A promulgação da Constituição do Brasil completa 36 anos neste 5 de outubro. A entrada em vigor da Carta Magna marcou um momento histórico de transição do país para a democracia após 21 anos de regime militar.
A chamada "Constituição Cidadã" foi o resultado de um processo de intensas discussões na Assembleia Nacional Constituinte, que envolveu diversos setores da sociedade civil, parlamentares e representantes de diferentes correntes políticas.
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Uma das histórias mais significativas da participação popular no processo de construção da lei maior do país foram as cartas de cidadãos e cidadãs enviadas à Assembleia Nacional Constituinte. Entre 1986 e 1987, 72.719 mensagens de brasileiro e brasileiras fizeram sugestões aos deputados e deputadas constituintes.
Um desses brasileiros que quis ajudar a escrever a Carta Magna foi Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes. Em 1987, em texto escrito à mão, a mensagem enviada do interior do Acre defendia a preservação da Floresta Amazônica por meio da criação de reservas extrativistas.
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"A Floresta Amazônica brasileira, dada a sua importância para o ecossistema mundial é patrimônio da nação brasileira e ficam vedados os quaisquer projetos de desenvolvimentos que representem riscos de devastação, tais como os grandes projetos agropecuárias e minerais a menos que com monopólio estatal fiscalizado pelos trabalhadores da região, todo desenvolvimento da região amazônica deve estar condicionado ao aproveitamento da sabedoria das populações da floresta índios, seringueiros. castanheiros, ribeirinhas e outros trabalhadores extrativistas.
Como forma de preservação da floresta e dos povos que a habitam será criado na Amazônia brasileira RESERVAS EXTRATIVISTAS, com patrimônio da União e usufruto vitalício e transferível aos descendentes concedidos dos habitantes da floresta em todas as áreas escolhidas pelos próprios trabalhadores, destinados para essa finalidade.
Os índios, mesmos os residentes em áreas de fronteira, deverão ter a garantia da demarcação e respeito às suas terras, com direito a autodeterminação e preservação de sua cultura: Ficam proibidos as lavras de garimpos em terras indígenas. A comercialização da produção extrativa da região amazônica deve ser garantida pelo o Estado brasileiro."
Francisco Alves Mendes Filho
14 de mai. de 1986, Xapuri - AC
No ano seguinte, pouco antes do Natal, no dia 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes seria assassinado a tiros na porta de casa, aos 44 anos. Só então o nome dele se tornou conhecido em todo o país como líder seringueiro e referência da causa ambiental. O assassinato repercutiu no mundo.
Cartas dos brasileiros e brasileiras
A carta de Chico Mendes e dos outros brasileiros e brasileiras que quiseram contribuir com a Constituição Federal agora podem ser consultadas através de uma plataforma desenvolvida pelo portal do Senado que permite buscas por temas, cidades e nomes dos autores.
A iniciativa de abrir espaço para que o povo contribuísse com sugestões para a nova Constituição surgiu no contexto da redemocratização, após duas décadas de ditadura militar.
A sociedade brasileira, ávida por maior participação nas decisões políticas, havia se mobilizado com força na campanha das Diretas Já entre 1983 e 1984, quando milhões de pessoas tomaram as ruas em defesa de eleições diretas.
Quando José Sarney, então presidente da República, convocou a Assembleia Nacional Constituinte em 1985, diversos setores da sociedade civil se organizaram para fazer parte desse processo histórico.
O slogan da época, “Constituinte sem povo não cria nada de novo”, refletia o desejo popular de estar ativamente envolvido na formulação das novas diretrizes do país.
Os constituintes, atentos ao espírito de participação, incluíram mecanismos para que a sociedade contribuísse na elaboração da Constituição.
Mais de mil pessoas foram ouvidas em audiências públicas e 122 emendas populares, organizadas por associações e apoiadas por mais de 12 milhões de assinaturas, chegaram ao plenário.
Só que a história das cartas seguiu um caminho distinto e igualmente impactante. Inicialmente batizado como Diga Gente e depois rebatizado para Projeto Constituição, o envio das cartas foi uma ideia do servidor do Senado William Dupin, que chefiava a Coordenação de Projetos Especiais do Prodasen, o órgão responsável pela tecnologia da informação na Casa.
O projeto ganhou apoio do então presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador José Ignácio Ferreira, do Espírito Santo, e possibilitou que milhares de cidadãos deixassem sua marca no processo de construção da nova Constituição.
Agora, mais de três décadas depois, essas cartas ganham nova vida, acessíveis a todos e revelando um capítulo essencial da história democrática do Brasil.
Acesse aqui o banco de dados das cartas
Proteção ambiental na Constituição
A Constituição Federal de 1988 é um marco importante para a proteção ambiental no Brasil, e foi a primeira a incluir um capítulo específico dedicado ao meio ambiente.
O artigo 225, que faz parte do Título VIII (Da Ordem Social), estabelece o meio ambiente como um direito de todos e impõe tanto ao Estado quanto à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
O artigo 225 dispõe, de forma clara, que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida".
Essa formulação cria uma obrigação legal para o poder público e para a sociedade civil de proteger e restaurar o meio ambiente, estabelecendo bases para a política ambiental brasileira.
Entre as principais disposições, o artigo 225 destaca algumas responsabilidades do poder público, como:
- Preservação e recuperação ambiental: O Estado tem o dever de garantir a preservação dos ecossistemas naturais, promovendo medidas para a recuperação de áreas degradadas e combatendo práticas que causem desequilíbrios ambientais.
- Política ambiental participativa: A Constituição introduziu a noção de que a sociedade deve participar ativamente nas decisões sobre políticas ambientais. Isso reflete a importância da participação popular em debates, projetos e ações que impactem o meio ambiente.
- Criação de espaços protegidos: Estabelece a criação de áreas especialmente protegidas, como as unidades de conservação, parques nacionais e reservas biológicas, com o objetivo de preservar os recursos naturais e a biodiversidade.
- Educação ambiental: O poder público deve promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino, com o objetivo de conscientizar a população sobre a importância da preservação ambiental.
- Controle da poluição e uso sustentável dos recursos naturais: A Constituição obriga o Estado a exigir estudos prévios de impacto ambiental para atividades que possam causar degradação, além de regular o uso sustentável dos recursos naturais, como a água, o solo e as florestas.
- Proteção à fauna e flora: Há um dispositivo que proíbe práticas que coloquem em risco as espécies de fauna e flora, prevendo a necessidade de proteção aos animais e à vegetação nativa.
Além disso, a Constituição criou o conceito de "responsabilidade civil e penal" para danos causados ao meio ambiente, significando que quem causar degradação ambiental deve ser responsabilizado, tanto do ponto de vista jurídico quanto financeiro.
Essas disposições colocam o Brasil como um dos primeiros países a reconhecer de forma tão abrangente o direito ao meio ambiente equilibrado, alinhando-se às discussões globais sobre desenvolvimento sustentável e proteção ambiental.
Ao longo dos anos, diversas leis complementares, como a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), reforçaram as diretrizes constitucionais, buscando implementar uma política efetiva de proteção ao meio ambiente no Brasil.
Golpe iniciou o desmonte da proteção ambiental da Constituição
Desde a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil experimentou importantes avanços na proteção ambiental, mas também enfrentou significativos retrocessos, especialmente nas últimas décadas.
Esses retrocessos incluem a flexibilização da legislação ambiental, que visa facilitar o desenvolvimento econômico às custas da preservação dos ecossistemas, e o enfraquecimento de mecanismos essenciais de proteção, como o licenciamento ambiental.
Um dos principais retrocessos foi a flexibilização do licenciamento ambiental, um processo que já era criticado por sua morosidade, mas que agora, com a proposta de Lei Geral de Licenciamento Ambiental aprovada na Câmara em 2021 (PL 3729/2004) e que agora tramita no Senado (PL 2159/2021), permite que grandes empreendimentos tenham menos exigências e controle.
Caso aprovada, a Lei Geral de Licenciamento Ambiental representa um risco para áreas sensíveis, como a Amazônia, e pode aumentar a vulnerabilidade de ecossistemas e comunidades tradicionais. A redução da obrigatoriedade de audiências públicas também enfraquece o papel da participação popular nos projetos com impacto ambiental.
Outro ponto crítico foi o aumento do uso de agrotóxicos. Entre 2019 e 2022, durante o Governo Bolsonaro, o Brasil registrou um número recorde de novos produtos liberados, muitos dos quais são proibidos em outros países. Esse uso crescente, impulsionado pela expansão do agronegócio, representa riscos à saúde pública e à biodiversidade, além de comprometer a segurança alimentar.
Além disso, a gestão ambiental tem sido desestruturada. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que historicamente desempenhava um papel crucial na regulação ambiental, sofreu mudanças que diminuíram sua representatividade e poder de decisão, o que foi amplamente criticado por ambientalistas.
Os principais desafios enfrentados pelo Brasil no contexto de emergência climática incluem a preservação da Amazônia, que continua sofrendo com altas taxas de desmatamento, e a implementação efetiva de políticas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Embora o Brasil tenha se comprometido com metas internacionais, como o Acordo de Paris, a falta de uma política ambiental robusta e o retrocesso nas proteções legais dificultam o alcance dessas metas.
A proteção dos direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, que desempenham um papel essencial na conservação dos ecossistemas, também é um desafio permanente.
A reversão dos retrocessos e a adoção de políticas mais rigorosas e inclusivas são fundamentais para que o Brasil possa enfrentar os desafios impostos pela crise climática e preservar seu vasto patrimônio ambiental.
O sonho de Chico Mendes
O sonho de Chico Mendes era garantir a preservação da floresta amazônica e a criação de um modelo de desenvolvimento sustentável que integrasse o bem-estar das populações tradicionais, como seringueiros e povos indígenas, com a conservação ambiental.
Ele lutava para que a floresta pudesse ser usada de forma sustentável, sem ser destruída pela exploração predatória, como o desmatamento para a pecuária e o agronegócio. Sua visão estava centrada na criação de reservas extrativistas, onde os recursos naturais poderiam ser aproveitados pelas comunidades locais sem causar danos permanentes à biodiversidade.
Chico Mendes acreditava que o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental podiam coexistir, desde que o foco estivesse nas necessidades das comunidades locais e nos recursos renováveis da floresta. Ele via na criação dessas reservas uma maneira de oferecer dignidade aos trabalhadores da floresta e, ao mesmo tempo, proteger o ecossistema amazônico.
No entanto, alcançar esse sonho tem sido extremamente difícil por vários motivos:
- Interesses econômicos poderosos: A expansão do agronegócio, mineração e pecuária continua sendo um dos principais motores de desmatamento na Amazônia. Grandes grupos econômicos têm interesses em áreas ricas em recursos naturais, e muitas vezes a preservação ambiental é vista como um obstáculo ao crescimento econômico.
- Falta de fiscalização e política ambiental: Nas últimas décadas, o Brasil tem enfrentado desafios significativos na implementação e fiscalização de políticas ambientais. A desestruturação de órgãos de controle ambiental e a flexibilização da legislação favoreceram atividades predatórias que intensificam o desmatamento.
- Violência no campo: Como Chico Mendes, muitos outros defensores do meio ambiente e dos direitos das populações tradicionais têm sido vítimas de violência. O conflito por terras na Amazônia continua sendo uma realidade, com o assassinato de líderes comunitários e ativistas ambientais, o que torna a luta pela preservação ainda mais perigosa.
Com informações da Agência Senado
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