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Lançando “Deus foi almoçar”, que demorou oito anos para ficar pronto, o escritor falou durante quase duas horas sobre sua obra, periferia, política e violência policial
Por Igor Carvalho. Fotos: Flickr/Fora do Eixo
Ferréz sempre foi conhecido por seu comprometimento com a periferia em suas obras e pelo olhar sempre atento para os problemas sociais. Em sua nova obra, "Deus foi almoçar", chama a atenção o distanciamento do escritor desse cotidiano e do Capão Redondo, bairro que ajudou a popularizar por meio de seus dois primeiros romances, “Capão Pecado” e “Manual Prático do Ódio”. Porém, Ferréz continua o mesmo ativista, como mostrou na última segunda-feira (23), em entrevista à TV Fórum.
Participaram da entrevista o editor da revista Fórum, Renato Rovai, a blogueira Maria Frô, a antropóloga e pesquisadora Érica Peçanha, o quadrinista e jornalista Alexandre de Maio e o jornalista Igor Carvalho.
O afastamento de Ferréz do Capão Redondo foi o tema propulsor do debate. “Eu moro lá, participo desse tema, vivo tudo isso na pele, eu sou o tema, não teria porque continuar falando disso. Acho que o tema periferia se esgotou no 'Manual Prático do Ódio', continuar com isso seria reproduzir o que você já vê no jornal”, disse o escritor.
Ainda sobre sua obra, Ferréz disse não acreditar que ela seja pessimista, mas ressaltou que “tem muito livro de final feliz na livraria. Quem quer ler meus livros já sabe o que vai ver.” Ao falar sobre um de seus personagens, Calixto, um entediado arquivista de aproximadamente 50 anos que “não consegue ser dono de sua própria trajetória”, ele afirma que sua história também é “um problema social”.
Perguntado se estava de alguma forma cansado da militância, Ferréz confirmou, mas ressaltou que vai continuar escrevendo, por seu compromisso com a literatura. Com algum conformismo, ele reconheceu sua dificuldade em contrapor o discurso econômico e político estabelecido. "Por mais que a gente fale do sistema, a gente acaba sendo manipulado por ele”. Ele também é proprietário da 1dasul, grife própria que vende peças de roupas produzidas nas periferias, e que está sucumbindo ao “mercado chinês de produção em larga escala, com custos baixos”. Ferréz também comentou o que ele diz ser uma invasão de marcas internacionais nas periferias, em meio a juventude. “Eu sinto dor quando vejo uma camiseta da Nike em um moleque do Capão, dói, cara. É o símbolo do capitalismo, da exploração, da desgraça da China, da desgraça do Camboja, da mutilação, daquela criança que não nasceu porque a mãe está na fábrica trabalhando 12 horas por dia, muitas vezes acorrentadas na máquina, e essa marca circulando no meu bairro.”
“Onde eu vou, atraio a periferia"
O “Manual Prático do Ódio” foi traduzido para sete países e a experiência de divulgar os livros trouxe reflexões para o escritor. “Eu cheguei da Itália, tudo lindo, maravilhoso, tal, mas quando desci do ônibus e pisei no Capão, estava sem luz. Fui dormir às nove da noite porque não tinha nada para fazer, aí você sente a diferença.” Ferréz relatou, também o que tem sido uma “sina”. “Onde eu vou, atraio a periferia. Fui pra Berlim e em dois dias eu já estava em uma quebrada com o movimento anarco punk.” Ao comentar o sucesso internacional de sua obra, o autor lembrou de Paulo Lins, escritor de “Cidade de Deus”, que foi adaptado para os cinemas e ganhou o mundo. “Fui na esteira do sucesso dele, ele chegou primeiro.”
Apartidário, Ferréz se mostrou cético em relação às próximas eleições e disse não ter candidato. “A maioria dos políticos não tem poeira na sola do pé. Não resolve o metrô porque não anda de metrô”. Perguntado sobre movimentos sociais e culturais da periferias, o escritor demonstrou preocupação. "A elite se especializou em gerenciar. Quando um cara de periferia começa a fazer alguma coisas, aparece alguém pra gerenciar, tem que tomar cuidado com isso."
As recentes mortes provocadas por policiais militares e a crescente onda de violência em São Paulo também foram comentadas por Ferréz. “Militar também é povo, é povo contra povo e na treta dos dois quem perde é só o povo. A ignorância mata, a polícia militar é muito despreparada. A ignorância deles é que me dá medo”, finalizou.