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Assim como na ditadura, anarquistas e esquerdistas voltaram a ser tratados como sujeitos perigosos e sob constante suspeita
Por Marcelo Hailer
Nesta quarta-feira (23), o desembargador da 7ª Câmara Criminal da Justiça do Rio de Janeiro, Siro Darlan, concedeu habeas corpus aos 23 ativistas que estavam com a prisão preventiva decretada por associação criminosa. A liberdade chegou, mas eles ainda respondem por processo e o precedente está aberto. Daqui pra frente, qualquer juiz, a partir do caso carioca, poderá mandar prender ativistas políticos. Estes 23 presos políticos não serão os últimos.
A prisão dos ativistas no Rio de janeiro e São Paulo chama a atenção por uma série de afrontas contra o Estado democrático de direito. Principalmente a partir dos trechos do inquérito a que, inexplicavelmente, apenas alguns meios de comunicação tiveram acesso, foram divulgados: a advogada Eloisa Samy era acusada de comandar e reunir pessoas em sua casa para organizar atos políticos; Elisa Quadros Sanzi (a Sininho) seria a líder incentivadoras das “ações violentas” e a FIP (Frente Independente Popular) é acusada de organizar reuniões fechadas aos seus membros.
Assim como na ditadura, reunir pessoas (seja em sua casa ou em algum lugar) está sendo tratado como um indício de “perigo”; também é visto como ação perigosa liderar grupos políticos e pasmem, realizar reuniões fechadas. Se estas acusações forem levadas a sério todos os grupos políticos a partir de então estão sob suspeita. Qual organização política não realiza reuniões fechadas para seus membros e sem divulgar endereço? É direito de coletivos e grupos políticos deliberarem certos assuntos apenas com os seus membros orgânicos. O contrário disso é censura e cerceamento do ir e vir.
O retorno do sujeito perigoso
Outro fator que merece atenção é a maneira como os ativistas políticos foram classificados no inquérito. De acordo com a investigação, as organizações e pessoas são todas “anarquistas e esquerdistas”. Aí também encontra-se um erro grave daqueles que investigaram: ao tratarem dos grupos anarquistas identificaram os seus líderes e, para quem entende um pouco de política, compreende que organizações anarquistas não possuem líderes.
Mas para além da conceituação sobre termos políticos, chama a atenção a maneira como foram tratados ideologicamente os ativistas. Assim como na ditadura, há um perigo no ar: anarquistas e esquerdistas devem ser vigiados. A história está aí para nos ensinar o que isso significa. Nunca liberais conservadores foram tratados com sujeitos do perigo, visto que atuam para manter o status quo. Quando a ditadura explodiu no Brasil era sob o argumento de que se necessitava “combater a ascensão comunista”.
A utilização destes termos, seja por juízes ou por setores da imprensa, cria um ambiente de perseguição e conflito. Perseguição por que agora todas as organizações políticas à esquerda e anarquistas estão sub judice. Conflito por que joga incentiva a perseguição e a criminalização social dos grupos políticos que se guiam pelos ideais revolucionários. Engana-se quem pensa que as prisões vão parar por aí. Se a reação dos movimentos políticos não for à altura, estamos de frente para o início de uma caçada aos ativistas.
A política do controle
Impressionante como o grampo de advogados ativistas não resultou numa reprovação social. Impressionante como monitoramento durante sete meses de jovens ativistas também não causou estranhamento e, pior de tudo, contou com o apoio de muitos atores políticos que se consideram à esquerda.
Ao tomarmos conhecimento de que os perfis digitais e conversas telefônicas foram monitorados e grampeados acende-se o sinal amarelo. Pois, a partir das interpretações mais esdrúxulas, pediu-se a prisão de 23 pessoas. Se não, lembremos: de acordo com o inquérito, durante uma manifestação os acusados tinham em poder 6 galões com 10 litros de gasolina cada. Quem aguenta carregar tamanho peso durante uma manifestação? É simplesmente inviável. Com 60 litros de gasolina teriam não apenas incendiado Câmara Municipal como outras coisas... Beira o absurdo.
Mas o que se tem a partir de agora é que todos os sujeitos perigosos estão à deriva de monitoramentos digitais que podem ser usados de maneiras mil. E aí é que ficam algumas questões: está certo grampear a torto e a direito tanta gente assim? Está certo monitorar digitalmente grupos e ativistas por serem anarquistas e esquerdistas? Sendo assim, onde de fato está o perigo político? Em alguns jovens que sonham e lutam por um outro mundo possível ou em um aparato jurídico-policial que perdeu qualquer tipo de vergonha em vigiar e punir aqueles que visam alterar a ordem das coisas?
Foto: Advogados Ativistas