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Em gravação na qual Verônica nega ter sido torturada, é possível ouvir uma voz ao fundo como se estivesse ditando sua fala. "A maneira degradante como ela foi exposta constitui clara violação", destaca advogado criminalista Pedro Munhoz, referindo-se à foto em que a modelo aparece com o rosto desfigurado e seminua
Por Jarid Arraes
O caso das agressões sofridas pela modelo Verônica Bolina no Distrito Policial do Bom Retiro, em São Paulo, vêm provocando mais revolta à medida em que emergem novas informações. Ela foi detida após se envolver em uma briga com uma vizinha no último domingo (12) e apareceu nas manchetes por ter arrancado parte da orelha de um carcereiro com uma mordida.
Em áudio divulgado pela coordenadora de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo, Heloísa Alves, é possível ouvir uma voz, que seria de Verônica Bolina, afirmando que não foi torturada. "Eu agredi e fui agredida. Eles tiveram que usar as leis deles para me conter, então não teve, de nenhuma forma, tortura", afirma.
No entanto, na tarde da última quarta-feira (15), mais áudios foram descobertos. Em uma das gravações, Heloísa Alves anuncia que Verônica não quer ser usada para fins políticos e que os áudios precisam ser divulgados o mais rápido possível com uma nota do Conselho Estadual LGBT, pois haveria na internet uma campanha afirmando que a modelo foi "torturada nos porões do governo Gerado Alckmin". Alves explica que não fala isso pensando no governo, mas sim na própria Verônica, que teria afirmado que "não quer ser usada como vítima de governo nenhum". Em outras gravações, a coordenadora diz, incomodada, que Verônica não foi coagida a dar qualquer declaração.
No áudio seguinte, Verônica reforça mais uma vez que não foi torturada, afirmando que não deseja ser usada para fins políticos e que só quer sua vida de volta. Nessa gravação, é possível ouvir uma voz feminina aparentemente ditando a fala de Verônica, como se estivesse a lembrando de um roteiro.
Para justificar a existência de outra voz feminina ao fundo, Verônica explica, em uma terceira gravação, que havia pedido auxílio a Heloísa Alves durante sua fala, pois estaria muito cansada e não sabia pronunciar a palavra "tortura".
Apesar da situação, somada ao fato da modelo ter sido exposta em fotos - onde aparece irreconhecível, com o rosto gravemente desfigurado, cabelo raspado e seios à mostra -, a coordenadora Heloísa Alves afirma que não houve nenhuma irregularidade no tratamento dado a Verônica e pede que a "verdade seja restaurada".
O advogado criminalista Pedro Munhoz, no entanto, afirma o contrário. "A possibilidade de abuso de poder e tortura não pode ser definitivamente afastada com base em um áudio. A reação da polícia precisa ser moderada e pontual. Os ferimentos no rosto de Verônica não parecem ser resultado disso. Ela deveria ser submetida a perícia", defende.
Munhoz explica que as agressões contra a modelo, a raspagem do seu cabelo e sua nudez forçada configuram violações de direitos constitucionais e violam regras e orientações objetivas do sistema prisional do estado de São Paulo, uma vez que a resolução SAP 11, DE 30/01/2014, estabelece que travestis e mulheres transexuais têm o direito de manter o cabelo à altura dos ombros e a trajar roupas íntimas femininas, por respeito a sua identidade de gênero e ao princípio da dignidade. "O direito constitucional à própria imagem e à dignidade, é bom lembrar, abarca a todos os cidadãos brasileiros, presos ou não. A maneira degradante como ela foi exposta constitui clara violação", pontua.
Munhoz também questiona a postura da coordenadora Heloísa Alves. "No caso concreto, em muito me estranha a postura de tentar dar por encerrado um caso em que, claramente, ainda há muito a investigar", salienta. "Não sei, no entanto, em que condições se deu a gravação do áudio ou se a própria Verônica, por algum motivo, tenha pedido a Heloísa Alves que agisse dessa forma. É preciso ter cautela, a vida de Verônica pode estar em risco. Em última análise, não caberia a ela, mas à Justiça afirmar se houve ou não abuso", conclui.
À Fórum, o oficial Rafael Moura, do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, declarou que a Defensoria ainda não estava acompanhando o caso, mas que tomará providências para averiguação assim que dispuserem de mais informações, quando poderão também oferecer assistência a Verônica Bolina.
A Ouvidoria da Polícia de São Paulo também foi procurada por Fórum, mas disse desconhecer o caso. Em ligação retornada uma hora depois, a assessoria da Ouvidoria comunicou que havia gerado um protocolo e enviado ofícios ao Ministério Público e à Corregedoria, para que sejam tomadas providências e o caso de Verônica possa ser acompanhado.
Procurada por Fórum, a coordenadora Heloísa não atendeu às chamadas e a assessoria da Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo afirmou que apenas a coordenadora poderia se pronunciar sobre o caso.
É importante lembrar que, independentemente do desfecho, o episódio envolvendo Verônica Bolina não é um acontecimento isolado. "O caso é um resumo de como, ao mesmo tempo, os presos, as pessoas negras e transexuais são tratadas no Brasil. Infelizmente, não é um caso especial, ou incomum. É parte do nosso cotidiano", diz Pedro Munhoz.
Nas redes sociais, diversas campanhas em defesa da modelo vêm sendo compartilhadas com a hashtag #SomosTodasVerônica.