CENSURA

"Estamos assustados", diz repórter da EBC sobre censuras do governo Temer

De acordo com repórter da EBC, não foi só a cobertura do assassinato de Marielle que o governo e a direção da empresa tentaram censurar. Desde o impeachment de Dilma, em 2016, intervenções na linha editorial e censuras são uma constante. "Os jornalistas estão sendo sufocados"

Foto: Sindicato dos Jornalistas do Distrito FederalCréditos: Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal
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Editores e jornalistas da Agência Brasil, site da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), foram surpreendidos na manhã desta terça-feira (20) com um e-mail da chefia, ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações do governo Temer, orientando os trabalhadores a restringirem a cobertura sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco às investigações e ao que dizem as autoridades.

“Precisamos reduzir matérias da morte da vereadora Marielle Franco Essas homenagens do PSOL são para tirar proveito do momento. Ou outras repercussões do gênero. Devemos nos concentrar nas investigações e naquilo que dizem as autoridades”, diz um dos comunicados enviado pelos chefes aos editores.

Os jornalistas da redação da Agência Brasil em Brasília, então, resolveram fazer um protesto contra a restrição da cobertura e ergueram uma faixa [foto em destaque] com os dizeres: “Não vão nos calar! Marielle presente”.

Em entrevista à Fórum, Gésio Passos, que é coordenador do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal e repórter da EBC, disse que a orientação da chefia configura, sim, uma tentativa de censura e que esse não é um caso isolado. Segundo ele, as intervenções do governo na linha editorial da empresa pública e os vetos têm sido uma constante desde o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e 2016. “A intenção é nos calar”, afirmou.

Confira, abaixo, a íntegra da entrevista.

Fórum - Gésio, esse tipo de orientação para que se reduza a cobertura sobre Marielle Franco na EBC, configura, na sua opinião, um tipo de censura?

Gésio Passos - Na verdade é mais uma censura da direção da empresa contra seus trabalhadores. Isso se soma a um histórico de intervenção, encomendada pelo Planalto, dentro da EBC. Não é um caso isolado, está sendo cada vez mais corriqueiro. O sindicato vem denunciando sistematicamente essas intervenções na linha editorial da empresa. Começou em 2016 com a Medida Provisória do governo que colocou fim do Conselho Curador, há a  tentativa de enfraquecer o caráter público da EBC. E essa medida de agora na Agência Brasil reforça muito isso. Principalmente por conta de uma série de casos que vêm acontecendo. A Agência Brasil tem uma penetração muito grande, é reproduzida por muitos sites. É um ataque que vem sendo sofrido e a gente sabe claramente que a intenção da direção é calar os jornalistas. Em paralelo, a gente tem uma cobertura toda enviesada do Fórum Mundial da Água porque a empresa fez um acordo, na nossa visão, ilegal. Um acordo de cobertura do Fórum onde a Agencia Nacional de Águas (ANA) tem ingerência na escolha das pautas. Temos quase 80% dos jornalistas em Brasília cobrindo o Fórum. Claro que o evento tem sua relevância jornalística, mas não tem a demanda do tamanho alardeado desta cobertura. Nos assusta muito um fato que tem relevância mundial, que é o caso da Marielle, um ataque crítico, um homicídio político contra uma militante de direitos humanos, uma pessoa que é contra a intervenção, ser silenciado pela empresa. A gente teve casos, por exemplo, durante a intervenção, de chefes não querendo dar a nota da Justiça Global sobre a intervenção, dizendo que a Justiça Global não deveria se pronunciar sobre o assunto. Chegou ao absurdo disso dentro da redação da EBC. São vários casos e, com isso, se mostra a a tentativa do governo de calar a empresa  pública e impedir que ela cumpra o seu papel, que é levar informações de forma independente à população.

Fórum - O que, na sua opinião, estaria por trás dessa tentativa de censura do governo? Seria uma forma de silenciar qualquer tipo de pauta que possa atingir negativamente sua imagem?

Gésio Passos - Claramente. Não querem que se atinja a imagem da intervenção militar que está ocorrendo no Rio, que é um ataque à própria democracia. Então, há essa tentativa da direção da empresa, que os trabalhadores não aceitam, essa interferência. É claramente um movimento de tentar acobertar o que o governo vem fazendo. E a questão do assassinato de Marielle claramente coloca em xeque a própria política de intervenção do governo. Para você ter uma ideia do absurdo, um dia após o assassinato de Marielle, um link do jornal do "Repórter Brasil", carro-chefe da TV Brasil, foi feito de dentro da sala de controle e comando da intervenção federal do Rio. Você vê casos absurdos como esse. Você vai fazer um link sobre o assassinato dentro da sala de comando? Não mostrando os atos de rua e grandes mobilizações que estavam acontecendo? Isso é absurdo. Os jornalistas estão sendo sufocados pelas decisões autoritárias do governo e da direção da empresa.

Fórum - Diante da escalada autoritária deste governo, acha que essas tentativas de censura possam, no futuro, atingir também empresas jornalísticas privadas ou as mídias independentes?

Gésio Passos - Eu acho que o governo, com relação às mídias privadas, pode tentar pressionar financeiramente. Grande parte da mídia privada, a gente sabe, tem suas linhas editoriais em apoio a este governo. Eles tentam esconder até que Marielle era contra a intervenção militar. A própria mídia privada repercutiu um fakenews que todo mundo sabia que era fakenews. Isso é muito sério. Quanto aos veículos alternativos, eles vêm nos últimos anos sofrendo vários ataques, principalmente judiciais, não só judiciais, mas também ataques nas próprias coberturas de rua, de mobilização, ataques pelas forças de segurança. Essa escalada autoritária reflete na própria forma de lidar com a imprensa. A gente viu na própria coletiva de anúncio da intervenção federal que os jornalistas foram impedidos de fazer perguntas. Essa escalada autoritária promovida pelo governo brasileiro vai influenciar na vida do brasileiro como um todo. Então, daqui a pouco estaremos em um sistema tão repressivo que vai impedir que possamos nos proteger dessas arbitrariedades. A gente vem  agora neste movimento. E há formas de censura econômica, há formas de censura judicial e há formas de censura policial que são constantes na vida dos jornalistas hoje, infelizmente.