CHAPÉU DE ALUMÍNIO

Majestic 12: Entenda a mega teoria da conspiração que embala bolsonaristas

Como mitos de governos secretos, ufologia e misticismo nazista alimentam o delírio da extrema direita até hoje

Escrito em História el
Jornalista que atua em Brasília desde 1995, tem experiência em redação, em comunicação corporativa e comunicação pública, em assessoria de imprensa, em produção de conteúdo, campanha política e em coordenação de equipes. Atuou, entre outros locais, no Governo Federal, na Presidência da República e no Ministério da Justiça; no Governo do Distrito Federal, na Secretaria de Comunicação e na Secretaria de Segurança Pública; e no Congresso Nacional, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados e na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO).
Majestic 12: Entenda a mega teoria da conspiração que embala bolsonaristas
Majestic 12: Entenda a mega teoria da conspiração que embala bolsonaristas. Como mitos de governos secretos, ufologia e misticismo nazista alimentam o delírio da extrema direita até hoje. Fotomontagem (Brasil de Fato e Canva)

A micareta golpista esvaziada deste domingo (29) na Avenida Paulista, em São Paulo, além de evidenciar o desgaste político de Jair Bolsonaro, também reuniu figuras que carregam teorias conspiratórias dignas de roteiro de ficção.

Um exemplo foi um “cidadão de bem” entrevistado pelo portal Metrópoles — uma espécie de porta-voz do bolsonarismo — que jura que Lula está morto desde 2022 e quem governa o país é um sósia. Para dar verniz ao delírio, ele recorreu à mega teoria da conspiração conhecida como Majestic 12, ou simplesmente MJ-12.

Em sua fala confusa, o bolsonarista mistura várias teorias estapafúrdias: sustenta que existiria um grupo secreto globalista, comparável a um “estado profundo” ou cabala, que controlaria governos ao redor do mundo. Na cabeça dele, a disputa política entre Lula e Bolsonaro seria apenas parte de uma “guerra entre o bem e o mal”, na qual Donald Trump seria o “xerife do planeta”, supostamente à frente de uma cruzada para derrotar esse poder oculto.

Assista ao delírio

O que é o Majestic 12?

O MJ-12 é uma lenda clássica da ufologia. Segundo documentos que apareceram misteriosamente nos anos 1980, o governo dos EUA teria criado em 1947 um comitê ultra-secreto, por ordem do presidente Harry S. Truman, logo depois do famoso Caso Roswell, quando se espalhou que um disco voador caiu no Novo México.

Getty Images - O rumoroso Caso Roswell

Esses papéis, chamados de “Majestic Documents”, diziam que o grupo tinha 12 membros — generais, cientistas e oficiais de inteligência — que cuidariam de esconder naves, corpos de alienígenas e qualquer prova de vida extraterrestre. A suposta missão era guardar os segredos para evitar pânico social.

Só que investigações do FBI e de pesquisadores mostraram que tudo indica fraude: erros de digitação, linguagem estranha para documentos oficiais e outras falhas. Mesmo assim, ufólogos famosos como Stanton Friedman defenderam por décadas que algo poderia ser verdade. 

Como essa história virou assunto de bolsonarista?

Originalmente, o MJ-12 era só parte da cultura de OVNIs, mas ressurgiu na internet por causa de fóruns conspiratórios como o QAnon, nos EUA. O QAnon mistura várias conspirações: Illuminati, Nova Ordem Mundial, Área 51, reptilianos e o próprio MJ-12. Tudo isso cria uma narrativa de que existe uma elite oculta que governa o mundo, manipula eleições e controla governos legítimos.

No Brasil, grupos bolsonaristas mais radicais importaram essa mistura depois que Trump foi eleito, em 2016, e Bolsonaro, em 2018. Expressões como “Deep State” (Estado profundo), “governo oculto” e “globalismo” passaram a circular em grupos de WhatsApp e Telegram, junto com memes dizendo que o MJ-12 controlaria o governo dos EUA e, por tabela, sabotaria Bolsonaro.

Em novembro de 2022, viralizou nas redes sociais um vídeo de apoiadores de Bolsonaro pedindo ajuda a "extraterrestres" em Porto Alegre (RS), usando luzes de celulares para sinalizar na direção do céu. 

Para essa bolha que pede ajuda de ETs, acreditar em um “governo fantasma” ajuda a justificar qualquer coisa: se Bolsonaro perde apoio ou enfrenta investigações, é culpa de uma força oculta. Assim, golpistas podem manter apoiadores mobilizados contra “o sistema” — mesmo que isso não tenha qualquer prova real.

Esoterismo nazista: o mesmo roteiro antigo

Para entender por que tantas pessoas ainda caem em teorias conspiratórias misturadas com misticismo, basta olhar para a história. Um exemplo clássico é o nazismo esotérico. Durante o Terceiro Reich, líderes nazistas como Heinrich Himmler, chefe da temida SS (Schutzstaffel) — tropa de elite criada como guarda-costas de Adolf Hitler e transformada em poderosa máquina de vigilância, repressão e extermínio — investiram pesado em criar uma estética ritualística, recheada de símbolos rúnicos e mitos sobre a existência de uma suposta “raça ariana pura”.

Himmler chegou a transformar o Castelo de Wewelsburg, na Alemanha, em uma espécie de “Vaticano Sombrio”, onde organizava cerimônias secretas, cultos pagãos e reuniões de lealdade para a cúpula da SS. Era uma forma de reforçar a ideia de que a SS era mais do que uma polícia secreta: seria uma ordem de cavaleiros modernos, guardiões de segredos e mitos ancestrais.

Wikipedia - Himmler chegou a transformar o Castelo de Wewelsburg, na Alemanha, em uma espécie de “Vaticano Sombrio".

Para dar um ar “científico” a essa narrativa, os nazistas criaram em 1935 a Ahnenerbe, uma sociedade de “pesquisa” fundada por Himmler e outros ideólogos. Oficialmente, a Ahnenerbe era apresentada como uma instituição dedicada a estudar a história e as origens do povo germânico. Na prática, porém, era uma fábrica de pseudociência e propaganda mística, criada para “provar” que os alemães eram descendentes de uma raça ariana primordial, supostamente superior a todas as outras.

Um dos casos mais famosos foi a expedição ao Tibete, entre 1938 e 1939. Pesquisadores nazistas foram enviados para coletar crânios, medir populações locais, fotografar aldeias e encaixar tudo em teorias raciais absurdas — sem qualquer base real.

Além do Tibete, a Ahnenerbe enviou equipes para estudar tribos no Cáucaso, explorar sítios arqueológicos no Oriente Médio e mapear supostas rotas migratórias de povos arianos. Tudo era reinterpretado para reforçar a farsa de que os germânicos seriam herdeiros legítimos de civilizações antigas.

Na Europa, arqueólogos da Ahnenerbe escavavam ruínas, túmulos e buscavam relíquias “sagradas” na Alemanha, Áustria e Escandinávia. O objetivo era alimentar a imagem de que os germânicos eram um povo antigo, guerreiro, ligado a mitos de vikings, celtas e godos. Muitas descobertas eram distorcidas, fabricadas ou mal interpretadas, mas serviam para turbinar a propaganda nazista.

“Indiana Jones nazista”

Himmler, obcecado por misticismo, encarnava uma espécie de “Indiana Jones nazista” — décadas antes do famoso arqueólogo chegar às telas — e cultivava uma fixação pelo Santo Graal, o cálice lendário da Última Ceia de Cristo, que na tradição medieval teria poderes sobrenaturais. Inspirado em mitos arturianos, ele ordenou que a Ahnenerbe vasculhasse pistas do Graal, além de lanças sagradas, espadas míticas e qualquer artefato ligado a reis ou cavaleiros. Essas buscas, mais fantasiosas do que científicas, ajudavam a moldar a SS como uma “ordem mística” encarregada de proteger segredos ocultos.

A parte mais cruel da Ahnenerbe foram os chamados “estudos raciais”. Pesquisadores promoviam medições de crânios, rostos e corpos de diferentes populações europeias — inclusive usando prisioneiros de campos de concentração como cobaias. Esses experimentos eram brutais, anticientíficos e serviam apenas para tentar “comprovar” a superioridade da raça ariana.

No fim, toda essa mistura de ocultismo, arqueologia distorcida e racismo disfarçado de ciência ajudou a criar uma narrativa épica: o nazismo se apresentava como herdeiro de uma “missão sagrada”, justificando expansionismo e genocídio em nome de uma causa supostamente histórica e espiritual.

Mesmo depois da guerra, essas fantasias não morreram. Muitos grupos neonazistas, teorias conspiratórias e círculos esotéricos ainda reciclam essas lendas — misturando símbolos da SS, runas germânicas, mitos arturianos e boatos sobre tesouros místicos escondidos para manter viva a ideia de uma “raça superior” e uma “missão espiritual”.

Para completar o enredo, surgiram mitos sobre tecnologias secretas, como discos voadores movidos a “energia Vril”, supostamente herdada de contatos alienígenas. Após 1945, teorias sobre “UFOs nazistas” e “bases secretas na Antártida” continuaram alimentando esse universo paralelo — o mesmo padrão de fantasia que reaparece em teorias conspiratórias de hoje.

O que isso tudo mostra

Tanto o Majestic 12 como o misticismo nazista seguem o mesmo padrão: uma narrativa de “forças ocultas” que controlam tudo, recheada de símbolos misteriosos, documentos secretos e uma batalha eterna entre “o bem e o mal”. No século XXI, tudo volta reciclado em teorias como QAnon, MJ-12, reptilianos e fake news sobre governos “secretos”.

Fotomontagem Wikipedia - As aventuras de Indiana Jones

Para ver como Hollywood transformou essa bobajada em aventura, vale assistir a clássicos como Indiana Jones e a Última Cruzada (1989) e Os Caçadores da Arca Perdida (1981), ou explorar o lado sobrenatural em Hellboy (2004) e The Man in the High Castle (Amazon Prime Video). Para quem gosta de ufologia e governo oculto, Arquivo X (1993–2018) e Independence Day (1996) são indispensáveis. E, nos games, Wolfenstein continua reciclando nazismo místico, tecnologia secreta e conspiração para divertir quem adora teorias — mas só na tela.

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