O ciclo hídrico da Terra está fora de equilíbrio pela primeira vez na história da humanidade, segundo um relatório alarmante da Global Commission on the Economics of Water, divulgado na semana passada (17/10).
De acordo com o relatório, a interferência humana no clima e na gestão dos recursos naturais já atinge níveis que comprometem a disponibilidade de água para bilhões de pessoas, colocando em risco economias, a produção de alimentos e a subsistência de comunidades que dependem de forma direta desses recursos.
Te podría interesar
Isso porque o ciclo da água — responsável por movimentar o vapor entre oceanos, os continentes e a atmosfera — está sob uma “pressão sem precedentes”.
Como funciona
No ciclo da água, o processo de evaporação é responsável por transformar a água de rios, lagos e plantas em vapor, estimulando a formação de “rios aéreos” que viajam por grandes distâncias até formar precipitações na atmosfera.
Te podría interesar
As precipitações se tornam chuva ou neve, e abastecem os solos e os reservatórios d’água.
É esse processo que garante a estabilidade das reservas de água doce, vitais para consumo humano e irrigação na agricultura.
No entanto, a ação humana tem afetado essa dinâmica, com a emissão de poluentes e gases responsáveis por aumentar as médias de temperatura globais e modificar a geografia e as dinâmicas geológicas da superfície terrestre — o que prejudica a renovação dos recursos hídricos.
Conforme aponta o relatório, a crise hídrica já afeta cerca de 3 bilhões de pessoas em áreas onde a água se torna cada vez mais escassa.
As secas prolongadas reduzem a produtividade de culturas e diferentes cidades já enfrentam um “afundamento do solo” pelo esgotamento de águas subterrâneas.
Além disso, segundo previsões, a crise deve impactar mais de 50% da produção global de alimentos até 2050 e gerar prejuízos econômicos, com quedas de até 8% no PIB de países ao redor do mundo — um número que pode chegar a 15% nas nações mais vulneráveis.
Johan Rockström, co-presidente da comissão responsável pelo relatório, afirma que “a precipitação, fonte de toda a água doce”, não pode mais ser considerada “um fenômeno garantido”.
Essa mudança afeta o estoque de “água verde”, aquela que é armazenada nos solos e nas plantas. O vapor liberado pelas plantas sustenta cerca de metade das chuvas formadas na atmosfera, de acordo com especialistas.
“A estabilidade do suprimento de água verde é crucial para armazenar carbono e reduzir o aquecimento global, mas o desmatamento e a destruição de áreas alagadas comprometem essa função”, ressalta o relatório.
O professor Richard Allan, especialista em ciências climáticas na Universidade de Reading ouvido pela CNN, diz que a intervenção humana está “alterando o tecido do solo e do ar, aquecendo o clima e intensificando tanto os extremos de seca quanto de precipitação”. Allan afirma que a gestão sustentável dos recursos naturais e a redução drástica das emissões de carbono são medidas urgentes para evitar um colapso hídrico e climático.
Os autores do relatório sugerem ainda que é necessário reestruturar o lugar da água nas economias, inclusive mudando a forma como seu uso é tarifado para reduzir o desperdício.
Governos ao redor do mundo também deveriam passar a entender a água como um “bem comum” e transfronteiriço, considerando que o vapor d’água se movimenta e afeta a distribuição de chuva entre diferentes regiões.
Esses alertas são reforçados por imagens recentes, como a de um barco no Rio Negro, em Manaus, onde o nível do rio atingiu sua mínima histórica em meio à pior seca já registrada no Brasil desde 1950.
O cenário crítico é um sinal das mudanças climáticas intensificadas pela ação humana e evidencia o desafio de adaptar políticas e práticas para enfrentar a crise hídrica e climática global.