Movimento reuniu familiares e ativistas para cobrar justiça.
Por Igor Carvalho
Discursos emocionados, revoltados e, muitos deles, céticos. Poemas e música. Mães e pais, sem seus filhos. Essa equação explica o que foi a tarde do último sábado na praça da Paz Universal, na Zona Noroeste de Santos. O motivo para que aproximadamente 100 pessoas se reunissem ali foi o ato que lembrou os seis anos do movimento Mães de Maio, surgido em 2006 depois da morte de 493 pessoas entre 12 e 20 de maio daquele ano.
Das 30 mães e pais que compõem o movimento, aproximadamente 12 estiveram na praça, acompanhando a homenagem a seus filhos. Nas rodas de conversa, mulheres, com lágrimas nos olhos, lembravam a vida e a morte de seus filhos. Vera Lúcia, militante do Mães de Maio, recordou porque entrou para o grupo. “Perdi meu filho, Mateus Freitas, que estava com um amigo vindo da escola. Apareceram três motos com dois encapuzados em cada uma, foi no dia 17 de maio de 2006. Eles passaram na rua e saíram atirando; primeiro, mataram o amigo, e, mais pra frente, meu filho, que tinha conseguido correr.”
Nair Torres descobriu recentemente que havia um movimento que lutava por justiça, em casos de assassinatos cometidos por grupos de extermínio. “Resolvi procurá-las, acho que foi a melhor forma que encontrei de amenizar um pouco a dor, lutando pelo nome e a honra dele”, conta. A avó Maria Gorete, que perdeu Rafael de Souza Abreu, era uma das mais emocionadas no ato. “Meu neto estava sentado na esquina com a namorada e três amigos. Nesse momento, chegaram pessoas de um grupo de extermínio que, sem falar nada, deram um tiro em cada perna dele. Em seguida, deram oito tiros no seu rosto.” Segundo relatos, não havia motivos para tal, mas a família foi comunicada, dias depois, a “razão” da violência. “Alegaram que uma loja havia sido roubada uma semana antes e que o Rafael estava entre os ladrões. Conseguimos as fitas do assalto e ficou provado que meu neto não estava entre os bandidos, só que ninguém foi punido”, finalizou a avó.
Enquanto um grande sarau foi organizado na praça, mães discutiam uma das suas reivindicações: a federalização dos crimes ocorridos em maio de 2006. “[A federalização] Está parada, faz dois anos que não temos resposta. Recebemos esse silêncio sepulcral com uma preocupação enorme”, explica Débora Silva Maria, uma das fundadoras do Mães de Maio. “Não podemos contar com a justiça do estado de São Paulo, ela não vai punir seu braço armado.”
MC’s seriam alvos de grupo de extermínio
“O movimento funk surgiu com força nos anos 90, como uma ferramenta das periferias para se expressar. É uma arte da favela, ele tomou força com o intuito de falar das mazelas que as quebradas sofrem, é como o rap em São Paulo.” A explicação é de Tubarão Dulixo, artista e morador da região. Na cidade de Santos e na Baixada Santista, os artistas que promovem esse estilo têm sido alvo do que seria um grupo de extermínio, formado por policiais militares, segundo relatos de moradores. O motivo dos assassinatos em série pode estar no conteúdo das letras. “As letras do funk, que falam desses problemas que a quebrada tem, sempre acabam atingindo quem deveria manter a ordem. Nós, que temos uma vivência nas quebradas, sabemos como funciona o braço armado do Estado contra esses meninos que cantam essa realidade e que foram colocados como criminosos”, explicou Dulixo.
Para Débora Silva Maria, a opressão existirá enquanto não houver punições. “No final de abril, houve, aqui na Baixada, diversos assassinatos de jovens, e isso não é coincidência. O que estamos vendo é um selo de impunidade, fornecido pelo estado de São Paulo. Matam os MC’s na Baixada porque os policiais ficam revoltados quando eles colocam em suas músicas a violência que sofrem. É por isso o extermínio.” A militante fez um paralelo entre o atual governo e o modelo escravagista. “Esses meninos não podem falar em suas músicas que os policiais os abordam com flores na mão, isso não acontece. Nós continuamos vendo nas periferias os mesmos sistemas antigos, o sinhozinho é o Estado, o capitão do mato é o policial, e a chibata é a bala de borracha.”
Um show de rap encerrou o evento, com a apresentação de diversos grupos. No final, balões subiram aos céus com as fotos dos mortos de maio de 2006. O desabafo de Tubarão Dulixo sintetizou o sentimento da tarde. “Eles acham que estão calando a periferia, mas não estão. Pra cada um que parte, são três que se levantam.”
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