Brasil é o terceiro país mais perigoso para imprensa ao lado do México
Por Olívia Freitas*
Crimes contra jornalistas crescem em todo o mundo. A Ásia é o continente onde mais morreram profissionais nos últimos cinco anos, foram 198 mortes. Já na Europa, continente considerado mais seguro, foram 40. Somente neste ano, 98 profissionais da imprensa foram mortos, sendo sete no Brasil, e outros 23 casos estão sob investigação. O nosso país está empatado no terceiro lugar com o México, onde mais morreram jornalistas. A Síria, que vive um conflito armado desde o ano passado, no qual a população exige a saída do poder do ditador Bashar al Assad, é a líder do ranking de 2012 até o momento, com 25 mortos, e em segundo lugar está a Somália com 12 casos, conforme dados do International News Safety Institute (INSI),
De acordo com análise feita pelo Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ), a maioria desses profissionais não foi morta em campo de batalha, ou enquanto faziam pesquisas, mas sim a sangue frio, muitas vezes por represália ao seu trabalho, por informar sobre corrupção do governo, crime, tráfico de drogas, ou de atividades de grupos rebeldes. Nos últimos 20 anos, 940 jornalistas foram mortos em todo mundo, desses, 581 seguem com total impunidade. Sendo que 41% deles cobria política.
O relatório lançado este ano pela organização não-governamental, Repórteres Sem Fronteira (RSF), aponta o Brasil na 99º posição no ranking de Liberdade de Imprensa. Caindo 41 posições em relação ao ano anterior. O levantamento incluiu 179 países. Ainda de acordo com o RSF, 146 jornalistas foram presos.
Durante o último Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a representante da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Clarinha Glock, afirmou que os jornalistas brasileiros trabalham sem infraestrutura para exercer suas funções. “Não se trata apenas de risco extremo de morte. Falta de infraestrutura e de segurança para a realização de reportagens também configuram um tipo de risco”, disse ela.
Segundo o levantamento feito pelo CPJ, 77% dos assassinatos de jornalistas no Brasil nos últimos 20 anos ficaram totalmente impunes. O repórter da Folha de S. Paulo, André Caramante, que cobre segurança pública há 13 anos, frequentemente sofre ameaças devido ao seu trabalho investigativo. Ele associa a morte de jornalistas no país com a impunidade. “Quando matam um jornalista, estão matando a liberdade de expressão. A impunidade, com a não punição das pessoas que cometem esse tipo de crime, também dá margem para que outros achem que podem fazer esse tipo de coisa”, opina.
A maioria dos mortos nessas duas décadas foi de repórteres com 30% e em segundo lugar, repórteres cinematográficos com 23%, sendo que 54% desses profissionais trabalhavam para veículos impressos e 28% para televisão, 93% são homens e 7% mulheres. A pesquisa também apurou que os profissionais morrem mais em seu país de origem do que no exterior, 87% são mortes locais, enquanto 13% foram no estrangeiro.
Informações do CPJ apontam que de 1982 até 2012, 36 jornalistas são considerados desaparecidos, seus corpos nunca foram encontrados, por isso seus nomes continuam na lista.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) declarou que procura diferenciar os tipos de crimes que ocorrem entre jornalistas no Brasil. “A ANJ monitora esses episódios de forma extremamente criteriosa, buscando sempre diferenciar crimes comuns daqueles realmente motivados pelo exercício da atividade jornalística”.
No mês de agosto, a ANJ lançou o Relatório de Liberdade de Imprensa, que mostra a situação nacional de 2000 a 2012. Foram 12 mortos, 22 casos de agressões, 3 de censura judicial e 7 de ameaças “A censura prévia por via judicial é uma afronta ao princípio maior da liberdade de expressão definido pela Constituição”, defende a associação.
As sete vítimas de 2012 no Brasil
Valério Luiz
Foi assinado a tiros em 5 de julho, quando deixava o edifício que trabalhava na Rádio Jornal (820 AM) em Goiânia (GO). Um indivíduo em uma moto abortou o profissional, que estava em seu carro, e atirou várias vezes. A delegada responsável pelo caso, Adriana Ribeiro, aponta como provável a hipótese da morte relacionada ao trabalho de Valério.
Enildo Paulo Pereira e Ezequiel Barbosa
O apresentador de TV e o cinegrafista morreram em um acidente de trânsito no Rio Grande do Sul. A equipe da TV Bandeirantes estava no Estado para cobrir uma operação da polícia contra um roubo criminal. O carro onde estavam foi empurrado e esmagado em outros por um caminhão. [caption id="attachment_18963" align="alignleft" width="300"] Jornalista e blogueiro Décio Sá estava num restaurante quando foi assassinado (Reprodução)[/caption]
Décio de Sá
Foi assassinado com seis tiros enquanto jantava em um restaurante em São Luís (MA). Sá trabalhava para o jornal O Estado do Maranhão. Ele mantinha um blog sobre política. Segundo a polícia, o motivo do crime foram as denúncias constantes que ele vinha fazendo de agiotagem, desvio de recursos públicos e extorsão.
Paulo Roberto Cardoso Rodrigues
Assinado em Ponta Porã (MS), cidade próxima à fronteira com o Paraguai, por dois homens que passaram em uma moto, pelo menos cinco tiros acertaram o jornalista. Cardoso trabalhou no Jornal da Praça, no site de notícias do Mercosulnews.com e frequentemente escrevia sobre política.
Mario Randolfo Marques Lopes
Foi sequestrado e morto junto com sua namorada no Rio de Janeiro. O repórter escrevia sobre corrupção. Trabalhou no site de notícias Vassouras na Net. Randolfo costumava fazer denúncias de supostas irregularidades envolvendo órgãos polícias, autoridades e políticos.
Laércio Souza
Foi assinado a tiros por dois homens em Salvador (BA). Souza era repórter da Rádio Sucesso e já havia sendo ameaçado por telefone. Resultados iniciais da polícia mostram que bandidos locais teriam ficado irritados com o plano do jornalista de construir um projeto social na região.
Direito Internacional Humanitário em prol dos profissionais de imprensa
Assassinatos, censura, ameaças, sequestros e outras formas de violência são comuns contra os jornalistas em situação de conflito armado. “De fato, percebe-se que, os profissionais da mídia estão cada vez mais em perigo. Estamos muito preocupados com isso. Não parece haver nenhuma melhora na situação”, disse a chefe adjunta de Relações Públicas do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Dorothea Krimitsas, coordenadora da Linha Direta para jornalistas em missões perigosas em entrevista para o CICV.
De acordo com o artigo 79 do Protocolo Adicional I, os jornalistas são beneficiados igualmente aos civis pelo Direito Internacional Humanitário (DIH). Porém, não podem estar relacionados diretamente as hostilidades do conflito. Essa regra vale para conflitos internacionais e não internacionais. “É preciso ter um cartão de identificação de jornalista, não é ele que dará a proteção em si, mas serve como uma prova de que se é jornalista para ser tratado como civil”, explicou o assessor jurídico do CICV, Gabriel Valladares.
O CICV mantém a Linha Direta, que dá assistência aos jornalistas em missões perigosas. É um canal de comunicação 24 horas para os profissionais, suas famílias e associações manterem contato quando houver casos de captura, detenção, desaparecimento, ferido ou morte, sendo nos locais que o comitê realize suas atividades humanitárias. Com o trabalho feito pelo CICV pode-se confirmar uma prisão, paradeiro, reestabelecer contato e em alguns casos fazer a transferência de corpos. “Desde o início de 2011, mais de 60 profissionais da mídia, trabalhando em zonas de conflito ou outras situações afetadas pela violência, solicitaram e receberam algum tipo de assistência do CICV”, contou Dorothea.
* Do Projeto Repórter do Futuro, da Oboré