Pesquisa realizada em 13 países pela Anistia Internacional mostrou que 71% dos 13 mil entrevistados estão preocupados com a possibilidade de que os Estados Unidos espionem seus dados. Entre os brasileiros, são 80% – povo mais atento a esse risco, junto com os alemães
Por Maurício Santoro, assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional
A privacidade na Internet é a nova fronteira dos direitos humanos. Onde fica o limite das ações dos governos e da atuação das empresas em busca de dados pessoais? O grande catalisador dos debates recentes é Edward Snowden, um técnico em serviços de informática que trabalhou como funcionário terceirizado para a Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos. Durante anos ele coletou dados eletrônicos para o governo americano, mas se revoltou com o que viu e denunciou os programas secretos da NSA.
As denúncias de Snowden
As entrevistas de Snowden ao jornalista Glenn Greenwald e à cineasta Laura Poitras renderam um livro ganhador do Pulitzer e documentário premiado com o Oscar e revelaram que, após os atentados de 11 de setembro, os Estados Unidos criaram grandes programas de vigilância em massa na Internet e na telefonia, sem os devidos mecanismos de controle legislativo e judiciário. Snowden acusou grandes empresas de telecomunicações e de informática de colaborarem com as autoridades nessas iniciativas, fornecendo dados sobre seus clientes ou alterando seus produtos para facilitar o trabalho da NSA.
O governo americano passou a espionar a correspondência e outros dados individuais de regiões inteiras, e não apenas de suspeitos – por exemplo, monitorando todas as ligações telefônicas no Afeganistão, ou grandes quantidades de dados no Brasil –, utilizando computadores para processar essas informações. Essa vigilância ocorreu inclusive contra cidadãos americanos, manipulando restrições legais ou contando com a ajuda de juízes coniventes.
Alemães e brasileiros lideraram uma articulação na ONU que aprovou duas resoluções na Assembleia Geral lidando com os aspectos específicos da privacidade na era digital, em 2013 e 2014. O texto de ambas é semelhante, mas a segunda é mais abrangente e inclui referências a negociações recentes, como a conferência sobre governança da Internet (NETmundial), realizada em São Paulo em abril de 2014, ou a necessidade de atenção sobre metadados, cerne da ação da NSA.
Metadados são informações para identificar, localizar e gerenciar grandes quantidades de dados. Por exemplo, o conteúdo de um email ou de uma conversa telefônica é um dado, a lista de pessoas com quem alguém falou ou se correspondeu é um metadado. Com o uso de computadores e programas avançados, e comparando-os com outras fontes, é possível descobrir detalhes abrangentes da vida íntima de cada pessoa.
Snowden teve que fugir dos Estados Unidos e vive no exílio na Rússia. O governo Obama o acusa de espionagem, usando uma controversa lei da Primeira Guerra Mundial que não distingue o vazamento de informações para a imprensa, para expor abusos de autoridade, da venda de segredos militares para países estrangeiros.
Quem se preocupa com a privacidade?
Por que a privacidade é importante? Se eu não cometi qualquer crime, por que devo me preocupar se o governo tem acesso às minhas informações pessoais? A intimidade é um direito humano, reconhecido em vários acordos internacionais, em geral sob a forma de proteção a buscas indevidas pelas autoridades. Isto é, agentes do Estado só devem revistar alguém ou sua casa, abrir correspondência ou escutar conversas com autorização judicial em casos em que há suspeitas bem fundamentadas de que aquela pessoa cometeu um crime ou é uma ameaça.
Manter a vida privada protegida é essencial para desenvolver relacionamentos afetivos, experimentar novos comportamentos e atitudes com as pessoas em quem mais confiamos antes de tentá-las na sociedade mais ampla. Ou preservar possibilidades de expressar facetas diferentes entre amigos, família, colegas de trabalho. Quem sabe simplesmente reservar a si mesmo detalhes sobre sexualidade, vida financeira e outros temas.
Pesquisa realizada em 13 países pela Anistia Internacional mostrou que 71% dos 13 mil entrevistados estão preocupados com a possibilidade de que os Estados Unidos espionem seus dados. Entre os brasileiros, são 80% – povo mais atento a esse risco, junto com os alemães. 59% também se declararam apreensivos de que seus próprios governos façam isso (65% no Brasil).
O que fazer?
Junto com a pesquisa, a Anistia Internacional lançou a campanha UnfollowMe para chamar a atenção sobre a importância da privacidade na Internet e submeter a ação de governos e empresas a controles judiciais e salvaguardas democráticas, que inclui uma petição direcionada à “Aliança dos Cinco Olhos” – formada por Estados Unidos, Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido –, responsável pelos programas de vigilância mais amplos do Ocidente.
A organização também pleiteia o perdão do governo americano a Snowden e seu reconhecimento como um ativista de direitos humanos, a exemplo do que fez o Parlamento Europeu, que lhe concedeu o importante prêmio Sakarov.