Escrito en
MÍDIA
el
"Depois de uma hora e meia, descubro que vi uma porção de piadinhas, brincadeirinhas de todo tipo, gírias que forçam a intimidade com o telespectador. E estou mal informada. Preciso recorrer a outros meios para ter o que o telejornalismo deveria ter me dado: informação de qualidade", afirma, em artigo, a doutora em Comunicação Débora Cristine Rocha
Por Débora Cristine Rocha, no Observatório da Imprensa
Ligo a televisão e ouço o apresentador do telejornal matutino, da maior rede de televisão brasileira, dizer: “Vocês vão me ajudando aí nos nomes, que eu vou falando errado.” Ele estava se referindo a nomes de times de futebol. Como assim, vão ajudando em nomes errados? Não era para ele trazer a informação correta? Não era para ter treinado antes a locução destes nomes? Em uma hora e meia de jornal televisivo, há muitos momentos como este. Uma coisa é informalidade, tirar a sisudez da bancada clássica. Outra é trazer informação incompleta, mal apurada, justificar a falta de profissionalismo como leveza na linguagem jornalística.
Depois de uma hora e meia, descubro que vi uma porção de piadinhas, brincadeirinhas de todo tipo, gírias que forçam a intimidade com o telespectador. E estou mal informada. Preciso recorrer a outros meios para ter o que o telejornalismo deveria ter me dado: informação de qualidade.
O episódio não é isolado e não se restringe à televisão, embora obviamente nela se torne mais visível. Motivos para esse estado de coisas? Em primeiro lugar, o jornalismo agora tem a obrigação de ser entretenimento, pois levar informação de modo sério e compenetrado está fora de moda. Pois é, nos dias de hoje, informar tem a sazonalidade da moda.
A entrada do sensacionalismo
Uma vez que é preciso prender a atenção do telespectador a todo custo, dados os índices de audiência, o método jornalístico que nos perdoe, mas precisa ser descaracterizado. Levamos dezenas de anos para construir este método, que foi testado exaustivamente e aprovado pela imprensa mundial no decorrer do tempo, mas agora ele não nos serve mais porque o público brasileiro não quer saber de informação de qualidade. O público brasileiro quer saber de pautas leves e descompromissadas. Será mesmo? Do meu humilde ponto de vista, é subestimar demais as pessoas.
Enfim, quando um jornalista trata o colega como gatão no ar e torna-se rotina enviar o público ao site do programa para obter informações básicas, que deveriam ser dadas na matéria, a gente sabe que algo anda estranho. Afinal, e a confiança que o público depositou naquele veículo para receber a melhor informação? Credibilidade é um dos pilares jornalísticos. Quando este pilar é comprometido, a essência do jornalismo desmorona.
Ah, é a concorrência com os telejornais populares. Não vamos restringir a questão. O dito telejornalismo popular explora, na verdade, algo que vai além do popular, explora o sensacionalismo. E o embate entre jornalismo e sensacionalismo é histórico, fundamental. Uma coisa é jornalismo, outra é sensacionalismo. Acontece que a busca pelo entretenimento escancarou as portas para a entrada do sensacionalismo no telejornal com toda a força.
O jornalismo serve ao poder que deveria criticar
Cuidado com isso porque o sensacionalismo privilegia o que é de interesse do público e não o que é de interesse público. Há diferença. Os meus alunos sabem: interesse do público é o que o público quer ver, interesse público é o que possui importância para a sociedade. O público muitas vezes quer ver o vocabulário informal, os gracejos, as pautas sem profundidade, a violência e a adrenalina, o happy end. Edgar Morin nos mostrou muito bem os temas da cultura de massa, que seduzem o público e hoje são explorados por esta nova forma de telejornalismo.
Já o interesse público diz respeito ao que afeta a sociedade, evidencia os mecanismos de funcionamento do poder. E quem disse que o público brasileiro não quer saber disso? Os estudantes paulistanos batalham contra o fechamento de suas escolas. Penso que estão querendo saber, sim, sobre o significado do poder. Aliás, cadê os meninos sendo entrevistados sobre o assunto? Aí, quando os garotos vão para as ruas dizem que a imprensa é um braço do poder. E a gente fala o que?
Ficamos aí nas piadinhas, nos vídeos caseiros dando bom-dia e esquecemos que jornalismo não é nada disso. O jornalismo nasceu para criticar o poder, e não para desviar a atenção do público das artimanhas engendradas pelo poder. E o entretenimento na sociedade de consumo, as ciências sociais nos ensinam, tem justamente a missão de desviar o foco do que realmente interessa para o que não interessa. Em outras palavras, com este jeito despojado em excesso, o jornalismo passa a servir ao poder que ele deveria criticar, levando a sociedade à alienação: a falta de consciência de que nos fala Marx.
* Débora Cristine Rocha é jornalista, professora doutora em Comunicação e Semiótica, docente da Universidade Anhembi Morumbi e membro do grupo de pesquisa Espacc (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
Foto de capa: Reprodução/Facebook