parecem estar, aos poucos, repensando a forma de lidar com o assunto. Diferentemente do que acontece na Europa ou nos Estados Unidos, aqui a imprensa conservadora ou mais alinhada à direita sempre tratou maconha como coisa de bandido. O acirramento do debate em torno do tema, somado ao encorajamento proporcionado por outros países considerados "desenvolvidos" ao regulamentar o uso da erva, no entanto, vem obrigando esses veículos a voltar atrás em suas opiniões.
Neste sábado (7), por exemplo, o jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul - conhecido pelo seu tom conservador - publicou um editorial em que defende abertamente a legalização da maconha. Sob o título de "Contra as drogas, pela legalização da maconha", o artigo atenta para o "completo fracasso da atual política de combate às drogas no Brasil".
"Lícita ou ilícita, toda droga com poder viciante faz mal à saúde e deve ter seu uso questionado e combatido por meios de comunicação com consciência de sua responsabilidade social, como os veículos do Grupo RBS. Esta é uma posição que não vai mudar neste momento em que, depois de muita reflexão interna e externa, o grupo passa a propugnar que a maconha — e tão somente esta droga, responsável por grande parte do tráfico no Brasil — deixe seu circuito clandestino e seja legalizada, com produção e venda regulamentadas", diz o editorial.
Nem sempre, no entanto, foi assim. Em agosto do ano passado, quando o Uruguai aprovava a lei que permitia a produção e o consumo da erva, a publicação gaúcha se colocou contra medida semelhante no Brasil, também em editorial.
"Nosso país já sofre demais por conta do consumo de drogas. Se temos que ser implacáveis em relação ao crack, que vicia nas primeiras experimentações e condena seus usuários à degradação humana e suas famílias a uma dependência paralela, não há por que facilitar a produção e o consumo de maconha. Muito mais apropriado é direcionar esforços para intensificar a prevenção, para impedir que jovens imaturos caiam na armadilha da experimentação", avaliou o jornal na época.
Com a mudança de posicionamento do último sábado, o veículo entra agora para o "bloco do legalize já" da imprensa tradicional brasileira. A Folha de S. Paulo e o jornal O Globo, por exemplo, que costumam associar usuários de drogas ao crime, escreveram também, nos últimos anos, editoriais atentando para a necessidade de uma revisão da lei de drogas no país. Até mesmo a TV Globo, em programas como o Fantástico ou o Na Moral já sinalizou que o papo agora é outro quando se trata de maconha.
O que aconteceu, então, nos últimos anos, para que a erva não fosse mais vista como tão malvada assim pelas "grandes famílias" do jornalismo brasileiro?
Fator FHC, o príncipe da burguesia
A adesão de um ex-presidente da república aos movimentos que procuram rever as leis de droga culminou, sem dúvidas, em um grande impacto nas narrativas dos veículos de imprensa tradicional. Foi quando Fernando Henrique Cardoso - um dos maiores representantes de uma classe média leitora dessas publicações - se mostrou a favor da legalização da maconha, em meados de 2010, que parte da imprensa começou a rever os seus discursos.
O ponto máximo foi quando em, 2011, depois de ter criado a Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, FHC foi convidado para participar do documentário Quebrando o Tabu que, como sugere o título, desconstrói uma série de falácias em torno da maconha. Desde então, o ex-presidente se coloca na linha de frente no debate sobre cannabis no Brasil, inclusive entoando frases como "mundo sem droga é tão difícil quanto sem sexo", apesar de afirmar que nunca fumou sequer um "baseado" em toda a sua vida.
"Houve uma mudança de paradigma principalmente a partir do momento em que ex-estadistas, como o FHC, se posicionaram favoravelmente à legalização. Foi o ponto de inflexão para a mudança partindo de um establishment internacional, de setores importantes da grande burguesia", analisa Henrique Carneiro, professor de História Moderna na Universidade de São Paulo e que tem seis livros sobre a história das drogas publicados.
Legalização está no "mainstream"
A definição de "mainstream" está ligada a algum tipo de pensamento, conceito ou gosto que é recorrente ou está em voga entre a maior parte da população. Se considerarmos o âmbito da imprensa, neste sentido, defender a legalização da maconha tornou-se uma espécie de mainstream, como define Henrique Carneiro.
"É um mercado tão poderoso [o da maconha] que não há lógica em querer proibir. Defender a legalização está virando, de certa forma, o mainstream. Finalmente eles estão se dando conta dos efeitos econômicos do proibicionismo. Tem muito a ver com que eles podem vir a perder caso se coloquem contra, também", analisa o historiador.
Carneiro atenta ainda para o fato de que, atualmente, ir contra à descriminalização da maconha dialoga muito forte com regimes políticos autoritários, que associam suas políticas ao próprio interesse do narcotráfico.
"Eles ganham dinheiro também com a proibição e qualquer justificativa pela não regulamentação será falaciosa. O objetivo é justamente manter o narcotráfico funcionando", critica.
Em meio ao debate cada vez mais intenso, o posicionamento favorável cada vez mais recorrente e as informações vindo mais à tona, o estudioso, contudo, se mostra otimista em relação ao futuro da pauta no país. Para Carneiro, a legalização é um caminho sem volta que já começou a ser traçado.
"São duas lógicas objetivas: uma tem a ver com a incoerência da proibição por conta dos princípios da planta: é um bem da sociedade, não tem sentido suprimir porque é útil para milhões e milhões de pessoas. Outra é a questão da liberdade, é uma questão política. Não se pode impedir as pessoas de tomar decisões do que fazem consigo próprias", conclui.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil