A produção de alimentos orgânicos pela agricultura familiar ainda é um desafio. Apesar do fornecimento de linhas de créditos direcionadas a essa área, os agricultores familiares enfrentam uma série de barreiras para acessá-las de maneira efetiva. Isso é o que aponta um estudo realizado pela Universidade de Brasília e pela Embrapa Cerrados e divulgado, nesta sexta-feira (23), na Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente.
A partir de entrevista com 2.325 produtores do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a pesquisa investigou os motivos para o baixo acesso de produtores familiares a linhas de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) - as chamadas Linhas Verdes.
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Responsável por 74% da mão de obra ocupada no campo, a agricultura familiar se caracteriza pela diversificação socioeconômica e pluriatividade, e se destaca na garantia da segurança alimentar, sendo responsável pela produção de grande parte dos alimentos no prato do brasileiro e pela redução do êxodo rural, como aponta o estudo.
Porém, apesar da sua importância, os pesquisadores apontam que a agricultura familiar tem estado às margens do desenvolvimento, passando por dificuldades que ameaçam sua existência, principalmente em relação à viabilidade econômica e subsistência no campo.
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Um desses desafios é a adoção da produção orgânica, que se coloca como alternativa que melhora as condições de renda, saúde e segurança alimentar dos agricultores familiares. Devido ao maior valor agregado dos produtos certificados, a produção orgânica é também mais lucrativa.
Do total de produtores que responderam o questionário, 29% apontaram que a falta de financiamento é o principal obstáculo para que não tenham uma produção orgânica. Porém, desse grupo, 42% sequer tentaram obter créditos rurais. Outros 50% apontam para o alto grau de esforço que envolve a contratação de operação de crédito rural.
Dentre os que conseguiram crédito rural, em diferentes instâncias, como bancos privados, cooperativas de crédito ou bancos públicos, 26% deles afirmam ter contratado operações rurais nas linhas para orgânicos e 74% em operações em outras linhas. Destes, apenas um relatou utilizar recursos do Pronaf.
Os produtores que optaram por outras linhas apontaram que os principais motivos para não acessarem as linhas para produção orgânica são o desconhecimento da opção de crédito (36%), a percepção de maior burocracia (18%) ou a ausência de assistência técnica para fazer a proposta (16%).
Os desafios da agricultura familiar
O economista agrícola e fundador da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia, Jean Marc Von Der Weid, afirma que o modelo de produção familiar, no geral, já enfrenta uma série de dificuldades. Ele cita que, apesar da existência de um programa voltado para a agricultura familiar, o Pronaf nunca deu conta de atender a todos. O auge do programa foi quando ele atingiu 2,1 milhões na época do 2° mandato do presidente Lula, quando estavam registrados mais de 4 milhões de produtores familiares.
Ao invés desse número aumentar nos anos seguintes, ele foi diminuindo, de acordo com Jean. Além disso, o economista também afirma que há uma concentração regional muito grande dos recursos, que ficam focados na região Sul devido a um maior grau de capacidade operacional dos produtores da região.
Jean também cita que um dos maiores investimentos do Pronaf foi a assistência técnica. No entanto, por outro lado, a quantidade de agricultores assistidos é muito pequena, cerca de 250 mil. O país tem, hoje, mais de 3 milhões de produtores familiares. Essa realidade reforça os resultados do estudo da UnB que apontam uma inadequação das políticas às necessidades reais dos agricultores.
De acordo com o economista, apesar da opção pela agroecologia e a produção orgânica ser obrigatória na assistência técnica, na prática, o recurso não vai exatamente nessas direções. Isso acontece, dentre outros fatores, devido à falta de técnicos formados em agroecologia e produção orgânica.
Para Jean, os problemas da produção orgânica - e também da agroecologia - enfrentados pelos agricultores apontam que não é possível depender apenas do sistema de créditos. É preciso montar um sistema de distribuição de fundos, criar uma política macro de médio a longo prazo para a formação e pesquisa universitária e em escolas técnicas para as áreas de produção orgânica e agroecológica. Também é preciso financiamento para o processo de transição dos agricultores.