O El Niño deve se intensificar nos próximos meses e ter pico entre dezembro e janeiro, durante o verão no Brasil e em meio à crise climática. O fenômeno aproxima o planeta de um "ponto de ruptura", isto é, alterações ambientais irreversíveis, de acordo com um estudo que reúne mais de 200 pesquisadores.
De acordo com o relatório Global Tipping Points 2023, elaborado por cientistas da Universidade de Exteter, da Inglaterra, alguns danos sofridos pelo planeta neste ano "representam algumas das ameaças mais graves enfrentadas pela humanidade", de modo que prejudicaram as condições de vida no planeta e tendem a causar efeitos muito maiores do que seus impactos iniciais à sociedade.
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Os pontos de inflexão negativos mostram que a ameaça representada pela crise climática e ecológica é muito mais grave do que normalmente se entende e é de uma magnitude nunca antes enfrentada pela humanidade.
O documento aponta que a intensificação das mudanças climáticas, por meio do El Niño, por exemplo, encaminha um ponto crítico no planeta que, se ultrapassado, pode causar eventos ambientais catastróficos e alterações abruptas: "Os estresses ambientais poderão se acumular tal gravidade que grandes partes da natureza serão incapazes de manter seu atual estado, levando a mudanças abruptas e/ou irreversíveis", registra o relatório.
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O aquecimento global serve de exemplo para a análise dos efeitos das mudanças climáticas no cotidiano. Em 2023, o Brasil registrou temperaturas a partir de setembro.
Em 17 de novembro, a sensação térmica bateu recorde no país e chegou aos 59,7ºC na estação de Guaratiba, Zona Oeste do Rio de Janeiro (RJ). Em novembro, a prefeitura da capital fluminense anunciou um plano de contingência para mitigar os efeitos das ondas de calor no município.
O El Niño é um fenômeno global no qual ocorre o aumento anormal de temperatura das águas superficiais e sub-superficiais do Oceano Pacífico. Os efeitos são mais intensos na faixa da linha do Equador, podendo mudar correntes de vento, chuva, temperatura e umidade no planeta. Intensificado pelas mudanças climáticas, ele causa secas, inundações e aquecimento das águas dos oceanos.
Em outubro, o Rio Negro, no Amazonas, apresentou a pior seca dos últimos 121 anos, que afetou as vidas de mais de 600 mil pessoas no estado. O transporte, o comércio e a alimentação são algumas das principais dificuldades enfrentadas pelos moradores da região.
"Nos últimos anos, eventos extremos do El Niño combinados com o aquecimento global tornaram-se cada vez mais associados a situações extremas sem precedentes, seca e estresse térmico em toda a bacia amazônica, levando a aumentos na mortalidade de árvores, incêndios e morte", indica o relatório.
Enquanto a estiagem atingia o Amazonas, o Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, vivia embaixo da água. A disponibilidade da umidade, causada pelo aquecimento da temperatura do oceano, somada às sucessivas áreas de baixa pressão no estado provocaram chuvas generalizadas e frequentes.
O desencadeamento de um ponto de inflexão do sistema terrestre poderia desencadear outro, causando um efeito dominó de danos acelerados e incontroláveis. Os pontos de ruptura mostram que a ameaça global representada pela crise climática e ecológica é muito mais grave do que normalmente se entende.
Um relatório da NOAA (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional, dos EUA) apontou que o segundo semestre de 2023 seria marcado pelo "Super El Niño", de intensidade moderada a forte. A probabilidade calculada do aumento das temperaturas em 1ºC foi de 80%, de 1,5ºC foi de 50% e de 2ºC ou mais foi de 20%.
A Organização Meteorológica Mundial, da Organização das Naçoes Unidas (ONU), projetou um aumento anual de 1,4º C em 2023, em comparação com o preíodo pré-industrial (1850-1900). Como parâmetro, o mês de outubro foi o mais quente registrado na história do planeta Terra, com temperatura média na superfície de 15,38ºC.
Um El Niño extremo provoca um aumento na temperatura média global da superfície de até 0,25°C, contribuindo para a prevalência de ondas de calor no planeta.
Segundo o Copernicus, sistema de observação da Terra da União Europeia, o mês de novembro teve intensidade de calor acentuada. O mês foi 1,75ºC mais quente do que a média do mês no período pré-industrial.
Relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês, têm exibido que o aquecimento global acima de 1,5ºC causaria danos irreversíveis ao planeta e à humanidade. A meta apresentada é da redução de emissões de gases do efeito estufa até 2030 e extinção até 2050.
O pico de temperatura no Brasil
Em dezembro, mês que marca o início do verão, as temperaturas devem aumentar, bem como a frequência e intensidade de chuvas no país. Conforme informações do Climatempo, quase todos os estados do Brasil enfrentarão temperaturas acima da média no mês, com destaque para a região central do país.
As projeções climáticas sugerem que uma faixa de calor extremo deve atingir partes das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte, além do norte de Minas Gerais. O Rio Grande do Sul, por sua vez, deve ter temperaturas próximas da média histórica do mês.
- Região Centro-Oeste: os três estados e o Distrito Federal passarão por altas temperaturas. O Climatempo informa que o sul e leste do Mato Grosso do Sul devem esperar chuvas, embora o Pantanal teria precipitações abaixo da média, com temperaturas acima de 40ºC.
- Região Nordeste: a costa norte espera um aumento no volume de chuvas provocado pelo fluxo de umidade da Amazônia gerado a partir da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) – deslocamento dos ventos tropicais do Atlântico à região equatorial. As temperaturas devem ficar pouco acima da média.
- Região Norte: as chuvas devem aumentar, mas permanecerão ainda abaixo da média, conforme as projeções meteorológicas. Roraima e o oeste do Amazonas podem ter precipitações frequentes, o que deve aumentar o nível do rio Negro.
- Região Sudeste: chuvas mais frequentes e volumosas podem marcar o dezembro na região, provocadas por ondas de calor e alta umidade. Fortes chuvas devem atingir o interior do estado de São Paulo e o sul do Rio de Janeiro, com ondas de calor extremo na Baixada Fluminense.
- Região Sul: são esperadas chuvas acimas da média e enchentes de rios, principalmente na fronteira com a Argentina. O interior dos estados de Paraná e Santa Catarina têm possibilidade de maiores ondas de calor, enquanto o Rio Grande do Sul deve ser afetado com frentes frias.
Em julho, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) lançaram uma nota que registra mais de 90% de chance do El Niño acontecer até o final de 2023. Os institutos apresentaram os principais impactos projetados do El Niño nas regiões brasileiras:
- Região Centro-Oeste: tendência de chuvas acima da média climatológica e temperaturas mais altas no sul do Mato Grosso do Sul, aumento da chance de queimadas durante o período seco (inverno e início da primavera);
- Região Nordeste: secas de diversas intensidades no norte do Nordeste durante a estação chuvosa (fevereiro a maio) e variações no Oceano Atlântico Tropical. O sul e o oeste da região não são significativamente afetados;
- Região Norte: secas moderadas a intensas no norte e leste da Amazônia e aumento da probabilidade de incêndios florestais, sobretudo em áreas de florestas degradadas;
- Região Sudeste: aumento moderado de temperaturas médias (inverno e verão), aumento da chance de queimadas durante o período seco (inverno e início da primavera) e mudança nas chuvas no extremo sul de São Paulo;
- Região Sul: chuvas com frequência acima da média (primavera e verão) e aumento da temperatura média.
O impacto no preço dos alimentos
A safra agrícola de 2023-24 pode ser diretamente afetada pelo El Niño. O aumento das chuvas no litoral da Região Sul tem criado dificuldades no plantio de soja, devido ao solo úmido, e na saúde das lavouras de trigo, uma vez que a umidade favorece o aparecimento de doenças. No norte do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, a irregularidade das chuvas e o atraso no reinício tem a probabilidade de impactar nas culturas.
Os El Niños de escala forte foram vistos na temporada 1997-98 e 2015-16, a última marcada pela quebra global de grãos e açúcar, que elevaram os preços de commodities agrícolas. A inflação de alimentos cresceu em 9,2% e o PIB da agropecuária do Brasil caiu em 4,9%. O cenário de 2023-24 alerta os riscos de um verão comprometido pelos impactos do fenômeno.