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Marina Silva diz que agenda ambiental será prioridade do governo Lula

Uma das maiores referências em meio ambiente do planeta, Marina Silva garante que o Brasil voltará a liderar a agenda ambiental global, mas que o desafio em relação ao país é imenso, a começar pela preservação e recuperação da Amazônia

Marina Silva e Lula.Ex-ministra do Meio Ambiente e presidente eleito na COP27, realizada no Egito. Créditos: Divulgação
Escrito en MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE el

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Eleita deputada federal pela Rede em São Paulo, a ex-ministra Marina Silva, reconhecida como uma das mais influentes líderes do tema do meio ambiente no mundo, descartou, em entrevista à TV Fórum no último dia 5, ocupar o posto de Autoridade Climática do Brasil. Ela falou sobre os imensos desafios colocados para o Brasil e refletiu sobre sua trajetória pessoal.

O QUE SERÁ O GOVERNO DE FRENTE AMPLA

Há muitas questões envolvidas, muitos significados e significações em um governo de frente ampla. Depois da reconquista da democracia, depois de um longo período de revezamento entre PT e PSDB no governo nós temos o que eu consigo perceber como uma espécie de segunda chance, que infelizmente no passado não tivemos condições de construir: uma relação entre a esquerda e o campo mais de centro-esquerda de centro-direita muito importante para o Brasil. 

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Depois da reconquista da nossa democracia, houve um período de intensa polarização que não foi boa para a democracia nem para as políticas públicas, ainda que tenhamos feito muitas coisas boas durante esse período. Dois exemplos são a estabilidade econômica conseguida nos governos do PSDB e que permaneceu sobretudo nos governos do presidente Lula e as conquistas sociais dos dois governos do presidente Lula. Creio, entretanto, que teríamos avançado mais se houvesse um diálogo entre PT e PSDB. Agora, chegamos a uma situação limítrofe que é essa de quase derrota da democracia, com um estrago terrível das instituições públicas e das políticas públicas. Temos uma segunda chance. Tivemos a sabedoria de ganhar com uma frente ampla; é preciso mais sabedoria ainda para governar numa frente ampla e criar um novo ecossistema político onde a gente possa estabelecer consensos progressivos, com uma agenda estratégica à frente. Isso não quer dizer eliminar as diferenças inclusive, pois os projetos políticos distintos são legítimos. Mas precisaremos separar essas disputas políticas que são conjunturais daquilo que é estrutural para o país em educação, economia, meio ambiente e sobretudo no combate às desigualdades sociais. Creio que são duas agendas: meio ambiente e combate às desigualdades.

CAMINHOS NOVOS

Precisamos olhar para nós mesmos e entender no que foi que nós erramos. A grande Hannah Arendt coloca naquele capítulo fantástico sobre a condição humana, ela reflete sobre a força do irreversível. O que já aconteceu é irreversível, nós não conseguimos mudar. Mas nós podemos ressignificar essa experiência. Arendt apresenta outro elemento que é fundamental: diante do imprevisível -porque temos um momento de imprevisibilidade- o que nos sustenta, o que nos dá um chão para que a gente não caia na vertigem e não fiquemos próximos ao abismo é o valor da promessa. Qual a nossa promessa? É termos um país que seja democrático, que combata as terríveis desigualdades contra as mulheres, contra os pretos, contra as populações indígenas e a população lgbtqia+. Um país que seja capaz de mudar o modelo destrutivo dos nossos recursos naturais e dos nossos povos originários e combater a desigualdade. Democracia com sustentabilidade é o binômio dessa promessa, para que possamos ter uma sustentação, para um futuro de novos ideais identificatórios.

RECONCILIAÇÃO

O psicanalista argentino Jorge Gonçalves da Cruz trabalha muito com conceito que ele toma do Winnicott [psicanalista inglês], o de descontinuidade produtiva. Existem as rupturas abruptas, a maioria delas são destrutivas. E Cruz fala de uma descontinuidade produtiva. Eu então proponho que pensemos numa descontinuidade no campo afetivo que não se paute pelos afetos negativos. 58 milhões de brasileiros votaram em Bolsonaro e eles não podem ser tratados como gado, eles sequer são necessariamente bolsonaristas-negacionistas. São pessoas que por alguma razão nessa conjuntura dos últimos anos vêm votando no Bolsonaro, mas é preciso cultivar abertura para que elas possam perceber a possibilidade de outro meio para realizar e atender as demandas delas, demandas justas por saúde, educação, moradia, transporte, segurança. Creio que isso é possível.

AUTORIDADE CLIMÁTICA

Vivemos no mundo a crise ambiental mais dramática que o planeta já experimentou. A ciência comprovou que vivemos um tempo de mudança climática. Perda de diversidade e desertificação são dois exemplos do que está acontecendo em função do aumento da temperatura da Terra. Quando a gente vê essas chuvas terríveis que estão acontecendo, o que vimos em Petrópolis, em São Paulo, em Pernambuco, no sul da Bahia… Tudo isso tem a ver com a mudança climática. Quando você vê tempestade de areia em São Paulo, uma coisa terrível, é resultado e evidência da mudança climática. O Brasil já perdeu algo em torno de 15% da sua superfície de água! 

A ideia de uma autoridade nacional para a segurança climática tem a ver com esse risco e a responsabilidade que o Brasil tem em dar sua parcela de contribuição, assim como os Estados Unidos, a China, a Índia, a União Europeia, o Reino Unido, Japão, todos temos compromissos.

A autoridade nacional climática vem exatamente para olhar para os compromissos do Brasil consigo mesmo e com o planeta e verificar: nós estamos cumprindo com a nossa meta? Nossa trajetória no setor de energia, no setor de transporte, na indústria, na questão das

florestas, na agricultura, está indo numa trajetória para que o Brasil diminua as suas emissões de CO2 e ajude a preservar a vida no planeta? Essa é a função da autoridade climática que vai verificar se estamos mitigando o que leva ao aquecimento do planeta e naquilo que já é irreversível, se estamos adaptando. Estamos fazendo adaptações que

criem capacidade de resiliência para que a gente possa suportar os efeitos negativos do estrago? Uma autoridade nacional irá trabalhar com os dados de como as autoridades responsáveis pelas políticas públicas na área da agenda do clima estão cumprindo suas metas, assim como o setor privado. Nós temos as autoridades monetárias para fazer o mesmo na esfera da economia, indicar a defasagem entre o projetado e o realizado e aí o governo que corra atrás para cumprir o estabelecido.

A autoridade climática tem um aspecto de diagnóstico, tem uma faceta de ciência porque envolve também apresentar processos de modelagem. Precisamos criar modelos para poder indicar o que pode acontecer daqui a cinco anos, daqui a dez anos. 

Por exemplo, temos uma meta de chegar a desmatamento zero em 2030, que é um prazo curto, está bem ali. A autoridade climática ficará o tempo todo alertando os gestores públicos de que a meta precisa ser alcançada. Essa autoridade irá colocar em primeiro lugar o grave problema das emissões por desmatamento. Veja bem, 75% das nossas emissões vem do uso da terra para a agricultura. A autoridade climática precisa fazer diagnósticos, prospecção de cenários e orientação de políticas públicas.

Há um aspecto fundamental: o presidente Lula disse que a política vai ser transversal e isso quer dizer que a autoridade climática terá interlocução com todas as esferas do governo e da sociedade. 

OS PLANOS COM LULA E O QUE VIRÁ 

Tive um excelente encontro programático com o presidente Lula em setembro. Depois de uma longa conversa pessoal, que foi muito boa, nos abrimos para uma conversa pública na qual apresentei uma proposta robusta para a política ambiental brasileira que se somou às formulações que já vinham sendo feitas pela campanha do presidente Lula no âmbito da Fundação Perseu Abramo sob a liderança do Aloizio Mercadante. 

Essa soma constituiu a política e as diretrizes da política ambiental do governo Lula.  A política será transversal: iremos fortalecer o Sistema Nacional de Meio Ambiente, haverá investimento em desenvolvimento sustentável, controle e participação social…

Eu fico muito feliz de que tudo isso hoje seja parte das diretrizes do governo. A experiência da COP27 foi relevante, porque pudemos dialogar e participar com o Reino Unido, com a França no caso, tive excelentes reuniões com o governo do Canadá, com a vice-presidente do governo da Espanha, encontros com três do Banco Mundial, do Banco Interamericano, além de várias organizações da sociedade civil. A perspectiva é de muita cooperação. 

Quanto à autoridade climática, ela terá um perfil eminentemente técnico e teremos um nome de altíssimo relevo para a autoridade climática, que seja uma pessoa essencialmente técnica e respeitada do ponto de vista científico no Brasil e no exterior.