Entidades acusam Prefeitura de BH de política higienista para a Copa das Confederações

Nos últimos dois anos 100 moradores de rua foram assassinados na capital mineira. Abusos como recolhimento de pertences e internação das pessoas em situação de rua também são recorrentes

Políticas de higienismo social em Belo Horizonte podem se intensificar com a Copa das Confederações (Foto: www.cmbh.mg.gov.br)
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Nos últimos dois anos, 100 moradores de rua foram assassinados na capital mineira. Abusos como recolhimento de pertences e internação das pessoas em situação de rua também são recorrentes 

por Felipe Rousselet

[caption id="attachment_25048" align="alignleft" width="300"] Políticas de higienismo social em Belo Horizonte podem se intensificar com a Copa das Confederações (Foto: www.cmbh.mg.gov.br)[/caption]

No início da noite desta terça-feira,  11, o Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis, divulgou uma nota na qual denuncia o extermínio dos moradores de rua de Belo Horizonte e outras violações contra os direitos desta população na capital mineira. De acordo com a entidade, com a proximidade da Copa das Confederações, que tem partida agendada em Belo Horizonte para o próximo dia 17 de junho, existe o temor que estas ações de intensifiquem ainda mais.

Segundo a nota, nos dois últimos anos foram registrados 100 homicídios de moradores de rua na capital mineira. Este número corresponde a 5% da população de rua de Belo Horizonte, que segundo estimativa da Prefeitura é de 2.000 pessoas. Ou seja, 1 em cada 20 moradores de rua foi assassinado nos dois últimos anos.

Na  madrugada de segunda para terça-feira, somaram-se a esta estatística mais dois casos de homicídios praticados contra moradores de rua. Um deles, ainda não identificado, teria sido morto com cinco tiros na Av. dos Andradas, uma das principais de Belo Horizonte, no Bairro Esplanada.

De acordo com testemunhas, dois homens chegaram ao local em uma moto, levantaram a coberta do morador de rua e efetuaram os disparos. A Polícia Militar suspeita que o homicídio foi motivado por um acerto de contas de traficantes para os quais a vítima devia. Outro caso foi registrado no Bairro Floresta, onde um homem de 49 anos foi morto com 11 facadas. Neste caso, a polícia suspeita que o autor do crime seja outro morador de rua.

Além dos homicídios, a entidade também denuncia outros abusos contra a população em situação de rua, como o recolhimento de pertences pessoais e o uso de jatos de água nos locais onde eles costumam ficar, forçando a saída dos mesmos.

Durante a madrugada desta terça-feira, 11, um grupo de pessoas, ligadas ao movimentos de defesa e proteção aos moradores de rua de Belo Horizonte, fez ronda nas principais vias de BH na tentativa de flagrar os abusos cometidos contra essa população. Apesar de não ter conseguido flagrar as ações, o grupo recebeu diversas denúncias de moradores de rua. Entre elas, o recolhimento de um morador de rua por funcionários da Prefeitura de Belo Horizonte, com o apoio da polícia, que foi levado do local algemado. O grupo denuncia que os moradores provavelmente estão sendo levados para casas de internação em fazendas localizadas na cidade de Esmeralda. Segundo um relato de um funcionário da Prefeitura, as internações de moradores de rua são feitas em parceria com estas casas, que são as mesmas que distribuem o sopão.

A suspeita é reforçada pelo fato de que o grupo que realizava as “rondas” ter avistado uma Kombi branca adesivada com a frase “Empréstimo de Deus” no parabrisa e com a frase “Jesus Cristo” na lateral. O mesmo veículo era licenciado pela Prefeitura de Belo Horizonte, com autorização exposta na frente e adesivo na porta. De acordo com o grupo, possivelmente este veículo é uma das kombis  das casas de internação.

Um grupo do coletivo Fora do Eixo gravou um vídeo em que uma moradora de rua denúncia o recolhimento de outro morador contra a sua vontade. O mesmo que foi levado algemado na manhã da última terça-feira (11).

Veja o vídeo abaixo: 

Leia também a íntegra da nota do Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis:

NOTA DE REPÚDIO do Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis – CNDDH/PSR/CMR : VIOLAÇÃO DE DIREITOS DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA EM BELO HORIZONTE, MG. Belo Horizonte, 11 de junho de 2013. O Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis – CNDDH -, instituído pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República em atendimento ao Decreto Presidencial 7.053 de 2009, vem manifestar seu expresso repúdio, indignação e pedido de providências urgentes contra as graves violações ocorridas em Belo Horizonte contra a População em Situação de Rua.

O CNDDH desde sua inauguração, em abril de 2011, recebe e acompanha casos de violência contra a População em Situação de Rua em todo o país, tendo registrado número expressivo de violações de todo tipo, sobretudo de homicídios. Nos últimos dois anos, o CNDDH registrou 100 homicídios de moradores de rua em Belo Horizonte, sendo que 30 ocorreram em 2011, 52 em 2012 e já 18 homicídios em 2013. Se considerarmos a estimativa da própria Prefeitura de Belo Horizonte de que atualmente há cerca de 2.000 (dois mil) moradores em situação de rua na Capital, chegaremos ao impressionante dado de que 5% da população em situação de rua foi vítima de homicídio, ou seja, 1 (um) em cada 20 (vinte) moradores de rua foi assassinado na cidade de Belo Horizonte nos últimos dois anos.

Esse número se completou na noite do dia 10 para o dia 11 de junho de 2013 quando mais dois moradores de rua foram assassinados brutalmente. Além do alto número de denúncias de homicídios contra essa população, também é grande o número de denúncias com relação à violência institucional, como omissão nos serviços públicos, ausência de políticas públicas suficientes e eficientes como moradia, saúde, trabalho e renda, assistência familiar, abrigamento que se encontra com a violência policial e a violência cometida por guardas municipais, ocorridas de diversas maneiras.

Ações higienistas têm acontecido corriqueiramente na cidade de Belo Horizonte e são muitas as denúncias que o CNDDH tem recebido nos últimos dias. Agentes municipais, apoiados pela Polícia Militar, têm passado pelas ruas de Belo Horizonte e recolhido os pertences pessoais das pessoas em situação de rua, como remédios, documentos, cobertores e material de trabalho, pois muitos vivem da catação de material reciclável. Além disso, tem sido constante, além da retirada de pertences, os jatos d’água por meio de carros-pipas, quando agentes municipais lavam os locais onde os moradores se encontram, forçando a saída deles do espaço onde se encontram.

Com a aproximação da Copa das Confederações, com o primeiro jogo agendado para Belo Horizonte, no próximo dia 17 de junho de 2013, tememos que as ações de violações contra a população de rua se intensifiquem ainda mais.

Entendemos que não é possível dissociar a cruel realidade da ausência de políticas públicas e humanizadas para a População em Situação de Rua, a falta de orçamento ou a não aplicação deste em direitos sociais fundamentais, as ações higienistas e de limpeza social, de retirada compulsória, do grave número de homicídios, 100 em dois anos, na Cidade de Belo Horizonte.

Manifestamos, portanto, nosso total repúdio às violações de direitos humanos da População em Situação de Rua na Cidade de Belo Horizonte e conclamamos todas as entidades, movimentos sociais e populares, igrejas, comunidades de resistência, escolas, universidades, enfim, toda sociedade para protestar e requerer das autoridades competentes ações urgentes e efetivas que venham combater a violência cometida contra a População em Situação de Rua em todo o Brasil, especificamente em Belo Horizonte, MG.  Atenciosamente, Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis – CNDDH/PSR/CMR