Um dos coordenadores do Movimento dos Atingidos por Barragens, Joceli Andreoli, disse ontem em audiência pública no Congresso que os advogados da entidade esperam conseguir na Justiça britânica o que não conseguiram no Brasil: reparação individual justa para os brasileiros afetados pelo crime ambiental de Mariana.
Em 5 de novembro de 2015, o rompimento de uma barragem da Samarco no município mineiro matou 19 pessoas e devastou o leito do rio Doce, causando impactos em todo o vale, inclusive no litoral do Espírito Santo.
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A ação pede que as controladoras da Samarco, Vale e BHP, paguem o equivalente a R$ 230 bilhões.
Joceli denunciou que, no Brasil, o acordo que está sendo negociado entre o MPF e as duas empresas não inclui os direitos individuais dos atingidos e é por um valor que o ativista considera irrisório.
A estratégia da Vale e da BHP teria sido a de se antecipar à Justiça, gastar valores conforme suas prioridades e descontar posteriormente nos acordos. Para isso, teriam criado a Fundação Renova.
Abaixo, reprodução da fala de Joceli, editada para facilitar o entendimento:
O MAB já tem mais de 30 anos no Brasil lidando com esse tema dos atingidos. Eu fui atingido por uma barragem e vim para Minas Gerais, onde estou há 20 anos contribuindo na construção desse movimento social.
Fui morar em Governador Valadares e conheço a bacia do Rio Doce e também o litoral capixaba, e acompanhava, já antes do crime da Vale e da BHP lá em Mariana, a situação dos atingidos.
E hoje o tema é muito importante: a ação [judicial] inglesa, o que tem a ver com nós brasileiros, porque nós temos visto muita fake news.
Temos visto jogar várias coisas para a opinião pública, uma delas que vai se fazer no Brasil [com o Ministério Público Federal] o maior acordo da história do povo brasileiro. Mas não se fala que foi cometido aqui, pelas duas maiores mineradoras do mundo, o maior crime socioambiental dos últimos tempos.
Numa era em que se discute a importância da questão ambiental, a quantidade de atingidos pelas mudanças climáticas provocadas pelo atual modo de produção.
O Brasil precisa dar uma resposta. O Brasil, a Inglaterra e a Austrália, que são corresponsáveis, sede dessas empresas multinacionais.
Uma segunda fake news é que a ação [movida na] Inglaterra fere a soberania. O que é ferir a soberania brasileira?
É deixar o nosso povo abandonado, oito anos já. Muita gente acha que oito anos se passaram e que já está resolvido, porque a sociedade não ouve mais falar de Mariana, dos problemas da bacia do Rio Doce e litoral capixaba.
É importante dizer que há milhares de famílias, é um crime que se repete através da [Fundação] Renova, que foi criada pelas empresas para renovar o crime.
No pedido [à Justiça] queremos a destituição dessa entidade, desta empresa, que gastou um monte de dinheiro e não resolveu o problema até hoje.
Eu estive agora, provavelmente na última audiência, em que a Justiça inglesa ouviu a Vale.
A primeira façanha importante dessa ação é a quantidade de pessoas que aderiram à ação para exigir seu direito lá na Inglaterra também.
Por que? Porque a BHP tem sua matriz lá, a empresa recebe grandes taxas de lucro do que é exportado do Brasil. Ela tentou escapar, dizendo que a matriz era uma coisa, que a filial era outra.
Esse é um debate que o MAB faz, inclusive essa Casa aqui tem projetos de lei, para tentar criar parâmetros regulatórios de controle das transnacionais, que acham que nós somos um país colônia até hoje, que podem fazer o que quiserem aqui.
Infelizmente, até hoje não tem um marco regulatório de proteção dos atingidos no Brasil.
Se nós fizermos uma análise do Judiciário em nosso país, de como ele tratou o caso de Mariana, é uma vergonha, aí sim é uma falta de soberania.
Eu vou falar de um fato apenas, o fato de que o juiz que por muito tempo coordenou a situação na bacia do Rio Doce, na 12ª Vara Federal. Depois de muita denúncia, ele foi declarado suspeito.
O Ministério Público Federal, o Estadual, as defensorias assinaram e pediram a suspeição do juiz porque ele estava criminalizando a organização popular dos atingidos, ele escreveu ressalvas a um aditivo negociado pelas instituições -- com participação dos atingidos -- para ter assessorias técnicas independentes avaliando a bacia do rio Doce.
Ou seja, um juiz que apitou de um lado, com parcialidade.
Ou seja, a Justiça brasileira foi conivente, e ela é conivente, com oito anos de não ter a reparação na bacia do rio Doce.
Agora a Justiça brasileira está coordenando essa repactuação sem a participação dos atingidos, quando o discurso das autoridades e instituições é que o atingido é o primeiro na lista da negociação.
Mas não está sendo considerado o direito individual das pessoas, do mesmo jeito que fizeram em Brumadinho.
Então isso é uma farsa, virou politicagem o acordo de Brumadinho, serviu para o [Romeu] Zema se eleger, porque pegou R$ 11 bilhões [do acordo], botou no caixa de Estado com obras encomendadas, sob o interesse inclusive das mineradoras, repassou para todos os municípios de Minas R$ 1,5 bilhões de reais, o que foi um milagre eleitoral em Minas Gerais. Agora quer fazer a mesma coisa com o acordo de Mariana, para disputar a eleição de presidente da República.
Esse fato não pode virar politicagem, aqui tem violação de direitos humanos, tem um país que foi prejudicado pelas mineradoras.
Não tem participação dos atingidos [no acordo negociado pelo MPF], não está tratando do direito individual na mesa de negociação e os valores de que se fala são uma vergonha.
Temos mais de um milhão de atingidos na bacia do Rio Doce e litoral capixaba, quase 700 mil conseguiram entrar na ação.
Os valores são uma vergonha, passam longe inclusive do que a Vale já aceitou em Brumadinho.
Repactuação sem participação de atingido é farsa, sem tratar do direito individual, do direito dos municípios e sem valores adequados. Nós não podemos ser reféns deste acordo.
Nós estamos há oito anos sofrendo na bacia do rio Doce, agora nós queremos Justiça, a ação inglesa faz um contraponto à Justiça brasileira.
Faz também uma grande pressão nas empresas. Eu vi com meus olhos.
Eu estive lá no tribunal, no momento em que o advogado da Vale, tentando tirar a Vale do processo, como ele perdeu o rebolado no momento em que a juiza disse: ó, seu tempo está acabando, você está perdendo seu tempo aqui.
Foi muito firme a juiza que estava conduzindo a audiência e o cara se perdeu. Por que?
Porque achou que estava no Brasil, como eles fazem aqui com o Judiciário, porque tem proteção muitas vezes dentro do Judiciário.
Nós estamos com esperança de que essa ação ajude na pressão às empresas e exigimos também a ação do governo federal, nós discutimos isso aqui na transição, quando eles queriam fechar um acordo de portas fechadas, urgente, estava tudo acertadinho para ter o acordo com o governo Bolsonaro e Zema.
O governo federal tem mecanismo para fazer pressão.
Vamos exigir participação dos atingidos. Exigir participação e valores adequados, porque saiu na imprensa que os valores [em negociação no Brasil] são insignificantes.
Vai ficar que nem em Brumadinho: faz um acordo, saem os holofotes e fica o povo lá, sem o direito.
Agora nós temos toda a dificuldade de recorrer ao Judiciário brasileiro, ganhamos uma ação boa na primeira instância, a Vale agravou, atrasou o processo, agora voltou para a primeira instância.
Nós temos experiência, não somos bobos e não vamos permitir que se faça um acordo sem critérios mínimos.
A ação inglesa pode ajudar nisso, juntando à pressão internacional.
Esperamos que o governo brasileiro se coloque com autoridade nessa questão, aí sim será possível fazer um acordo inédito neste país, porque as condições estão dadas.
Para concluir, nós estamos fazendo uma grande campanha chamada Revida Mariana, justiça para limpar essa lama, e tem mais de 100 entidades, movimentos nacionais, que assinaram o manifesto.