Majestic 12: Entenda a mega teoria da conspiração que embala bolsonaristas
Como mitos de governos secretos, ufologia e misticismo nazista alimentam o delírio da extrema direita até hoje
A micareta golpista esvaziada deste domingo (29) na Avenida Paulista, em São Paulo, além de evidenciar o desgaste político de Jair Bolsonaro, também reuniu figuras que carregam teorias conspiratórias dignas de roteiro de ficção.
Um exemplo foi um “cidadão de bem” entrevistado pelo portal Metrópoles — uma espécie de porta-voz do bolsonarismo — que jura que Lula está morto desde 2022 e quem governa o país é um sósia. Para dar verniz ao delírio, ele recorreu à mega teoria da conspiração conhecida como Majestic 12, ou simplesmente MJ-12.
Em sua fala confusa, o bolsonarista mistura várias teorias estapafúrdias: sustenta que existiria um grupo secreto globalista, comparável a um “estado profundo” ou cabala, que controlaria governos ao redor do mundo. Na cabeça dele, a disputa política entre Lula e Bolsonaro seria apenas parte de uma “guerra entre o bem e o mal”, na qual Donald Trump seria o “xerife do planeta”, supostamente à frente de uma cruzada para derrotar esse poder oculto.
Assista ao delírio
O que é o Majestic 12?
O MJ-12 é uma lenda clássica da ufologia. Segundo documentos que apareceram misteriosamente nos anos 1980, o governo dos EUA teria criado em 1947 um comitê ultra-secreto, por ordem do presidente Harry S. Truman, logo depois do famoso Caso Roswell, quando se espalhou que um disco voador caiu no Novo México.

Esses papéis, chamados de “Majestic Documents”, diziam que o grupo tinha 12 membros — generais, cientistas e oficiais de inteligência — que cuidariam de esconder naves, corpos de alienígenas e qualquer prova de vida extraterrestre. A suposta missão era guardar os segredos para evitar pânico social.
Só que investigações do FBI e de pesquisadores mostraram que tudo indica fraude: erros de digitação, linguagem estranha para documentos oficiais e outras falhas. Mesmo assim, ufólogos famosos como Stanton Friedman defenderam por décadas que algo poderia ser verdade.
Como essa história virou assunto de bolsonarista?
Originalmente, o MJ-12 era só parte da cultura de OVNIs, mas ressurgiu na internet por causa de fóruns conspiratórios como o QAnon, nos EUA. O QAnon mistura várias conspirações: Illuminati, Nova Ordem Mundial, Área 51, reptilianos e o próprio MJ-12. Tudo isso cria uma narrativa de que existe uma elite oculta que governa o mundo, manipula eleições e controla governos legítimos.
No Brasil, grupos bolsonaristas mais radicais importaram essa mistura depois que Trump foi eleito, em 2016, e Bolsonaro, em 2018. Expressões como “Deep State” (Estado profundo), “governo oculto” e “globalismo” passaram a circular em grupos de WhatsApp e Telegram, junto com memes dizendo que o MJ-12 controlaria o governo dos EUA e, por tabela, sabotaria Bolsonaro.
Em novembro de 2022, viralizou nas redes sociais um vídeo de apoiadores de Bolsonaro pedindo ajuda a "extraterrestres" em Porto Alegre (RS), usando luzes de celulares para sinalizar na direção do céu.
Para essa bolha que pede ajuda de ETs, acreditar em um “governo fantasma” ajuda a justificar qualquer coisa: se Bolsonaro perde apoio ou enfrenta investigações, é culpa de uma força oculta. Assim, golpistas podem manter apoiadores mobilizados contra “o sistema” — mesmo que isso não tenha qualquer prova real.
Esoterismo nazista: o mesmo roteiro antigo
Para entender por que tantas pessoas ainda caem em teorias conspiratórias misturadas com misticismo, basta olhar para a história. Um exemplo clássico é o nazismo esotérico. Durante o Terceiro Reich, líderes nazistas como Heinrich Himmler, chefe da temida SS (Schutzstaffel) — tropa de elite criada como guarda-costas de Adolf Hitler e transformada em poderosa máquina de vigilância, repressão e extermínio — investiram pesado em criar uma estética ritualística, recheada de símbolos rúnicos e mitos sobre a existência de uma suposta “raça ariana pura”.
Himmler chegou a transformar o Castelo de Wewelsburg, na Alemanha, em uma espécie de “Vaticano Sombrio”, onde organizava cerimônias secretas, cultos pagãos e reuniões de lealdade para a cúpula da SS. Era uma forma de reforçar a ideia de que a SS era mais do que uma polícia secreta: seria uma ordem de cavaleiros modernos, guardiões de segredos e mitos ancestrais.

Para dar um ar “científico” a essa narrativa, os nazistas criaram em 1935 a Ahnenerbe, uma sociedade de “pesquisa” fundada por Himmler e outros ideólogos. Oficialmente, a Ahnenerbe era apresentada como uma instituição dedicada a estudar a história e as origens do povo germânico. Na prática, porém, era uma fábrica de pseudociência e propaganda mística, criada para “provar” que os alemães eram descendentes de uma raça ariana primordial, supostamente superior a todas as outras.
Um dos casos mais famosos foi a expedição ao Tibete, entre 1938 e 1939. Pesquisadores nazistas foram enviados para coletar crânios, medir populações locais, fotografar aldeias e encaixar tudo em teorias raciais absurdas — sem qualquer base real.
Além do Tibete, a Ahnenerbe enviou equipes para estudar tribos no Cáucaso, explorar sítios arqueológicos no Oriente Médio e mapear supostas rotas migratórias de povos arianos. Tudo era reinterpretado para reforçar a farsa de que os germânicos seriam herdeiros legítimos de civilizações antigas.
Na Europa, arqueólogos da Ahnenerbe escavavam ruínas, túmulos e buscavam relíquias “sagradas” na Alemanha, Áustria e Escandinávia. O objetivo era alimentar a imagem de que os germânicos eram um povo antigo, guerreiro, ligado a mitos de vikings, celtas e godos. Muitas descobertas eram distorcidas, fabricadas ou mal interpretadas, mas serviam para turbinar a propaganda nazista.
“Indiana Jones nazista”
Himmler, obcecado por misticismo, encarnava uma espécie de “Indiana Jones nazista” — décadas antes do famoso arqueólogo chegar às telas — e cultivava uma fixação pelo Santo Graal, o cálice lendário da Última Ceia de Cristo, que na tradição medieval teria poderes sobrenaturais. Inspirado em mitos arturianos, ele ordenou que a Ahnenerbe vasculhasse pistas do Graal, além de lanças sagradas, espadas míticas e qualquer artefato ligado a reis ou cavaleiros. Essas buscas, mais fantasiosas do que científicas, ajudavam a moldar a SS como uma “ordem mística” encarregada de proteger segredos ocultos.
A parte mais cruel da Ahnenerbe foram os chamados “estudos raciais”. Pesquisadores promoviam medições de crânios, rostos e corpos de diferentes populações europeias — inclusive usando prisioneiros de campos de concentração como cobaias. Esses experimentos eram brutais, anticientíficos e serviam apenas para tentar “comprovar” a superioridade da raça ariana.
No fim, toda essa mistura de ocultismo, arqueologia distorcida e racismo disfarçado de ciência ajudou a criar uma narrativa épica: o nazismo se apresentava como herdeiro de uma “missão sagrada”, justificando expansionismo e genocídio em nome de uma causa supostamente histórica e espiritual.
Mesmo depois da guerra, essas fantasias não morreram. Muitos grupos neonazistas, teorias conspiratórias e círculos esotéricos ainda reciclam essas lendas — misturando símbolos da SS, runas germânicas, mitos arturianos e boatos sobre tesouros místicos escondidos para manter viva a ideia de uma “raça superior” e uma “missão espiritual”.
Para completar o enredo, surgiram mitos sobre tecnologias secretas, como discos voadores movidos a “energia Vril”, supostamente herdada de contatos alienígenas. Após 1945, teorias sobre “UFOs nazistas” e “bases secretas na Antártida” continuaram alimentando esse universo paralelo — o mesmo padrão de fantasia que reaparece em teorias conspiratórias de hoje.
O que isso tudo mostra
Tanto o Majestic 12 como o misticismo nazista seguem o mesmo padrão: uma narrativa de “forças ocultas” que controlam tudo, recheada de símbolos misteriosos, documentos secretos e uma batalha eterna entre “o bem e o mal”. No século XXI, tudo volta reciclado em teorias como QAnon, MJ-12, reptilianos e fake news sobre governos “secretos”.

Para ver como Hollywood transformou essa bobajada em aventura, vale assistir a clássicos como Indiana Jones e a Última Cruzada (1989) e Os Caçadores da Arca Perdida (1981), ou explorar o lado sobrenatural em Hellboy (2004) e The Man in the High Castle (Amazon Prime Video). Para quem gosta de ufologia e governo oculto, Arquivo X (1993–2018) e Independence Day (1996) são indispensáveis. E, nos games, Wolfenstein continua reciclando nazismo místico, tecnologia secreta e conspiração para divertir quem adora teorias — mas só na tela.