Entre o final de 2022 e início de 2023, 4 indígenas do povo Pataxó no Sul da Bahia foram assassinados a mando de fazendeiros da região. Primeiros ocupantes da área, eles já estavam onde hoje é o Território Indígena Barra Velha, entre os municípios de Prado e Porto Seguro, quando houve o primeiro contato com os europeus - é nesta região que está localizado o Monte Pascoal.
Apesar de serem alvo de ameaças, emboscadas e assassinatos promovidos por especuladores imobiliários, do turismo e fazendeiros, que tentam expulsá-los da região, os Pataxó seguem lutando para fazer prevalecer seus direitos. Os territórios de Barra Velha e Comexatibá, principais núcleos da violência contra os povos originários no Sul da Bahia, são reconhecidos pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o primeiro desde 2009 e o segundo desde 2015, como territórios indígenas, mas suas demarcações, até agora, não foram executadas.
Te podría interesar
Diante do abandono do último governo, comandado por Jair Bolsonaro, que além de ter trabalhado para retirar direitos, bloqueou qualquer canal de diálogo com os indígenas, os Pataxó iniciaram em Barra Velha e Comexatibá, a partir de junho de 2022, segundo Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), um processo de retomada e autodemarcação de seu território.
De lá para cá a violência de fazendeiros contra os indígenas só aumentou. Em 4 de setembro de 2022, Gustavo Conceição da Silva, pataxó de apenas 14 anos, foi assassinado a tiros próximo a uma fazenda em Prado, no Território Indígena Barra Velha. O jovem, dias antes, tinha divulgado uma foto nas redes sociais com um cartaz escrito “os Pataxó pedem socorro”. Já em outubro, o pataxó Carlone Gonçalves da Silva, de 26 anos, foi encontrado morto entre duas aldeias de Porto Seguro - ele estava desaparecido há 1 mês. Em janeiro deste ano, outros dois jovens pataxó, Samuel Cristiano do Amor Divino (25) e Nawir Brito de Jesus (17), de Barra Velha, foram mortos a tiros no município de Itabela.
Foi em meio a este cenário que, no último dia 7 de março, a Band TV veiculou no seu principal telejornal uma reportagem - também repercutida em seu site - em que classifica os Pataxó como “falsos indígenas” que “aterrorizam fazendeiros” do Sul da Bahia. “Eles invadem as fazendas, eles roubam a madeira, eles tocam fogo nas plantações”, diz o âncora.
A reportagem em questão trouxe entrevistas com fazendeiros e colocou os pataxó que vêm realizando a chamada autodemarcação como criminosos. Há ainda, na matéria, entrevista com uma suposta liderança indígena identificada como Cacique Baia Pataxó, que afirma que falsos indígenas “infiltrados nas aldeias” promovem as invasões, endossando a narrativa de “terror” contra os povos originários encampada pelos produtores rurais que disputam os territórios no Sul da Bahia.
As principais entidades ligadas aos povos indígenas - tanto nacionais como regionais -, entretanto, afirmam que não foram procuradas pela reportagem da Band TV para comentar a situação e acusam a emissora de criminalizar os Pataxó. Por este motivo, organizações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) ajuizaram ações junto ao Ministério Público Federal (MPF), na última segunda-feira (13), exigindo direito de resposta do povo Pataxó.
O Movimento Indígena na Bahia (MIBA), por sua vez, solicitou uma audiência com o MPF e enviou notificação extrajudicial à Band TV, também pleiteando direito de resposta. Já o Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) acionou a procuradoria pedindo também investigação criminal contra a emissora por calúnia, difamação e racismo.
Em entrevista à Fórum, o cacique Agnaldo Pataxó, coordenador do Mupoiba, relembrou que o território de seu povo já tem demarcação requerida há mais de 10 anos, destacando que, durante o governo de Jair Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, não deu qualquer andamento ao processo de demarcação do território reconhecido pelo Estado Brasileiro - à época a Funai era subordinada à pasta de Moro.
“Do final de 2022 para cá os Pataxó estão fazendo a autodemarcação do território. E nossas lideranças não se furtam de falar com a imprensa, de explicar, mas a reportagem da Band não ouviu os Pataxó, não ouviu nenhuma organização indígena da Bahia ligada aos Pataxó”, afirma.
Segundo o cacique, a Band “montou uma reportagem totalmente forjada, tendenciosa e discriminatória”.
“Tivemos 4 assassinatos recentemente, a milícia na região vem assassinando os Pataxó. Já tem policiais militares presos acusados de participar desses assassinatos. O que nós queremos é Justiça e que seja garantido o direito do povo Pataxó nesse território e com segurança”.
Só morre de um lado
Liderança indígena de outro povo que também habita o Sul da Bahia, Valdenilson Oliveira dos Santos, o Cacique Val Tupinambá, conhece de perto as ameaças e violência que os povos originários são submetidos. Historicamente, os Tupinambá, assim como os Pataxó, são alvos de poderes econômicos locais que tentam expulsá-los de seus territórios.
Val Tupinambá, membro do Parlamento Indígena do Brasil (Parlaíndio) e que é assistido pelo Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), explicou em entrevista à Fórum que o tipo de reportagem feita pela Band já é produzida por emissoras da região há muito tempo.
Segundo o cacique, essa narrativa de parte da imprensa ajuda a legitimar a ação violenta de fazendeiros e inflama a população contra os indígenas. Ele destaca que reportagens com essa nuance são veiculadas enquanto apenas indígenas estão morrendo.
“Entendo isso [a reportagem da Band] como racismo, inclusive racismo institucional. E isso é pra inflamar ainda mais a sociedade para ficar contra os indígenas. A gente está passando por esse tipo de situação, que é muito complicada. Sem falar das mortes. Não tem nenhum fazendeiro e não tem nenhum policial morrendo. Quem está morrendo são os índios”, atesta.
“A organização de fazendeiros usa a imprensa a favor deles para fazer esse tipo de injúria. Isso não é de agora, vem se alastrando por muito tempo. Sempre por conta da gente não ter as terras demarcadas. Nos últimos anos fomos travados [pelo governo federal] de todas as formas e enfrentamos todo tipo de racismo”, diz ainda.
Diálogo com o novo governo
Apesar da escalada da violência na região, o cacique Agnaldo Pataxó celebra o fato do novo governo, comandado por Lula, ter criado o Ministério dos Povos Indígenas, sob a liderança de Sonia Guajajara, e de ter reestruturado a Funai, indicando Joenia Wapichana para a presidência do órgão.
Segundo o líder Pataxó, já há nos primeiros meses de governo uma abertura de diálogo maior do Executivo federal com os povos originários e estão se alimentando expectativas de que seus territórios, finalmente, sejam demarcados.
“Todos os marcos regulatórios, marcos legais, o governo Bolsonaro destruiu através de decretos, projetos de lei e Medidas Provisórias. Agora, com a indicação de Sonia no ministério, Joenia na Funai, estamos dialogando para retomar o direito do nosso povo, revogar os decretos e Medidas Provisórias que têm prejudicado e restabelecer o que a Constituição garante no que diz respeito aos povos originários”, detalha Agnaldo, que em fevereiro foi recebido em Brasília pela presidente da Funai em Brasília, com outras lideranças, em reunião para expor as demandas dos povos indígenas.
O Cacique Val Tupinambá também está mais otimista com relação às mudanças relacionadas à pauta indígena no governo Lula. “O atual governo tem dado os encaminhamentos. Agora tem diálogo.Depois da criação do ministério [dos Povos Indígenas] estamos tendo acesso a diversas instâncias da Justiça e do próprio ministério. Então, melhorou”, afirma, destacando ainda o fortalecimento das entidades nacionais e regionais ligadas aos indígenas, como a Apoinme, da qual faz parte.
Outro lado
Em nota enviada à Fórum, a Band TV informou que ouviu todos os lados para produzir a reportagem que vem sendo questionada no MPF pelos indígenas Pataxó.
Confira a íntegra do posicionamento da emissora.
“As reportagens, veiculadas nos dias 7 e 8 de março, ouviram os dois lados: produtores que tiveram as fazendas invadidas por grupos armados que se apresentavam como indígenas Pataxó e também indígenas como o Cacique Baia Pataxó, que disseram que as invasões são feitas por grupos infiltrados nas aldeias se apresentando como Pataxós.
Também abordamos a violência contra indígenas na região, inclusive ao entrevistar o delegado de Eunápolis que investiga o assassinato de dois indígenas Pataxó em janeiro deste ano.
A emissora também contatou a Funai, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas não se manifestou, mas as posições dos órgãos foram contempladas nas matérias”.