A escolha da Cor do Ano pela Pantone é um fenômeno global que dita tendências em moda, design e consumo. Do design de interiores e decoração ao universo da moda, passando por maquiagens, tintas de cabelo, esmaltes, embalagens e até eletroeletrônicos, essa escolha de uma empresa privada estabelece os tons que guiam o estilo de pessoas de todo o planeta.
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Pode até ser uma forma de celebrar a ideia difusa de conexão entre cultura e design. Mas no final das contas é uma engrenagem poderosa no mecanismo do consumismo global. A iniciativa da Pantone define tendências e orienta criações e amplifica impacto ambiental capitalista, uniformiza estética e estimula ao consumo desenfreado.
Para 2025, a Pantone aposta no Mocha Mousse, "um tom de marrom quente e rico que evoca conforto e sofisticação", descreve a empresa.
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Leatrice Eiseman, diretora executiva do Pantone Color Institute, descreve a cor do ano que vem como uma tonalidade que simboliza indulgência consciente e prazer cotidiano.
Ela afirma que a cor é "sofisticada e exuberante, mas também um clássico despretensioso", ampliando nossa percepção sobre os tons de marrom e elevando-os de humildes e fundamentados a aspiracionais e luxuosos.
Marrom de crise climática
Gosto é pessoal e cada um tem o seu. À lista de adjetivos etéreos da empresa e, convenhamos, sem o menor sentido prático, ouso acrescentar o que me vem à cabeça quando olho para a Mocha Mousse: a hecatombe climática.
Essa história de cor do ano nada mais é do que fermento para o consumismo desenfreado que está entre as principais razões da emergência do clima.
O marrom é muito mais do que uma tendência estética para inundar vitrines reais e virtuais e promover vendas de produtos descartáveis.
Carrega o peso simbólico da terra, dos caules e raízes das árvores, dos dejetos de seres vivos. Conecta à natureza e à estabilidade, e também serve como um alerta das consequências devastadoras que o capitalismo desenfreado e a busca incessante por lucro impõem ao meio ambiente.
O marrom é a cor do solo que alimenta as florestas, mas também o tom das árvores queimadas pela expansão agrícola e do terreno devastado pela mineração insustentável.É a sombra da terra ressequida pelas mudanças climáticas, provocadas pelo consumo desenfreado e pelo descarte rápido de bens que o próprio sistema incentiva.
Cada coleção de moda - uma das várias indústrias que se esparrama na armadilha da cor do ano - inspirada nessa tonalidade pode ser um tributo ao planeta ou mais uma folha caída em um outono interminável de exploração.
Assim como as raízes das árvores sustentam florestas inteiras, o marrom nos convida a refletir sobre os alicerces de nossa relação com o consumo e a natureza. Será que estamos utilizando essa cor para reconectar-nos às nossas origens ou apenas pintando com tons neutros o impacto de uma máquina que transforma recursos naturais em moda descartável?
Com a emergência climática, o marrom emerge como um apelo para que escutemos o grito da terra. É um lembrete visual e visceral de que o planeta não pode continuar sustentando o ritmo desenfreado da obsolescência planejada e imaginada. Afinal, o solo pode regenerar, mas precisa de tempo e cuidado — algo que o capitalismo raramente concede.
Em 2025, o marrom nos desafia a olhar além do estético. Ele nos chama a transformar não apenas as tendências de moda, mas o próprio sistema que converte a terra em mercadoria, em busca de um equilíbrio onde a beleza natural e a sustentabilidade caminhem de mãos dadas.
As armadilhas da cor do ano
A iniciativa da Cor do Ano pela Pantone teve início em 1999, quando a empresa, mundialmente reconhecida por seu sistema de padronização de cores, decidiu criar um programa que refletisse as tendências culturais, sociais e econômicas do momento.
O objetivo é identificar uma tonalidade que capturasse o espírito do tempo, o chamado zeitgeist, e influenciar o design em diversas indústrias, como moda, decoração e publicidade.
Desde então, ao longo desses 26 anos, essa tradição não apenas se consolidou como uma referência global de estilo, mas também se tornou uma ferramenta poderosa de marketing, moldando o comportamento dos consumidores e o planejamento de empresas em todo o mundo.
Nas entrelinhas desse palavreado poético está o papel comercial dessa iniciativa, que impulsiona a venda de produtos em diversas indústrias e cria uma tensão entre a relevância cultural e os interesses mercadológicos.
Embora a Pantone busque uma cor que ressoe globalmente e reflita a diversidade cultural, a promoção de uma única tonalidade como tendência dominante pode levar à homogeneização estética. Essa prática pode obscurecer expressões culturais locais, substituindo a diversidade por um padrão cromático uniforme.
A escolha de uma Cor do Ano é celebrada por sua capacidade de incentivar a inovação no design e nas indústrias criativas. Contudo, o foco constante em uma nova cor a cada ciclo pode gerar repetição e restringir a experimentação criativa, além de limitar a diversidade das paletas de cores em projetos.
Fermento para o consumo
A declaração da Cor do Ano frequentemente estimula um aumento na demanda por produtos que incorporam essa tonalidade. Empresas lançam coleções inteiras inspiradas na cor escolhida, incentivando consumidores a atualizar seus pertences para estarem "na moda".
A cor também é uma ferramenta poderosa de marketing, promovida como essencial para a estética contemporânea. Isso gera pressão social para a adesão à tendência, transformando a escolha de produtos em um reflexo de pertencimento social, muitas vezes desconectado de necessidades reais.
O ciclo constante de renovação das tendências impulsionado pela Cor do Ano contribui para o aumento do consumo e da produção de resíduos. A rápida obsolescência de produtos que deixam de ser "modernos" tem efeitos significativos no meio ambiente.
Ao promover uma única cor como referência de moda, a prática pode desvalorizar a originalidade, levando consumidores a seguirem a tendência em vez de explorarem suas próprias preferências cromáticas.
A escolha do marrom como Cor do Ano para 2025 vai além da estética. Em meio às emergências climáticas, o tom Mocha Mousse surge como um alerta do absurdo que é determinar um cor para várias indústrias em tempos que o que precisamos é de resiliência e alerta. Ele nos provoca a repensar não apenas nossas escolhas de consumo, mas o próprio sistema que as alimenta, o que inclui essa pegadinha capitalista da Pantone.