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Do Diário do Centro do Mundo
[caption id="attachment_35151" align="alignleft" width="300"] (Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)[/caption]
Há uma enorme torcida na mídia brasileira contra o governo de Cristina Kirchner. Colunistas brasileiros festejaram “o fim de seu ciclo” na Argentina depois dos resultados das eleições legislativas de domingo.
Mas como mostrou hoje a charge do jornal argentino Página 12: que “derrota” peculiar é aquela em que o governo mantém a maioria no Congresso. Pois foi isso o que aconteceu na Argentina.
E eis que, mal terminada a apuração dos votos, Cristina obtém uma de suas maiores vitórias como presidenta, senão a maior. A Suprema Corte da Argentina aprovou a famosa Ley de Medios.
É uma lei que combate monopólios e estimula a pluralidade nos debates trazidos pela mídia.
O grupo Clarín – uma espécie de Globo local – se bateu quanto pôde contra a lei. Seu ponto – quem acredita nele acredita em tudo – é que se trata de uma legislação contra a liberdade de expressão.
Mentira.
O grupo Clarín poderá continuar a dizer o que quer. Apenas não terá o monopólio da voz. A decisão da justiça encerra a disputa: o Clarín vai ter que se desfazer de parte de seu monstruoso portfólio de mídia.
Conexões com o Brasil são inevitáveis. Até quando a Globo continuará a desfrutar de seu monopólio abjeto, com o qual seus três acionistas herdaram a maior fortuna brasileira?
Até quando a mídia negará aos brasileiros, sem embaraço de qualquer natureza, pluralidade nos debates?
Cristina Kirchner fez uma coisa que nem Lula e nem Dilma (pelo menos até aqui) ousaram: enfrentou a mídia.
Ah, as circunstâncias lá são diferentes, objetarão alguns. Sim, nada é exatamente igual em dois países. Isto é um truísmo. A real diferença entre o caso argentino e o caso nacional reside na bravura de Cristina para combater o bom combate.
No Brasil, há décadas sucessivos governos se acovardam quando se trata de lidar com a mídia. Numa situação patética, as empresas de jornalismo não pagam imposto pelo papel com que imprimem suas publicações, sejam jornais ou revistas.
São os cofres públicos financiando, pelo chamado “papel imune”, empresas riquíssimas empenhadas em perpetuar privilégios nocivos à sociedade.
Outra mamata inacreditável é a reserva de mercado de que a mídia goza, ela que fala tanto na importância do livre mercado.
Num artigo relativamente recente publicado no Globo para defender a reserva, foi dito que as novelas são “patrimônio nacional”, e por isso não podem ser ameaçadas pela concorrência estrangeira. Também foi dito que haveria risco de uma emissora chinesa fazer propaganda de Mao Tsetung, caso instalada no Brasil.
O autor desse beatialógico é o hoje ministro do Supremo Luís Roberto Barroso, à época advogado do órgão de lobby da Globo, a Abert.
Quanto o poder irrestrito da mídia é ruim para o Brasil foi espetacularmente demonstrado em 1954 e em 1964, quando seus donos conspiraram abertamente contra governo eleitos e fizeram campanhas nas quais a verdade foi a primeira vítima.
Curiosamente, depois de chegar ao poder com uma grande frase segundo a qual a esperança deveria vencer o medo, o PT agiu de forma oposta em relação à mídia. O medo venceu a esperança.
Mesmo sem dentes, mesmo com Ibope em queda livre, mesmo sem ganhar uma única eleição em muitos anos, mesmo ameaçado de morte pela internet, o Jornal Nacional continua a meter medo, melhor, pavor em administrações petistas.
Em Cristina Kirchner, a esperança foi maior que o medo, e o resultado é uma conquista histórica não dela, não de seu governo – mas da Argentina.
O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.