Citando precedentes históricos do tribunal de Nuremberg e do genocídio em Ruanda, o advogado Craig Mokhiber diz que empresas de mídia ou jornalistas podem ser condenados criminalmente ou civilmente como facilitadores do genocídio cometido por Israel em Gaza.
Em novembro de 2023, ele renunciou à diretoria do escritório de Nova York do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos (ACNUDH) em protesto pela falta de ação contra Israel diante da matança de palestinos.
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No texto, que viralizou e gerou uma série de entrevistas subsequentes, Craig escreve:
A crueldade da máquina de genocídio israelense na Palestina e a cumplicidade direta dos EUA, do Reino Unido e de outros governos ocidentais são dois pilares fundamentais nos horrores perpetrados contra o povo palestino. [...] Mas há um terceiro pilar essencial: o papel das empresas de comunicação social ocidentais, cúmplices que disseminam conscientemente a desinformação e a propaganda de Israel, justificando crimes de guerra e crimes contra a Humanidade, desumanizando os palestinos e ocultando informações sobre o genocídio no Ocidente.
Os precedentes a que ele se refere são a condenação de Julius Streicher, editor da publicação alemã Der Sturmer, pelo tribunal de Nuremberg, depois da Segunda Guerra Mundial, por "incitação ao assassinato e extermínio".
Já o Tribunal Criminal Internacional para Ruanda condenou três figuras midiáticas por incitar à matança.
Na ocasião, o juiz que agora serve à comissão da ONU que investiga crimes de Israel, Navy Pillay, sentenciou:
Vocês estavam plenamente conscientes do poder das palavras e usaram o meio de comunicação com o mais amplo alcance público para disseminar o ódio e a violência. Sem arma de fogo, facão ou qualquer arma física, vocês causaram a morte de milhares de civis inocentes.
De acordo com informações da própria ONU, Ferdinand Nahimana, fundador da Radio Télévision des Mille Collines (RTLM), seu parceiro Jean-Bosco Barayagwiza e Hassan Ngeze, editor-chefe do jornal Kangura, foram condenados por genocídio, incitamento ao genocídio, conspiração e crimes contra a Humanidade, extermínio e perseguição. Nahimana e Ngeze foram condenados à prisão perpétua e Jean Bosco Barayagwiza a 35 anos de prisão.
Excepcionalismo
O advogado argumenta que empresas de mídia e seus funcionários foram tomados pela mesma sensação de excepcionalismo que permite a Israel agir como se estivesse acima das leis internacionais.
Por isso, empresas, editores e jornalistas sentem-se à vontade para disseminar, muitas vezes sem checagem, declarações do governo de Israel que são pura propaganda.
No artigo, Mokhiber diz:
O Der Sturmer sabia o que estavam fazendo. Mille Collines sabia o que estava fazendo. E, hoje, a CNN, a Fox, a BBC, o New York Times e o Wall Street Journal sabem o que estão fazendo. Isto não quer dizer que estes veículos ocidentais sejam, em todos os sentidos, os equivalentes modernos de Der Sturmer e Milles Collines (não são). Mas, tal como estes exemplos históricos, cruzaram imprudentemente as fronteiras do jornalismo ético.
Palestinos simplesmente "morrem"
O advogado afirma que, ao acompanhar a cobertura sobre os acontecimentos em Gaza, o público não tem ideia de que Israel está em julgamento por genocídio na Corte Internacional de Justiça (ICJ) ou que líderes de Israel podem ter mandados de prisão expedidos por crimes contra a Humanidade no Tribunal Penal Internacional (ICC).
Sobre a cobertura, ele nota:
Os repórteres são instruídos a não mencionar “território ocupado”, “palestinos” ou “campos de refugiados”. As vítimas civis palestinas que não são totalmente apagadas são reduzidas a “danos colaterais” ou a “escudos humanos”, na melhor das hipóteses, ou a “terroristas”, na pior das hipóteses. Massacre após massacre, os palestinos nas manchetes não são mortos por Israel, eles simplesmente “morrem”.
Craig Mokhiber avalia que é possível mover ações contra as empresas não apenas em tribunais internacionais, mas também em cortes civis, para a cobrança de danos morais e reparações.
No artigo, ele advertiu:
A ação nos tribunais internacionais pelos crimes de Israel contra a Humanidade e pelo genocídio na Palestina já começou, e é certo que mais virá. Não é inconcebível que, tal como nos casos dos tribunais de Nuremberg e de Ruanda, algumas empresas de comunicação social ou indivíduos possam enfrentar responsabilidade legal nos próximos meses e anos.