TERRA INDÍGENA IBIRAMA-LAKLAÑO

Justiça Federal obriga Estado de Santa Catarina a atender reivindicações do povo Xokleng

A mando do governador Jorginho Mello (PL), tropa de choque da PM invadiu território para fechar comportas da Barragem Norte, em José Boiteux, descumprindo acordo com indígenas para mitigar impactos da medida

A Barragem Norte, em José Boiteux (SC), dentro da Terra Indígena Ibirama-Laklaño.Créditos: /Foto: Renato Santana/Cimi
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Na manhã do último domingo (8), a tropa de choque da PM de Santa Catarina invadiu a Terra Indígena Ibirama-Laklaño, onde vive o povo Xokleng no interior do estado, a mando do governador Jorginho Mello (PL) para fechar as comportas da Barragem Norte, no município de José Boiteux e dentro do território indígena. O objetivo era amenizar a cheia do rio Itajaí-Açu nas cidades que estão construídas no seu leito. No entanto, os indígenas apontaram uma série de impactos que o alagamento da região iria ocasionar e fez um acordo - não cumprido pelas autoridades - em que o Estado deveria garantir algumas medidas de mitigação desses impactos.

Mas a ação da PM, além de passar por cima do acordo, ainda agrediu os moradores da área com balas de borracha. Três indígenas foram baleados, um deles perto dos olhos e por centímetros não perdeu a vista.

Horas depois, no período da tarde, a Justiça Federal em Blumenau – uma das cidades afetadas pelas chuvas que enchem o rio Itajaí-Açu – realizou uma audiência sobre a disputa. Nela, o juiz Victor Hugo Anderle determinou que o Estado de Santa Catarina cumpra com sua parte do acordo.

Em primeiro lugar, ficou decidido que a Polícia Militar deveria deixar o território. Em seu lugar, conforme solicitado pelo Ministério dos Povos Indígenas, a Polícia Federal ficará na região para resguardar a comunidade e vigiar a controversa barragem durante 10 dias.

A decisão também estabeleceu que o governo estadual tem até 10 dias, o período da presença da PF no território, para apresentar um cronograma de atenções do acordo prévio. Além disso, em 24 horas (prazo que se encerra nas próximas horas) Santa Catarina também deverá apresentar laudo ou estudo técnico que permita constatar a segurança e as consequências do fechamento da Barragem Norte.

O acordo firmado no sábado (7) entre a comunidade e as autoridades estaduais previa a desobstrução de vias, equipes de atendimento de saúde 24h, três barcos para atender demandas de transporte sobre a área alagada, ônibus para idas e vindas dos indígenas à cidade mais próxima e fornecimento de água potável e cestas básicas. Além disso, também foi acordado que o Estado reconstruiria em áreas seguras as casas das famílias que se encontram na área de alagamento.

A Barragem Norte

A Barragem Norte, localizada dentro da Terra Indígena Ibirama-Laklaño, no município de José Boiteux, tem 357 milhões de metros cúbicos de capacidade segundo a Defesa Civil de Santa Catarina. Foi construída durante o regime militar justamente com o intuito de diminuir as enchentes na região. Começou a operar em 1992 mas desde 2007 está abandonada.

O objetivo do governo Estado com o fechamento das comportas é segurar as águas das chuvas na antiga barragem a fim de reduzir o volume da cheia do rio Itajaí-Açu, que vem causando estragos em diversos municípios da região – sobretudo em Blumenau onde a famosa Oktoberfest teve de ser cancelada. No entanto, apontaram os indígenas antes da operação, a medida não resolverá o problema.

Os indígenas dizem que o fechamento das comportas terá o efeito prático de alagar uma série de aldeias estabelecidas nos arredores da usina e ainda oferece o risco de um rompimento, com consequências muito mais catastróficas tanto para os Xokleng como para os municípios construídos às margens do rio. Nas redes sociais, a página Juventude Xokleng alerta que uma tragédia semelhante a de Brumadinho pode estar sendo gestada.

“Isso é um completo descaso com a vida dos povos indígenas. É algo que a gente enxerga nitidamente como racismo ambiental, em prol de uma necropolítica com a qual o estado toma controle de uma situação para escolher quais vidas são mais importantes e vão sobreviver. Sem falar na brutalidade do braço armado do estado, a PM, que tem agido de forma violenta tanto da forma física quanto psicológica. Tivemos agressões a um homem ancião e também uma mulher jovem, todos do povo Xokleng, que estavam fazendo bloqueios para que a polícia não conseguisse efetuar o fechamento da barragem”, contou Ingrid Pohyn Sateré Mawé, liderança indígena, à Fórum.

Na noite de domingo, os Xokleng denunciaram que estradas que dão acesso ao território já estavam obstruídas e que algumas aldeias já estariam alagadas na manhã desta segunda-feira (9).

Fontes da Fórum no território Xokleng enviaram um vídeo que mostra a velocidade em que a água está subindo no local. Um homem, morador da região, coloca uma pequena pedra, de 3 ou 4 centímetros de altura, no máximo, em local ainda seco. Em menos de um minuto, a água já a cobria.

“É muito preocupante o que a gente está vivenciando no estado de Santa Catarina. Mais uma vez a gente vê o lucro acima da vida, e mais uma vez a gente tem a possibilidade de passar por uma situação muito trágica, que vai atingir hoje não mais só os povos indígenas, mas toda a população ao redor. Isso nos entristece bastante”, conclui Ingri Pohyn Sateré Mawé.

UFSC se pronuncia sobre o caso

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) se pronunciou sobre o caso. Em nota divulgada no seu site, a instituição diz receber os acontecimentos com "grande preocupação".

"Não se trata de questionar as razões técnicas sobre o efeito da medida, mas as consequências que poderá provocar na vida e no território desta população, cuja sobrevivência também passou a estar em risco. Questiona-se ainda o uso excessivo da força para imposição da ordem judicial, que resultou em indígenas feridos", diz a nota.

Em seguida, a UFSC exige que o governo estadual cumpra com a sua parte do acordo e pede respeito e solidariedade com os povos indígenas.

"A sociedade acompanha e exige que o Governo do Estado cumpra as medidas necessárias e suficientes para proteger os indígenas, a integralidade do acordo fechado com as lideranças para fechamento das comportas e todas as decisões judiciais anteriores que garantem direitos e prerrogativas ao povo daquele território. Ao mesmo tempo se solidariza e exige respeito aos povos originários", conclui a nota.