Desde a virada do século, a presença de personagens LGBT+ se tornou uma constante em filmes, novelas, séries e no teatro, marcando uma nova etapa nas políticas de representatividade e visibilidade.
No entanto, apesar do avanço da representatividade de tramas e personagens LGBT na indústria cultural, nem sempre foi assim. Até pouco tempo atrás, a cultura de massas era completamente branca e heterossexual.
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Dessa maneira, pode-se afirmar que a indústria cultural passou/passa por um processo de transformação, que pode ser dividido em dois tempos: da invisibilidade para a visibilidade, da vergonha para o orgulho, da humilhação para a revolução.
É justamente com esse espírito de fazer uma arqueologia do cinema LGBT nos últimos 50 anos que ocorre a segunda edição do Território Queer, organizado pela Spcine e pelo Instituto Cervantes, e que será realizado no Centro Cultural de São Paulo (CCP), com início nesta quarta-feira (24). A programação é inteiramente gratuita.
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Em entrevista exclusiva à Fórum, o diretor de inovação e políticas audiovisuais da Spcine, Emiliano Zapata, fala sobre a divisão histórica dos filmes pensada para a segunda edição do evento e destaca o que mudou no cinema LGBT antes e depois do levante de Stonewall, ocorrido em 1969, nos EUA.
"Antes de Stonewall, as poucas representações que existiam da nossa comunidade eram carregadas de culpa e tragédia. Personagens queer morriam no final, eram ridicularizados, apagados. Depois de 1969, começa a surgir uma nova estética: a do enfrentamento, da afirmação", analisa Emiliano Zapata.
Fórum - Como você avalia o panorama do cinema queer atualmente?
Emiliano Zapata - Olha, eu vejo o cinema queer hoje num momento muito fértil — e também muito ousado. A gente saiu daquele lugar de marginalidade, do “personagem secundário”, e passou a ocupar o centro da narrativa. Não só isso: estamos produzindo com liberdade estética, com linguagem própria. É um cinema que não precisa mais pedir permissão. Ele existe, ele propõe, ele confronta — e, ao mesmo tempo, emociona, toca. Claro que ainda há desafios enormes, principalmente em relação à distribuição e ao acesso. Mas o que está sendo feito… é potente demais.
Fórum - No Brasil, tivemos, recentemente, dois filmes LGBT aclamados pela crítica e com bom público nos cinemas (“Baby” e “Homem com H”). A cinebiografia de Ney Matogrosso levou mais de 500 mil pessoas às salas. Como avalia isso?
Emiliano Zapata - É muito simbólico. O Ney é um ícone — não só da música, mas da liberdade, da subversão, do corpo em potência. Ver a história dele lotando salas de cinema é uma resposta direta à caretice, à censura, ao moralismo que ainda ronda o Brasil. E Baby traz outra camada: é um filme mais jovem, cru, sensível. Ou seja, a gente está vendo o público se abrindo para diferentes formas de narrativa queer. Isso é sinal de amadurecimento. E é um recado: nossas histórias interessam, sim — e merecem estar nas telas grandes.
Fórum - Nos últimos 25 anos, vivemos um paradoxo no Brasil: a chegada da esquerda ao poder central e a ascensão de movimentos LGBT, inclusive com a maior Parada do Orgulho do mundo. Como resposta, a extrema direita entrou em ascensão e governou o país (2019-2022). Ao mesmo tempo, tivemos a eleição de representantes LGBT. Como avalia esse contexto?
Emiliano Zapata - Esse é o Brasil das contradições profundas. Ao mesmo tempo em que caminhamos a passos largos no campo simbólico e ocupamos espaços de poder — seja nas ruas ou nas instituições —, enfrentamos um reacionarismo violento e organizado. A eleição de pessoas LGBTQIA+ é um sinal de que estamos vivos e conscientes, mas também evidencia o risco constante de retrocesso. Por isso, o papel da arte é ainda mais fundamental: o cinema pode ser um espaço de denúncia, de afeto e de imaginação política. Precisamos de mais representantes, sim — mas também de mais narrativas que disputem o imaginário coletivo.
Fórum - Qual é a importância do cinema na discussão sobre direitos LGBT?
Emiliano Zapata - Gigantesca. O cinema é linguagem, é memória, é disputa de imaginário. Quando a gente se vê na tela — com dignidade, com desejo, com complexidade — a gente se reconhece como sujeito. E isso transforma tudo. O cinema pode tocar onde a política institucional às vezes não alcança: no afeto, na empatia, na construção de um outro olhar. Por isso, democratizar o acesso ao audiovisual é também uma questão de justiça social. E de sobrevivência simbólica.
Fórum - O que muda nos filmes antes e depois de Stonewall?
Emiliano Zapata - Tudo. Antes de Stonewall, as poucas representações que existiam da nossa comunidade eram carregadas de culpa, de tragédia. Personagens queer morriam no final, eram ridicularizados, apagados. Depois de 1969, começa a surgir uma nova estética: a do enfrentamento, da afirmação. A gente passa a contar nossas próprias histórias, com nosso olhar. É o início de um cinema que se entende como arma política — e também como lugar de afeto e reinvenção. Stonewall não foi só uma revolta de rua — foi uma revolução de linguagem também.
SERVIÇO:
Território Queer
Onde: Centro Cultural de São Paulo - Rua Vergueiro, 1000 - Liberdade, São Paulo (Metrô Vergueiro)
Quando: de 24/6 a 11/7
Entrada Gratuita. Retirada de ingressos na bilheteria física do CCSP, 1h antes da sessão
Classificação indicativa: 18 anos
Para mais informações, clique aqui.