Escrito en
MÍDIA
el
Novela “Babilônia” estreia com um beijo entre Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, porém, ainda um tanto assexuado e conservador
Por Marcelo Hailer
Da novela Rebu (1974), a primeira a ter uma personagem gay, até o primeiro beijo entre pessoas do mesmo sexo, em “Amor à vida” (2014), foram necessários 44 anos para que a Rede Globo criasse coragem para exibir o tão aguardado beijo gay. À época atentamos para o fato de que, apesar do tímido avanço, visto que se tratou de um selinho demorado, a estrutura das personagens estava completamente ancorada no ideal familiar propagados pelas telenovelas em geral: familista e reprodutor. Com “Babilônia” (2015), não muda muita coisa.
A força do produto cultural
É inegável o poder de inserção nos lares e de incidência na opinião pública que um produto cultural como a telenovela possui. A novela “Babilônia”, de autoria de Gilberto Braga, no dia de sua estreia, viralizou na rede não pela trama que se apresentava, mas sim pelo inesperado beijo entre as personagens Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathalia Timberg) logo no início do capítulo. E, desde segunda-feira (16), não se fala de outra coisa.
E, como se não bastasse o beijo lésbico na estreia, nesta terça-feira (17), Teresa e Estela travaram um diálogo sobre o casamento delas e que agora isto é possível, algo que elas aguardaram “a vida inteira”, como frisou uma das personagens. A escolha de Montenegro e Timberg para viver o casal Teresa e Estela foi um acerto da produção da telenovela, pois, não podemos ignorar que ambas as atrizes são queridas da tradicional família brasileira. Ainda assim, não podemos nos furtar de problematizar a estrutura na qual está inserida a trama e nisso podemos fazer uma comparação com a antecedente “Império”, de Aguinaldo Silva.
Repetindo uma fórmula que já havia utilizado em “Duas Caras”, Aguinaldo Silva encerrou a trama de “Império” com um casamento bissexual entre Naná (Viviane Araújo), Xana (Ailton Graça) e Antônio ( Lucci Ferreira), porém, como método recorrente nas televonelas, este arranjo familiar fora da norma estabelecida se deu no núcleo secundário, assim como em “Duas Caras”. No núcleo principal ganhou destaque a união de Cláudio (José Mayer) e Léo (Klebber Toledo), o que já pode ser considerado uma regra: destaque para os casais LGBT que se enquadrem nos padrões heteronormativos.
[caption id="attachment_61269" align="aligncenter" width="300"] Naná, Xana e Antônio vivenciaram casamento bissexual em "Império" (Foto: Divulgação)[/caption]
Mas, não é um avanço?
Muita gente vai pensar: “Nossa, mas que implicância. É um avanço e ponto”. Avanço partindo de onde? Se formos pensar no debate a respeito dos novos arranjos familiares, sim, é um avanço, pois, não se pode ignorar o fato de que, diariamente cerca de 60 milhões de brasileiros sintonizam a novela por volta das 21h. Não se pode ignorar também o fato de que este casal e o desenrolar de sua microtrama será parte das discussões da internet e mesas de boteco. Principalmente, quando uma atriz do porte de Fernanda Montenegro assume a sua personagem como uma ação política e diz com todas as letras que os conservadores “terão de engolir”. De fato, uma trama bem desenvolvida é uma ótima munição para combater discursos obscurantistas de que, as uniões entre iguais tem por objetivo “destruir a família tradicional” (sic).
Porém, por detrás do aparente avanço que tal abordagem pressupõe trazer à discussão nacional, não podemos ignorar o fato de que, mesmo sendo um arranjo familiar homossexual, ele está calcado nos valores normativos do que se entende por família e, ao se (re)valorizar tal arranjo acaba por se marginalizar, mais uma vez, todas aquelas pessoas que não se encontram na reprodução familista: uniões monogâmicas e aquelas que escolheram ficar sozinhas. O avanço vai até a página 5, visto que o que se faz é se utilizar das uniões homossexuais para se validar (como se precisasse) o estilo de vida imposto pela ordem política da heterossexualidade.
[caption id="attachment_61270" align="aligncenter" width="300"] Novela "Babilônia" estreou com beijo lésbico entre Teresa e Estela (Foto: Divulgação)[/caption]
Uma abordagem proposta pela novela “Babilônia” e outras são sempre bem-vindas, mas, é sempre de bom tom não se perder de vista o cunho ideológico que uma telenovela carrega. Assim como, enquanto produto cultural, tem uma força enorme para promover debates que não avançam no Brasil, o folhetim também serve para reforçar ideais dos romances burgueses e, dentro desta conta, não faz a mínima diferença que tipo de arranjo social se propaga, pois, ele sempre está dentro do conceito político-social de uma telenovela: familista, amor idealizado, branco e de classe média. E isso não é implicância, um básico levantamento genealógico das novelas confirma esta tese.
Se 44 anos foram necessários para se colocar um selinho no folhetim das 21h, mais 44 serão necessários para que estes “beijos” entre corpos iguais deixem de ser assexuados e se tornem afeto sexual de fato?
Foto de capa: Divulgação