“Nossos Oceanos”, série produzida pelos Obama, romantiza crise climática

Ex-presidente e a mulher são os produtores executivos de série documental na Netflix que explora os impactos da emergência do clima nos oceanos com mensagem de resiliência

Barack Obama e Michelle Obama lançam mais uma série que tem como fio condutor a crise climática. Foto de golfinhos, personagens da produção.
Casal Obama faz produção executiva da série "Nossos Oceanos", na Netflix.Barack Obama e Michelle Obama lançam mais uma série que tem como fio condutor a crise climática. Foto de golfinhos, personagens da produção.Créditos: Wikipedia e Netflix (divulgação)
Escrito en MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE el

A crise climática não é mais uma previsão e sim uma realidade que está moldando novos modos de vida e a geopolítica mundial.

Essa questão, talvez a mais urgente e importante da nossa geração, é o fio condutor da série documental "Nossos Oceanos", da Netflix.

A narração dos seis episódios é feita pelo ex-presidente dos EUA Barack Obama. Além de narrador, o democrata atua como co-produtor executivo ao lado da ex-primeira-dama Michelle Obama.

A participação do casal Obama até tenta adicionar uma dimensão política à série, mas fica mais na perfumaria e no marketing verde e foge do enfrentamento ao debate central dessa hecatombe ambiental: o capitalismo.

Crise climática na pauta global

O lançamento da série dos Obama ocorre em um ano em que o mundo testemunhou eventos climáticos extremos que reforçaram a urgência de ações efetivas contra as mudanças climáticas. 

O ano de 2024 ficou marcado por eventos climáticos extremos que reforçaram a urgência de ações eficazes contra as mudanças climáticas. 

Temperaturas recordes fizeram deste o ano mais quente já registrado, com a média global ultrapassando pela primeira vez o limite simbólico de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. 

Ondas de calor, ciclones e secas severas afetaram milhões de pessoas ao redor do mundo, evidenciando os impactos devastadores da crise climática.

A 29ª Conferência das Partes (COP29), realizada em Baku, Azerbaijão, entre 11 e 22 de novembro, buscou discutir estratégias de mitigação e adaptação. 

No entanto, o evento foi amplamente considerado um fracasso por especialistas, devido à falta de avanços significativos para cumprir os compromissos do Acordo de Paris

A crescente gravidade dos eventos climáticos extremos evidenciou a necessidade de ações mais ambiciosas, mas a conferência falhou em consolidar respostas globais robustas.

A reeleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos trouxe novas preocupações ao cenário climático global. 

Durante seu mandato anterior, Trump retirou os EUA do Acordo de Paris e desmantelou regulamentações ambientais, ações que podem ser retomadas em seu novo governo. 

Romantizando a tragédia ambiental

A série “Nossos Oceanos” combina elementos de poesia, ciência e emoção para educar e inspirar ações em defesa dos mares. Uma das histórias é a saga do urso polar, que enfrenta os impactos do aumento das temperaturas no Ártico, símbolo frequentemente utilizado para ilustrar a crise climática.

Imagens de um urso polar solitário em um pedaço de gelo à deriva evocam empatia e tristeza, transformando o animal em um ícone universal da emergência ambiental. No entanto, essa abordagem pode desviar a atenção de outras consequências globais, como os impactos em ecossistemas inteiros e nas populações humanas.

Além disso, o retrato do urso polar como um herói resiliente, lutando contra a perda de habitat, pode minimizar a gravidade da crise climática e criar uma falsa impressão de que a espécie pode se adaptar sozinha. Isso subestima o impacto irreversível das mudanças climáticas e a necessidade urgente de ações coletivas.

A linguagem emotiva e a narrativa cativante da série cumprem o objetivo de sensibilizar o público, mas também levantam questionamentos sobre o foco excessivo em um símbolo único, em detrimento de uma visão mais abrangente da crise ambiental.

“E o capitalismo, Obama?”

A série dos Obama também evita discutir uma questão crucial: o papel do capitalismo na emergência climática. O modelo econômico global, centrado no crescimento incessante e na acumulação de capital, é apontado por especialistas como um dos principais responsáveis pela intensificação das mudanças climáticas.

O filósofo japonês Kohei Saito, em "Capital in the Anthropocene", argumenta que a lógica expansionista do capitalismo é incompatível com a sustentabilidade ambiental, perpetuando crises ecológicas. Ele defende uma transição para um modelo baseado no decrescimento sustentável e na justiça social.

A economista Mariana Mazzucato, em "Mission Economy", destaca que o capitalismo também agrava desigualdades, deixando populações pobres mais vulneráveis à crise climática. Essas comunidades enfrentam um “risco duplo”, sofrendo tanto com desastres naturais quanto com a falta de recursos para recuperação.

Embora iniciativas como o “capitalismo verde” proponham soluções tecnológicas e mercadológicas, críticos alertam que essas abordagens não atacam as causas estruturais da crise climática. Ao omitir essas reflexões, a série corre o risco de simplificar uma questão profundamente enraizada nos modelos econômicos globais.

Especialistas sugerem alternativas como a economia circular e o decrescimento sustentável, que priorizem a justiça social e a preservação do planeta. Enquanto Obama narra a fragilidade dos oceanos, a pergunta persiste: como enfrentar a raiz da crise sem questionar o sistema que a sustenta?

Mudanças climáticas reconfiguram geopolítica no Ártico e na Antártica

Outra omissão na série dos Obama é de que forma as mudanças climáticas estão reconfigurando a geopolítica global, especialmente nas regiões polares, onde o derretimento do gelo abre novas rotas comerciais e intensifica disputas territoriais.

No Ártico, a Passagem do Noroeste e a Rota do Mar do Norte oferecem trajetos mais curtos entre o Atlântico e o Pacífico, beneficiando países como a Rússia, que investe em infraestrutura marítima e exploração de recursos naturais.

Entretanto, essa nova acessibilidade também agrava tensões internacionais. Estados Unidos, Canadá e Noruega reforçam sua presença militar na região, enquanto a China, mesmo não sendo uma nação ártica, busca influenciar o cenário com sua "Rota da Seda Polar".

Na Antártica, o Tratado da Antártica, de 1959, que proíbe atividades militares e a exploração de recursos minerais, enfrenta pressões. Especialistas alertam que a crescente demanda por recursos e o turismo em expansão colocam em risco a estabilidade do acordo, especialmente após 2048, quando a moratória para mineração estabelecida pelo Protocolo de Madri será reavaliada.

A abertura dessas rotas e a exploração de recursos naturais podem alterar significativamente o comércio global, mas levantam preocupações sobre soberania, impactos ambientais e possíveis conflitos.

A comunidade internacional enfrenta o desafio de equilibrar oportunidades econômicas emergentes com a necessidade de preservar os polos como patrimônios globais, evitando que a competição amplie tensões geopolíticas e impactos climáticos.

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